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MP de Bolsonaro dificulta combate a fake news, mas já está valendo? Entenda

Letícia Naísa e Bruna Souza Cruz

De Tilt, em São Paulo

13/09/2021 16h52

A ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), já pediu explicações para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), agora a PGR (Procuradoria-Geral da República) emitiu um parecer pedindo a suspensão da Medida Provisória (MP) que atinge em cheio as redes sociais, mas, por enquanto, continua valendo a mudança em vigor desde a última segunda (6): as redes sociais não poderão moderar por conta própria os conteúdos e excluir, suspender ou bloquear perfis ou postagens de acordo com as regras das empresas.

A MP assinada pelo presidente na emenda do feriado de Sete de Setembro altera o Marco Civil da Internet, lei vigente no Brasil desde 2014, e diz que as redes sociais só podem agir por "justa causa" (que não inclui fake news na lista). Para os especialistas, a nova regra tem indícios de inconstitucionalidade e torna muito mais difícil combater as notícias falsas.

    Com a ação da ministra Rosa Weber e o parecer da PGR de hoje, o que acontece daqui para frente? Confira abaixo.

    Caso no STF e no Congresso

    Em resposta às ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) protocoladas contra da MP, ao longo da semana passada, o STF passou a analisar o caso, e a ministra Rosa Weber deu 48 horas para o presidente explicasse a MP e para que a AGU (Advocacia Geral da União) e a PGR se manifestassem sobre o assunto.

    A AGU respondeu defendendo o ponto de vista do presidente e afirmou que a MP traz segurança jurídica e serve para proteger a liberdade e o direito dos internautas no Brasil.

    Até a última sexta-feira (10), seis partidos haviam ajuizado ADIs: o PT (Partido dos Trabalhadores), o Solidariedade, o PSB (Partido Socialista Brasileiro), o Novo, o PSDB ( Partido da Social Democracia Brasileira) e o PDT (Partido Democrático Trabalhista).

    Para o PT, a MP viola a liberdade de expressão e livre iniciativa. Paulo Pereira da Silva, deputado federal (SP) e presidente do Solidariedade, considera a medida inconstitucional e inconveniente, e o PSB pede a suspensão imediata dos efeitos da MP. Alessandro Molon, (PSB-RS), líder da oposição na Câmara e relator do Marco Civil da Internet, chegou a se posicionar, também na semana passada, contra as mudanças.

    Em paralelo, parte dos parlamentares pediu que o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Congresso e do Senado, devolvesse a MP ao Poder Executivo (em que o presidente Bolsonaro faz parte).

    Pelo seu posto, Pacheco tem a prerrogativa de fazer esse movimento quando julgar que o texto não atende a requisitos necessários previstos em lei. Não é um tipo de decisão comum na história do país, uma vez que pode abalar o relacionamento entre o Executivo e o Legislativo, portanto, raramente acontece.

    Sendo assim, os dois poderes, o STF e presidente do Congresso, podem agir no momento, mas não é possível precisar datas e prazos.

    O que vem a seguir no STF

    Após ouvir as partes, a ministra Rosa Weber decide se interrompe cautelarmente a validade da MP. Aí sim as regras ficam suspensas até que a decisão final seja tomada pelos ministros do STF, explica o advogado Carlos Affonso, diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) e colunista de Tilt. Isso pode acontecer a qualquer momento.

    O que vem a seguir no Congresso

    A MP entrou em vigor na data de publicação, última segunda-feira (6). Sua validade oficial é de 60 dias e pode ser prorrogada por mais 60 dias. Para virar lei, no entanto, precisa do aval do Congresso. Os parlamentares podem, nesse meio tempo, votar se concordam com as novas regras ou não, mas a medida provisória continua valendo até a decisão final da votação neste caso. Sendo assim, enquanto o STF ou o presidente do Congresso não decidem por uma possível suspensão, a MP continua valendo. E as empresas têm até 30 dias (a contar da data de publicação) para adequar suas políticas e termos de uso com base no que ela determina.

    Mas é inconstitucional?

    A advogada Gisele Truzzi, especialista em direito digital, considera que a MP tem vício de inconstitucionalidade, porque não existe urgência que justifique a mudança.

    Ela argumenta que o Marco Civil da Internet define direitos e garantias fundamentais ao cidadão e já garante direitos de liberdade de expressão, além de prever a autonomia dos provedores de regular seus serviços.

    O advogado Carlos Affonso concorda: "Uma medida provisória precisa ser urgente e relevante. No caso da MP das redes sociais, fica muito claro que não existe qualquer urgência em se regular o tema. Existem mais de uma dezena de projetos de lei sobre o tema no Congresso Nacional."

    "Alterar a lei por meio de uma MP, sem ouvir ninguém, é ignorar todos os tipos de visões e todos os problemas que podem surgir, e isso prejudica o dia a dia da internet", acrescenta o advogado Rafael Pellon, especialista em internet, mídia e entretenimento.

    Moderação x censura

    Segundo a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, a MP exige "justa causa e motivação" e prevê direito de restituição do conteúdo, alegando liberdade de expressão.

    Bolsonaro tem elevado as críticas às plataformas nos últimos meses após ter diversas postagens ocultadas ou limitadas por espalhar "desinformação médica sobre a covid-19". Ele, que recorrentemente se diz "cerceado", agiu contra as redes sociais para evitar que postagens sejam removidas de forma "arbitrária e imotivada".

    Ao mesmo tempo, as redes sociais sofrem há anos muita pressão para melhorar o nível da moderação de conteúdo. Com a disseminação de informações falsas sobre o coronavírus, elas agiram com mais rigor para remover conteúdos desinformativos, etiquetar publicações com links para fontes confiáveis ou excluir usuários que repetidamente infringissem suas regras.

    Então, sob o argumento de liberdade de expressão, a MP pode aumentar o compartilhamento de desinformação e de discursos de ódio pela internet.

    Quando a moderação de conteúdo é restrita, os mecanismos automáticos que detectam posts ilícitos nas plataformas ficam muito limitados, explica Truzzi.

    "As plataformas conseguem identificar um vídeo ou foto de conteúdo íntimo muito rápido, e esse conteúdo não fica no ar por muito tempo nem se prolifera", diz. "[Com a MP] Podemos ter um forte aumento de fake news, crimes de ódio e uma infinidade de outros conteúdo problemáticos, porque as plataformas foram proibidas de fazer essa gestão."

    As redes sociais perdem autonomia na regulação de seus termos de uso diante das novas regras. "Existe o que pode e o que não pode ser feito dentro dos termos da lei, mas qualquer empresa tem certa liberdade para dispor suas formas de contratação, que é evidenciado em qualquer aplicativo de internet pelos termos de uso."

    Ou seja, se há respeito às leis do país, qualquer empresa pode regular sua oferta de serviços como quiser.

    Pellon argumenta que a moderação é uma ferramenta para manter os conteúdos dentro dos limites da lei.

    "Não existe censura prévia no Brasil, isso é vedado pela Constituição, mas o direito de liberdade de expressão é obrigado a conviver com outros direitos", diz ele. "Ainda que a liberdade de expressão seja necessária e deva existir mais do que nunca, ela não é absoluta. Ela convive com limites da democracia, e deve se ater a regras da ciência."