Topo

Ana Paula Xongani

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quem tem medo de uma mulher preta conduzindo um palco de festival?

Ana Paula Xongani no palco da Virada Cultural - Gislayne Miyono
Ana Paula Xongani no palco da Virada Cultural Imagem: Gislayne Miyono

Colunista do UOL

02/06/2022 04h00

Esse final de semana, fui apresentadora da Virada Cultural.

Pela primeira vez estive diante de um palco tão grande, cerca de 100 mil pessoas. Faz tempo que eu desejo e trabalho para estar pronta para estar nesse lugar de apresentadora mas, dessa vez, pude sentir a pressão e, mais uma vez, a enorme responsabilidade de estar nesse lugar.

Recentemente, fiz uma entrevista com uma jornalista da CNN e ela me disse que não tem muitas mulheres apresentando porque é aferir a elas um lugar de muito poder. De fato você ter a possibilidade de estar diante das pessoas com microfone na mão é muito poder e que foi te confiado e conquistado por você e a partir disso você pode fazer o que quiser com ele.

Pocah se apresenta na Virada Cultural 2022 - Gislayne Miyono - Gislayne Miyono
Pocah se apresenta na Virada Cultural 2022
Imagem: Gislayne Miyono

Quando você está diante do público fisicamente mais coisas estão em jogo. A disposição, a vulnerabilidade, tudo ali, diante de todas aquelas pessoas na sua frente, perto de você. Diante disso, todas, absolutamente todas as suas escolhas precisam ser responsáveis.

Atravessando tudo isso com moda, essa responsabilidade não é diferente, porque como já falei aqui algumas vezes, a moda comunica. O que você vai vestir, quem vai te vestir, mas não só. Aquele discurso de que o conforto precisa estar presente, aquele discurso de empoderamento "body positive" precisa estar presente, o que você acredita sobre seus ideais, sejam eles religiosos ou políticos, tudo precisa estar presente em todas as dimensões da forma que você se apresenta nestes momentos em que você é o centro das atenções.

Nessa Virada Cultural, quem me vestiu foi Naná Milumbê e a gente quis trazer uma representação do momento que a gente tá vivendo. A gente estava na Zona Leste de São Paulo, no meu território e, além disso, a gente queria uma proximidade com as pessoas que estavam ali. A gente tinha uma maioria de pessoas pretas, uma maioria de mulheres, uma maioria de pessoas da ZL, uma maioria de pessoas da Cohab, e a gente queria comunicar esse lugar de poder, de estar apresentando de forma muito conectada com este público. Eu não queria comunicar distanciamento, eu queria comunicar proximidade.

"Para além do que eu entendo ser uma linguagem de festival, precisei criar o conceito do look pensando na Xongani como mestre de cerimônia na região de onde ela é natural, num palco pensado para dialogar com a cultura da região: atrações de samba, pagode, rap, hip hop. Então ela precisava estar jovial, mas imprimindo força, segurança, potência, sucesso, desta vez no palco, para aquelas pessoas, que poderiam conhecê-la ou não. Aquilo que a gente sabe que ela é, uma mulher empresária, comunicadora forte na internet, principalmente para mulheres e jovens.Então, escolhi o couro e o preto como base para o estilo dela, textura e cor que entregam rebeldia, afinal ela é uma mulher preta em lugares que habitualmente não se pensam mulheres pretas", me explicou Naná quando pedi que explicasse o conceito do visual. "Os detalhes, as cores mais iluminadas, como o verde, garantiam o contraste necessário para reforçar o preto", completa.

Ana Paula Xongani - Gislayne Miyono - Gislayne Miyono
Ana Paula Xongani comandou o palco da Virada Cultural na Zona Leste
Imagem: Gislayne Miyono

A gente também queria comunicar liberdade, segurança. Eu queria me sentir segura enquanto uma mulher preta diante desse público, diante de um palco e de todo o poder de comunicação que ele tem. Eu queria também comunicar a proximidade com os artistas que estariam ali, que eram: Pocah cantando funk, Ferrugem no pagode e Djonga no rap.

Cada escolha, cada decisão do look foi pensando nisso tudo. E esse é também o poder, o papel da moda, do "look". Esse é o poder de uma mulher preta em cima de um palco, vestida por uma mulher preta, em um palco com tanta gente preta assistindo.

Um momento transformador —e poderoso— pra mim, pra Naná e pra toda galera que curtiu.

Então esse frio na barriga, essa grande emoção que foi apresentar a Virada Cultural foi mais uma oportunidade de refletir sobre nossas responsabilidades e sobre as nossas escolhas, principalmente nesse lugar de poder que é apresentar um evento cultural tão grande, diante de tantas pessoas.