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Ana Paula Xongani

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Precisamos falar sobre moda, representatividade, poder de consumo e Beyoncé

Beyoncé veste look da sua collab com a Adidas - Reprodução / Instagram @beyonce
Beyoncé veste look da sua collab com a Adidas Imagem: Reprodução / Instagram @beyonce

Colunista do UOL

23/03/2022 04h00

A consciência de moda e na moda é crescente. Na verdade, todo e qualquer processo de tomada de consciência é crescente, como eu sempre digo, um caminho sem volta. A partir do momento que você aprende, entende algumas coisas, você reproduz essas coisas para si e para as pessoas que estão a sua volta e, no caso da consciência, ela vai crescendo de forma exponencial.

E não seria diferente com o consumo, as escolhas que se fazem nesse sentido (quando elas podem ser feitas, claro).

O que eu estou querendo dizer com isso? Que cada vez mais, quando a gente pode escolher, somos mais criteriosas na hora de consumir, ainda bem!

E aí os critérios são vários, cada um vai criar sua lista de prioridades. sejam os produtos mais sustentáveis, sejam os produtos que têm os tamanhos maiores, seja a marca mais inclusiva, seja quem produz, seja o que essa peça comunica, o que essa peça significa.

Quando a gente intersecciona isso com questões raciais, se depara com uma ausência gigante de presença negra nas decisões de moda. É inegável que depois dos anos 2000, a gente tem um enorme crescimento de empreendedoras e empreendedores negros no ramo da moda, e também acesso ao que estão produzindo, graças às redes sociais. Moda e beleza são, inclusive, segmentos que mais têm empreendimentos negros no Brasil.

Porém, não dá para negar que as grandes marcas fazem parte do nosso imaginário como consumidoras de moda, fazem parte do que se constrói em torno do "status" relacionado ao vestir.

Por vários fatores, o empreendedorismo negro é sim uma ótima alternativa que a gente tem que ficar atento e valoriza, mas é gostoso também comprar em qualquer shopping, em uma loja de grande circulação.

Meu guarda roupas é bem misto e acho válido isso e, neste sentido, tudo deveria também dialogar comigo, com pessoas como eu, que habitam corpos como o meu.

Cruzando a consciência racial com a consciência de moda, há um fenômeno que é a gente querer consumir e consumir demais quando a gente se sente pertencente a algo, fazendo parte daquela narrativa, integrada a ela de alguma forma. E é dentro deste contexto que venho entendendo — e sentindo — as "collabs", que têm entregado movimentos interessantes e notáveis numa perspectiva de diversidade. Sobretudo numa perspectiva midiática e financeira.

Tem a Lab Fantasma com a C&A, Isaac Silva e Havaianas, Alicia Keys e Reebok, e iniciativas de outra ordem, mas que eu também colocaria neste lugar, com a Iza assumindo a direção criativa da Olympikus e a "Sente o Flow", entre Feira Preta e Instituto C&A, que teve Karol Conká na comunicação.

Além de, claro, o maior fenômeno que representa esse movimento que é, sem dúvida, a Ivy Park, linha de roupas esportivas da Beyoncé, que tem feito algumas collabs com a Adidas.

Com seu poder midiático, Beyoncé leva a Ivy Park a várias regiões do mundo, entregando diversidade de design, de modelagens para corpos diversos, com modelos plurais na comunicação e tudo isso com uma marca que, antes, não estava atenta a isso, ou pelo menos não na dimensão do que Ivy Park entrega. Certa vez, testemunhei influenciadoras e it girls falando que compraram uma peça que acharam "brega" (entre aspas mesmo porque isso é relevante), mas que o fizeram porque era "a Beyoncé".

A força dela é tão grande que catapulta a presença em mídia e também as vendas da própria marca, esgotando as coleções em minutos. Uma marca antiga e conceituada, mas quando vejo as peças da Ivy Park nas pessoas, fico até em dúvida se estão escolhendo Adidas ou se só escolhem Adidas porque é Beyoncé.

Nos grupos negros há um termo que a gente usa: "Beyoncé Modas", um jeito carinhoso, afetivo e próximo para dar notícias ou comentar as coleções, que se tornaram, principalmente neste momento da economia global, itens de luxo, com valores até 3 mil reais por uma peça.

O fenômeno Ivy Park precisa ser visto sob várias perspectivas, mas o que quero levantar hoje é sobre como a junção entre moda, representatividade e poder de consumo se fundem de uma forma poderosa.

E como as marcas "perderam" —e perdem— capital financeiro, social e branding por não serem mais plurais em suas áreas de negócios e criativas.

Trouxe algumas collabs mais acima, mas quero chamar a atenção que a gente ainda tem pouquíssimas colaborações entre marcas brasileiras e potências pretas da moda em coleções que possam refletir a pluralidade criativa que temos por aqui. E isso pode se expandir também para a questão de gênero, sexualidade, classe etc.

Eu poderia citar uma lista enorme de marcas de vários segmentos que fazem collabs de várias coisas, da moda à decoração, que nunca cogitaram ter uma criativa preta.

Por que será que elas resistem tanto? O que vocês acham?