Roberto Sadovski

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Opinião

Paguei por meus pecados assistindo ao segundo (e piorado) 'Rebel Moon'

A ignorância é uma bênção. Quando Zack Snyder lançou o primeiro "Rebel Moon" no final do ano passado, um abacaxi batizado "A Menina do Fogo", assumi o dever profissional de conferir a segunda parte assim que estivesse disponível. Não dá para deixar uma história - ou uma análise - pela metade.

Eis que alguns meses se passaram e eu havia esquecido por completo da existência da continuação, "A Marcadora de Cicatrizes". Como "Rebel Moon" não deixara nenhuma marca na cultura pop contemporânea, e o mundo pareceu passar reto pelo filme, meu 2024 seguia feliz sem ter de voltar ao universo absolutamente desinteressante e profundamente brega bolado por Snyder.

O trabalho, contudo, pode ser adiado - mas jamais ignorado. Foi no grupo dos colunistas de Splash, quando a gente dá uma geral nas pautas da semana seguinte, que veio o alerta sutil: "Sadovski, não esquece de rabiscar um texto sobre o segundo 'Rebel Moon', beleza?". É, eu joguei pedra na cruz.

Sofia Boutella em 'Rebel Moon: A Marcadora de Cicatrizes'
Sofia Boutella em 'Rebel Moon: A Marcadora de Cicatrizes' Imagem: Netflix

Zack Snyder já provou que não existe um clichê que não possa ser solapado à exaustão, e não existe evidência mais concreta do que "Rebel Moon", meritíssimo. A dúvida para o novo filme era se havia alguma fonte a ser copiada além de "Star Wars", "Duna", "Heavy Metal" e "Os Sete Samurais". Se era possível buscar algum caminho original. Vã esperança.

"A Marcadora de Cicatrizes" é mais do mesmo, um bololô de personagens bobocas ilustrando a aridez de um cenário digital feio. Para refrescar a memória - assumindo que alguém de fato tenha registro do primeiro filme -, Kora (Sofia Boutella) parte da vila que a acolheu no planeta Veldt para reunir um grupo de guerreiros que possa frear o Almirante Noble (Ed Skrein), alto oficial do Imperium, antes que ele mate os fazendeiros do lugar.

O plano funciona (mais ou menos), Noble é morto (mais ou menos também) e Kora retorna a Veldt com os guerreiros sobreviventes - entre eles Titus (Djimon Hounsou), ex-general do Imperium. A celebração dura pouco quando eles descobrem não só que o malvado-mor está vivo, mas que em cinco dias ele chega ao planeta com seu poderio militar para se apossar da colheira dos nativos e, claro, tomar Kora como prêmio.

'Rebel Moon: A Marcadora de Cicatrizes': Ed Skrein morreu mas passa bem
'Rebel Moon: A Marcadora de Cicatrizes': Ed Skrein morreu mas passa bem Imagem: Netflix

Nestes cinco dias, Titus bola um plano para, com fazendeiros usando armas de um batalhão dizimado na aventura anterior, resistir ao ataque das forças de Noble. Cinco dias para fazer de uma turma versada em colheita soldados capazes de resistir a um exército genocida. Suspensão de descrença é isso mesmo. Mas, para ser honesto, é o mesmíssimo vilão derrotado no filme de 2023. Só vejo vantagens.

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Dos diálogos risíveis aos momentos de ação maçantes, tudo é filmado com uma preguiça monumental por Snyder. A essa altura nem tem mais graça apontar o quando ele está plagiando na cara de pau o "Guerra nas Estrelas" original. Mas fica difícil não torcer o nariz quando ele sequer se esforça para disfarçar a cópia. Dos rebeldes disfarçados de soldados inimigos, à Estrela da Morte e os sabres de luz saídos de uma loja de descontos, tudo parece uma paródia. Ao menos "Spaceballs" era engraçado...

Se o conceito é uma piada, a execução é desleixada. "Rebel Moon" é conduzido sem nenhuma noção de ritmo ou qualquer impacto emocional. Cenas desenhadas para criar uma conexão entre os personagens, como os guerreiros relatando suas tragédias pessoais causadas pelo Imperium, são conduzidas na base da inércia. No meio de um elenco uniformemente ruim, Djimon Hounsou é o único a manter um semblante de dignidade.

'Rebel Moon' tem sabres de luz da loja de descontos: olha que o processinho vem!
'Rebel Moon' tem sabres de luz da loja de descontos: olha que o processinho vem! Imagem: Netflix

A trama se arrasta até o clímax, com uma das piores cenas de batalha já cometidas pelo homem. Não há nenhuma noção de geografia, os riscos nunca ficam claros. E cada frame, por óbvio, é desacelerado por aquela câmera lenta esperta, obsessão de Snyder, que nos faz pressionar desesperados o fast forward. Só sabemos que o filme acabou porque, em meio à fumaça digital e o cenário artificial, os fazendeiros estão gritando um "vencemos!".

Assim como "Army of the Dead", "Rebel Moon" é vendido por Zack Snyder como uma propriedade intelectual em expansão. Se seu universo de zumbis ficou na promessa, aqui ele força a mão para não largar o osso com uma trama que se recusa a terminar: sequer temos tempo de respirar e nossos "heróis" já anunciam uma nova jornada. Além disso, o diretor está finalizando suas "versões para maiores" de ambos os filmes. Meus pecados, pelo visto, não terão paz nem tão cedo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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