Topo

Blog Nós

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vazamento de nudes de mulheres maduras não pode ser instrumento de controle

Cena da série "Intimidade", da Netflix, em que a protagonista é filmada sem consentimento - David Herranz/Netflix
Cena da série "Intimidade", da Netflix, em que a protagonista é filmada sem consentimento Imagem: David Herranz/Netflix

Colunista de Universa

11/07/2022 04h00


Quando o escândalo acontece e o vídeo dela fazendo sexo com um desconhecido vaza para as redes sociais e depois para TVs e jornais, não fica claro de quem é a culpa.

Dela, que se deixou filmar? Que foi descuidada? De quem filmou e vazou as imagens, sabendo que estaria expondo a privacidade de uma mulher casada, mãe de uma adolescente? Ou de quem compartilhou as cenas, consciente de que elas iriam viralizar até ganhar um lugar na cruel biblioteca dos registros permanentes das humilhações públicas?

Essas são as perguntas que surgem no seriado "Intimidade", que acabo de ver na Netflix. Lembra da investigadora da "La Casa de Papel? É ela a atriz da personagem que tem as cenas íntimas vazadas no novo seriado. Uma alegria revê-la em um papel complexo, a de uma política durona disposta a se eleger como prefeita e que, para isso, deixa a família e a casa aos cuidados do marido. (Claro que ele não lida muito bem com isso, mas vou deixar os spoilers por aqui.)

Desde que o vazamento de nudes e o pornô da vingança viraram um jeito fácil de demolir a reputação e a vida das mulheres, estava faltando um bom filme ou seriado sobre o assunto. "Intimidade" é um bom seriado sobre o assunto. Para começar, não é apenas para convertidos. Acompanha o drama das vítimas com honestidade, sem fazer demagogia, partindo de um ponto de vista pouco comum quando o tema é vazamento de nudes: o ponto de vista das mulheres maduras.

Cena da série "Intimidade", da Netflix - DAVID HERRANZ/NETFLIX - DAVID HERRANZ/NETFLIX
Cena da série "Intimidade", da Netflix
Imagem: DAVID HERRANZ/NETFLIX

Embora o seriado também mostre o medo de uma adolescente de ser exposta pelo ex-namorado, as histórias principais falam sobre a frágil privacidade de mulheres adultas na era da distribuição incontrolável de conteúdo íntimo.

Sim, não são apenas as adolescentes que correm o risco de terem vídeos vazados na internet. Nesse momento tenho certeza de que centenas de milhões de mulheres adultas devem estar se lembrando, com horror, de alguma cena íntima —uma foto para o namorado, um vídeo com o ex-marido, uma imagem enviada para um date do Tinder. O que essa cena, caso fosse transferida para a rede da suposta segurança dos arquivos particulares de um celular, poderia causar nas nossas vidas? Não seria terrível sabermos que uma situação privada foi parar no celular dos nossos amigos, colegas de trabalho, do dono da padaria e do vizinho? Dos nossos pais e filhos, pelo amor de Deus!

Poucas coisas podem superar a crueldade dessa exposição na maior praça pública do mundo. Não é apenas a nudez que será vista, compartilhada e esmiuçada por conhecidos e desconhecidos, mas algo muito mais particular e sagrado: o espaço onde você pode guardar seu eu secreto e íntimo.

Muitas vezes, nem você mesma o conhece bem ou esteve frente a frente com ele.

Criamos legislação para punir quem compartilha cenas de intimidade, chamamos nossos filhos para uma conversa sobre o perigo de trocar nudes com ficantes e namorados, mas isso não basta. Criamos cartilhas que ajudam a evitar essas situações. Tome mais cuidado com o parceiro que escolhe. Não se deixar ser gravada durante o ato sexual. Não envie fotos provocantes. Todas essas dicas são bem-intencionadas, mas, sei lá, elas me lembram muito aquele velho conselho: se você se comportar bem, não vai ser malfalada. Separar mulheres em dois times —o das santas e o das devassas— continua sendo um instrumento muito eficaz para nos controlar.

Faz muito pouco tempo que as mulheres conquistaram o direito de decidir com quem, como e quando transar. É terrível perceber que a mesma internet que permitiu a expansão das ideias feministas possa, agora, servir para restringir nossa liberdade.

O que fazer? Punir os culpados, denunciá-los, educar as novas gerações a não serem machistas e julgativas, pressionar as empresas de distribuição de conteúdo a serem mais vigilantes... tudo isso é necessário - e básico. O importante, mesmo, é não desistir, não voltar atrás. Um nude, por mais doloroso que seja, não pode acabar com as conquistas de todas as mulheres do mundo.

Blog Nós