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No mês do orgulho LGBTQIA+, retrocesso jurídico e transfobia permanecem

Hoje, as paradas ao redor do mundo ainda têm o caráter de protesto, mas incorporaram o aspecto da celebração do orgulho - Getty Images/iStockphoto
Hoje, as paradas ao redor do mundo ainda têm o caráter de protesto, mas incorporaram o aspecto da celebração do orgulho Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

13/06/2022 04h00

Nesta semana, centenas de milhares ou até mesmo milhões de pessoas devem estar se preparando para uma das maiores festas brasileiras, a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, que acontecerá no dia 19 de junho, depois de duas edições não presenciais.

As Mães pela Diversidade —ONG que reúne mães e pais de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgênero, assexuais e mais— estão trabalhando dia e noite. Preparando as fantasias, inscrevendo os convidados para o carro que abrirá o evento, cuidando da logística de uma maneira febril. E vibrante.

Essas Mães desfilam em paradas de vários estados do Brasil, mas a de São Paulo é a grande festa, o momento em que elas reinam, poderosas —como gostariam de ser todo dia—, protegendo seus filhos das crueldades da vida. Desde 2015, elas abrem a Parada de São Paulo com a missão de fornecer uma proteção simbólica aos "filhos" que vêm atrás, na avenida Paulista.

Então, se você encontrar uma mãe ou um pai pela diversidade por esses dias, você deveria encontrar uma pessoa estressada, mas muito feliz.

Mas não é bem assim, infelizmente. Enquanto tudo isso acontece, entrevisto uma advogada, Claudia Ramos, para dar uma notícia triste para a comunidade transgênero: desde o dia 8, cirurgias de transgenitalização (redesignação sexual, adequação de órgãos sexuais) não serão mais oferecidas pelos planos particulares de saúde, em decorrência de uma decisão sinistra do Superior Tribunal de Justiça.

Essa decisão afeta outras comunidades, como a de pessoas de espectro autista, que se valem de tratamentos tidos como experimentais para obter um mínimo de melhora da qualidade de vida.

Atitudes transfóbicas

Faz uma semana, converso várias vezes com uma mãe do Pará cujo filho tem sido alvo de atitudes transfóbicas na escola que frequenta. Esse garoto, um adolescente, tem o direito, garantido por lei, de ser chamado pelo nome social, o nome que escolheu e que combina com o gênero com o qual se identifica. Mas os professores da escola repetidamente o chamam pelo nome antigo, feminino, e ignoram os pedidos da mãe e do aluno de que chamadas de presença e provas tenham o nome antigo substituído.

Esse menino foi internado com uma taquicardia que, segundo a mãe ouviu do médico de plantão no hospital, se revelou um infarto, logo após ser chamado de menina na escola. Três dias depois de sair do hospital, ele novamente foi desrespeitado pela professora de inglês.

Ouço a mãe, entendo o medo que ela tem de falar publicamente sobre o assunto. "Queria gravar um vídeo, pedir que todos respeitassem os nomes sociais, explicar o quanto isso é importante para uma pessoa, mas se eu contar o que acontece na escola, meu filho vai sofrer uma retaliação, tenho certeza. Então, vou continuar brigando com a direção da escola, mas sem expor a situação."

Enquanto o coração desse adolescente quase arrebenta no Pará, a milhares de quilômetros dali, no interior da Bahia, a casa de outro menino trans —onde ele mora com sua mãe- é apedrejada por pessoas transfóbicas.

Também ele não é respeitado na escola. Professores e colegas se recusam a obedecer a lei e tratá-lo pelo nome dele, o nome social.

A Rebelião de Stonewall

O mês do Orgulho LGBTQIA+ nasceu de uma luta. No dia 28 de junho de 1969, frequentadores gays, drags, travestis e lésbicas de um bar em Nova York, cansados de serem agredidos pela polícia, passaram a reagir. A briga desencadeou uma série de protestos que durou semanas na cidade. Esse evento, conhecido como Rebelião de Stonewall (o nome do bar era Stonewall Inn), é tido como o início da campanha pelos direitos LGBTQIA+ no mundo.

Um ano depois, nasceu a famosa Parada do Orgulho Gay de San Francisco, na Califórnia.

Hoje, as paradas ao redor do mundo ainda têm o caráter de protesto, mas incorporaram o aspecto da celebração do orgulho. "As pessoas perguntam o porquê do orgulho", diz Maju Giorgi, presidente das Mães pela Diversidade. "É para se contrapor à vergonha que querem que a gente sinta. Simples assim."

Maju e suas parceiras de orgulho gostariam de celebrar apenas as conquistas dos direitos de seus filhos nessa Parada. Mas, pelo jeito, vamos ter que continuar lutando, a festa não é suficiente ainda. Os acontecimentos de 1969 continuam presentes na vida de muitos de nós.

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