Natalia Timerman

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Opinião

Solidão de ano-novo: ninguém é obrigado a se sentir feliz

No rádio, uma entrevista com dicas sobre como enfrentar a difícil solidão do fim do ano. O post de uma amiga psiquiatra, seu rosto nitidamente cansado, em cuja legenda se lê algo como "filtro maravilhoso que se chama 'psiquiatra no mês de dezembro'". As demandas do meu próprio consultório mais intensas; alguns amigos mais fragilizados, sensíveis, como que se preparando para esses últimos dias, para a dor do ano que se vai, dor que com sorte conseguimos transformar em desejo, em plano, em semente para o que se inicia.

Sim, as pessoas parecem sofrer mais no fim do ano, neste momento de balanço, de revisitar o que se cumpriu e o que não. O que não se fez costuma superar o que se fez, simplesmente porque uma lista é sempre uma lista de expectativas, e expectativas são feitas para serem frustradas, e então renovadas.

As pessoas parecem sofrer mais entre o Natal e o ano-novo justamente porque é tempo de ser feliz, e sentir-se triste — tão legítimo — parece estar errado agora, um pesar duplo, pelo sentimento e pelo fato de o sentir.

Talvez por isso as pessoas se juntem: não só para celebrar, mas também para deixar calada, quieta no fundo do som do tilintar dos copos, dos fogos de artifício, essa dor: mais um ano se passou, é bonito que estejamos vivos, mas também é triste. Principalmente para quem já perdeu alguém.

Para quem já perdeu alguém, a passagem do ano demarca a falta. Lembro do primeiro ano-novo sem meu pai: eu celebrava com amigos e, quando um deles gritou com força: vai embora, 2019, me senti sutilmente ofendida, como se aquele grito, e não a passagem do tempo, me distanciasse do último ano do meu pai, da vida dele.

E a perda não precisa ser só por morte. Amigos, amores, pessoas que estavam, estariam e não mais estarão, todas essas vão embora de novo no silêncio riscado pela caneta que insiste, que tenta, que anota o que se pretende fazer no ano que entra, no ano que começa, renovação da esperança.

Ano que vem vou aprender francês. Vou dançar. Ler mais. Ano que vem vou ser a pessoa que sempre quis ser. Terminar de escrever meu próximo livro. Meu doutorado. Manter um diário, do ano que vem não passa. Não abandonar mais os planos, nem a lista do que pretendo fazer. Ano que vem vou continuar sentindo falta das pessoas que se foram. Sem tanta dor.

Até com alegria, e então minha voz se junta à dos que entoam "Adeus, ano velho", porque depois que se perde alguém, toda alegria é triste, mas continua sendo alegria. Feliz ano novo, que tudo se realize — até mesmo porque já era assim antes: a alegria é em si também triste, e talvez ser feliz, isso que se costuma chamar de ser feliz, não seja mais do que a mera aceitação da felicidade possível, que inclui a saudade, a tristeza, a dor — e também a alegria.

Feliz ano-novo a você que me lê.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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