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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Sugar Baby' é o motivo pelo qual eu mereço adicional de insalubridade

Aemi é Malu em "Sugar Baby" - Prime Video
Aemi é Malu em 'Sugar Baby' Imagem: Prime Video

Colunista do UOL

21/07/2021 02h55

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"É pegadinha." Foi a primeira coisa que passou por minha cabeça quando minha chefe, a editora Liv Brandão, me pediu um texto sobre uma produção brasileira disponível em streaming. "Sugar Baby - O Amor Tem Preço" era o nome da pérola, e não tinha como ser bom. Certo?

Ainda assim, dei lá o benefício da dúvida. "Não julgue um livro pela capa e tal", pensei. Mal sabia que, pelos próximos 49 minutos (a coisa mal qualifica como um média metragem), meus olhos testemunhariam uma das maiores expressões de vergonha alheia já registrada na história moderna.

Seria melhor se o Ivo Holanda abrisse minha porta denunciando a pegadinha. Em vez disso, senti meus neurônios escorrendo pelos ouvidos ao assistir a uma demonstração amadora, vergonhosa e degradante de um arremedo de som e vídeo que algum "gênio" teve a coragem de chamar de filme.

QUERIA SER UM AVESTRUZ

Por onde começar? A sinopse, e eu vou de copy/paste aqui, lê: "Malu é uma atriz lésbica e desempregada que não sabe se deve desistir da profissão e trabalhar em outra que ofereça a segurança do salário fixo ou se continua tentando realizar seu sonho". Não existe, claro, nenhuma atriz, ou segurança, ou salário fixo, muito menos sonhos realizados.

O que desfila em cena são moças de lingerie, repetindo palavras desconexas de algo que nem remotamente lembra um roteiro. Não me atrevo a chamar ninguém em cena de "atriz" porque seria um desrespeito: Da protagonista, Malu ("interpretada" por Aemi, um nome só, tipo "Madonna" ou "Eminem" ou "socorro"), às coadjuvantes (que eu nem farei força pra lembrar os nomes), são todos amadores tentando, e fracassando desastrosamente, articular uma frase.

Nem dá para colocar todo o peso nas anti atrizes, já que a coisa é assinada por três diretores, que obviamente não fazem ideia sobre o que e direção (de atores, de cena, de nada), seguindo um roteiro escrito por alguém a quem eu não pediria direções na rua. A câmera por vezes deixa o foco de lado. Blocking, framing, noções básicas de como fazer um filme? Esquece. Não existe gênio da montagem capaz de conferir alguma coerência na bagunça narrativa. Queria ser avestruz e desaparecer em algum buraco.

UMA TRAGÉDIA 100 POR CENTO AMADORA

Me espanta, de verdade, algo tão tosco como "Sugar Baby" estar disponível em uma das principais plataformas de streaming do país (não entrego o santo, pesquise por sua conta e risco). Eu sei que, em todas elas, uma escavação mais atenta pode descobrir uma tonelada de lixo tóxico. Por ser uma produção nacional, porém, imaginei que o filtro seria mais severo. Porque, de verdade, nada justifica. O Ivo Holanda seria melhor.

Até porque chegamos na parte degradante da coisa. Primeiro, uma mulher, "sugar baby" que é casada "por conveniência" com um político gay, declara estar muito velha, no alto de seus 30 anos, e inveja a juventude de seu flerte, uma "novinha" que só pensa em dinheiro. Quer mais? Temos o recorte do boy lixo e sua "amante", uma garota de programa que exige pagamento constante.

O flerte do "casal", como dois patos bêbados disputando uma carambola, é interrompido pela mulher do sujeito, descrita como "megera" e interpretada por uma atriz longe do padrão de beleza de plástico das "sugar". Machismo, bullying, vulgaridade, uma cena que faria vergonha como sketch de "Os Trapalhões": temos.

É vergonhoso imaginar que um grupo de fato se arvorou como "produtores de audiovisual" para cometer uma tragédia tão completamente amadora. Um "filme" sem pé nem cabeça, que anuncia um flashback (a palavra aparece escrita na tela!), descambando em um segundo flashback (a legenda não deixa dúvida), com a narradora (a supracitada Aemi) descrevendo o que acabamos de assistir. O espectador incauto (no caso, eu) considera marretar o crânio na parede.

DUAS PAÇOCAS E UMA TELE-SENA

A coisa toda é, por fim, assexuada e acerebrada, mesmo com o esforço de se vender como uma "comédia LGBT". Não, eu não ri. Nem você vai rir, nem mesmo de desespero, aquela risada nervosa ao pensar que você podia estar fazendo algo mais útil, como arear as panelas ou pagar um boleto. Tudo, do elenco ao figurino às locações, tem a sensualidade de um ralo.

"Sugar Baby" é um exercício do grotesco perpetrado por gente feia, com uma proposta feia, produzido de forma feia e embalado com uma moldura (você adivinhou) feia. Supostamente seria uma série, que uma pesquisa rápida mostra sua origem como programa na web. Que ninguém viu. Que ninguém se importa. Mas que alguém teve a coragem de fazer. Bom senso, por outro lado, estava em falta.

Fiquei pensando se perdi algum prazo. Se furei alguma entrevista. Se tinha de publicar algum texto e passei batido. Algo de muito errado eu devo ter feito para merecer tamanha punição. Meu novo método de tortura será amarrar alguém e forçar o indivíduo a assistir a "Sugar Baby". Garanto que ele entrega até o que houve com Jimmy Hoffa. Liv, desculpa alguma coisa!

Depois de ver 49 minutos de minha vida desaparecendo por algo que não vale duas paçocas e uma tele-sena, percebo em terror que, na sanha por volume, por "conteúdo", mesmo os gigantes do streaming apelam para arremedos de audiovisual que não valem nem o esforço de ligar a TV. Ao menos posso usar uma palavra da moda para descrever a experiência, que com certeza será cobrada com um adicional de insalubridade em meu próximo contra cheque: cringe!