Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Tempo': M. Night Shyamalan é um gênio, a gente que não entende nada
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"Tempo", assim como os outros filmes de M. Night Shyamalan, é uma fonte inesgotável de boas ideias. De sua imaginação já acompanhamos um garoto que vê os mortos, uma comunidade isolada voluntariamente pelo medo e um sujeito com dúzias de personalidades.
Em seu novo trabalho, adaptado da graphic novel franco sueca "Castelos de Areia", duas famílias hospedadas em um resort visitam uma praia isolada que, de alguma forma, lhes causa envelhecimento acelerado. Impossibilitados de deixar o lugar, eles tem de escolher entre arriscar uma fuga aparentemente impossível ou encarar, impávidos, a brutal passagem do tempo.
A premissa arrebatadora sugere uma reflexão sobre a influência de agentes externos no amadurecimento de cada um. Também vislumbra um debate sobre mortalidade, sobre como encaramos o envelhecimento, a sabedoria e os dissabores que ele traz. E abre espaço para uma peça de terror em que a perda de controle e nossa própria fragilidade são os maiores adversários.
Esse seria a versão de "Tempo" se tivesse no comando um Shyamalan mais inspirado. O que ele entrega, entretanto, é uma fantasia que não se preocupa em amarrar suas inúmeras pontas soltas, ancorada por um elenco não particularmente inspirado. É um filme de possibilidades que de alguma forma não encontram tração para se conectar. Um episódio de meia hora perfeito de "Além da Imaginação".
Ainda assim, existe algo de irresistível nos filmes de Shyamalan. Não existe uma fração de cinismo em seu cinema: ele acredita em suas histórias e é absolutamente sincero ao executá-las. Com "Tempo" não é diferente. O texto pode não alcançar seu potencial, mas o diretor traduz sua narrativa em cinema com esmero absoluto.
O que vemos, portanto, é um cineasta em seu auge técnico a serviço de uma trama menor. Shyamalan encontra um vocabulário visual invejável para acompanhar seus protagonistas e marcar a passagem acelerada do tempo. Não existe um movimento de câmera desperdiçado, não existe um enquadramento que não esteja a favor da história.
Em seu centro estão Gael Garcia Bernal e Vicky Krieps. De férias com os filhos, Trent e Maddox (atores diferentes em idades distintas), em um resort paradisíaco, eles terminam na enseada cercada por uma muralha rochosa com um médico arrogante (Rufus Sewell), sua esposa-troféu (Abbey Lee), além de um enfermeiro (Ken Leung) e sua mulher psicóloga (Nikki Amuka-Bird).
"Tempo" não faz muita questão de fazer sentido, nem na lógica que ele arquiteta. As crianças envelhecem em ritmos distintos, em especial a filha do personagem de Sewell. Corpos na areia se decompõem em velocidades diferentes. Uma explicação sobre a força que os mantém na praia não decola.
Ainda assim, o filme traz momentos de brilho narrativo invejável. O relógio acelerado faz com que um tumor cresça em ritmo alarmante, faz uma gravidez durar meros minutos e impede que ossos quebrados se emendem corretamente caso estejam fora de posição. Muitos dos momentos de suspense gritante e absoluto terror vem de interpretações visuais da mente de Shyamalan, e é hipnotizante acompanhar sua resolução, por mais tola que ela possa parecer.
É um traço constante no cinema de M. Night Shyamalan. Além de consistentemente entregar ideias originais, o que em um mundo dominado por propriedades intelectuais é uma vantagem, o diretor é capaz de criar filmes envolventes, nunca óbvios, construídos em torno de temas complexos que, não raro, são apreciados anos depois de seu lançamento original.
Hoje não é difícil encontrar defensores apaixonados por "A Vila" (eu sou um deles) ou "A Dama na Água" (com esse não contem comigo). Mesmo em bobagens absurdas como "Fim dos Tempos" ou "Depois da Terra", é possível vislumbrar uma visão artística sólida tentando fazer algum sentido em meio ao caos.
Nem é o caso de categorizar seu cinema com uma bobagem como "ou você ama ou odeia", e sim perceber que Shyamalan é um artista verdadeiro, um apaixonado pela arte de fazer filmes que, por vezes, deixa que sua ambição honesta atropele seu imenso talento. São acidentes como os cometidos por ele que fazem o cinema valer a pena.
Não existe, afinal, arte sem risco. Existe, sim, espaço para redescoberta. Talvez Shyamalan esteja sempre um passo à frente de sua época. Talvez a distância revele as entrelinhas que serão admiradas no futuro. Talvez "Tempo" só precise de... tempo.
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