Topo

Blog Nós

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ditadura, racismo e homofobia no Qatar: momento para o Brasil se posicionar

Copa no Qatar: torcedores do Irã fazem protesto contra o governo iraniano, que tem fortes represálias contra mulheres  - reprodução
Copa no Qatar: torcedores do Irã fazem protesto contra o governo iraniano, que tem fortes represálias contra mulheres Imagem: reprodução

Brenda Lee Silva Fucuta

Colunista de Universa

29/11/2022 04h00

A Copa do Qatar virou a Copa dos protestos. Alemanha, Bélgica, Inglaterra, Holanda, Suíça, Dinamarca e País de Gales condenaram a homotransfobia e o racismo. A seleção do Irã apoiou os direitos das mulheres. Três grandes causas caras aos direitos humanos, três causas relacionadas ao futebol, esporte no qual gays, negros e mulheres são historicamente discriminados. O Brasil, infelizmente, não se pronunciou, e mais uma vez perdeu a oportunidade de se posicionar contra injustiças sociais que vitimam boa parte da nossa população. Motivos não faltam para os brasileiros se engajarem nos protestos.

Faz dois anos, Neymar foi chamado de macaco pelo jogador espanhol Álvaro Gonzales. Neymar, em 2010, dizia que não era negro, veja só. Nos últimos anos, mudou de postura e vem se manifestando contra o racismo. Porém, se a indignação do jogador brasileiro contra a discriminação racial fosse do tamanho da dos ingleses, Neymar poderia ter se ajoelhado em campo, gesto simples e impossível de ser controlado pela FIFA, organização que tem se mostrado totalmente avessa aos direitos humanos.

Também em 2020, um relatório chamado Best Countries Report, que pesquisa o modo de vida de 78 países, apontava que o Qatar era o pior país do planeta em termos de igualdade racial, seguido da Sérvia e da Arábia Saudita. Verdade que outro estudo, do jornal norte-americano Washington Post, de 2013, mostrou outro resultado. Conduzido em mais de 80 países, o local apontado como mais racista do mundo foi a Índia. Pois bem, 75% da população do Qatar é estrangeira —a grande maioria, indiana.

Usar a braçadeira One Love (Um Amor), de apoio à comunidade LGBTQIA+, foi proibido pela organização do evento aos jogadores, como os alemães, que protestaram tapando a boca em campo —imagem censurada pela TV do Qatar. Mas autoridades fora de campo a ostentaram, caso da ministra alemã Nancy Faeser, da ministra belga Hadja Lahbib e da ex-primeira-ministra da Dinamarca. No dia 25, chegavam notícias de que as bandeiras LGBTQIA+ poderiam circular nos estádios —mas as braçadeiras continuavam proibidas.

Um estudo feito pelas Nações Unidas em 2013 mostrou que mais de 70 países ainda criminalizavam relações homossexuais. Naquele ano, uma assembleia da organização convocava os países membros a se comprometer com o combate à LGBTfobia. O Qatar, país membro da ONU desde 1971, não estava presente. Na verdade, apenas representantes da Argentina, do Brasil, da Croácia, dos Estados Unidos, da Holanda, da Noruega, da França e da União Europeia compareceram ao evento.

A boa notícia é que, de acordo com pesquisa global feita pelo instituto americano Pew Research, está aumentando o número de países que aceitam relacionamentos homossexuais. O instituto, que comparou pesquisas de 2013 com 2019, concluiu que quanto mais jovem o respondente, menor o grau de preconceito, o que nos dá uma tranquilizada quanto ao futuro.

No Qatar, o país mais rico do mundo segundo o PIB per capita, graças às exportações de petróleo, mulheres só podem casar com autorização de um guardião, gays e lésbicas sofrem com o risco de prisão ou morte, a censura persegue a imprensa e os partidos políticos são proibidos.

Para muitos estudiosos, os costumes do Qatar deveriam ser respeitados por quem pensa diferente deles. É uma corrente que, em direitos humanos, se chama relativismo. Ela contraria especialmente a noção de universalismo de tratados como a Declaração dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1945 como um pacto de boa convivência entre as nações depois da Segunda Guerra Mundial. Os críticos do universalismo pontuam que a Declaração foi escrita principalmente por representantes do Ocidente que não consideraram as realidades de outas regiões do mundo.

Por isso, talvez, a declaração do secretário-geral da Copa, Hassan Al Thawadi, tenha algum mérito. "Muitas vezes sofremos com racismo, preconceitos e estereótipos de longa data sobre o Oriente Médio e o mundo árabe", desabafou ele.

Mesmo assim e mesmo considerando-se que em Roma devemos agir como os romanos, não dá para esquecer que liberdades individuais deveriam ser respeitadas em qualquer sociedade.

O Qatar é uma ditadura. Milionária. Mas sem liberdade. Para mim, essa não é uma questão de costume.

Blog Nós