Roberto Sadovski

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Opinião

'O Homem dos Sonhos' decola com Nicolas Cage mais Nicolas Cage do que nunca

A gente torce muito por Nicolas Cage. Ok, ele é "excêntrico", "exagerado" e por vezes beira a caricatura, o que deixa difícil defender algumas bobagens que ilustram sua carreira e escondem o ator brilhante que ele é. Mas quando um filme rompe sua sequência de produções esquisitas, deixando seu imenso talento a serviço de uma história bacana, aí sim vemos como é sensacional testemunhar um Cage sem amarras.

É exatamente o que acontece em "O Homem dos Sonhos". O diretor e roteirista Kristoffer Borgli mistura drama e comédia em uma fantasia delirante que se torna ainda mais hipnotizante por ser conduzida com os pés firmes no chão. Um protagonista menos versado no absurdo seria tentado a experimentar uma interpretação bombástica. Mas não Nicolas Cage, que opta por um trabalho mais contido, o que deixa seu personagem ainda mais cativante e bizarro.

"Bizarro" é a palavra adequada para descrever Paul Matthews, professor universitário que é muito bom em ser invisível. Até em casa, no convívio com a mulher e suas duas filhas, ele é enfadonho, previsível. Desinteressante. Até o momento em que ele passa a pipocar no sonho de outras pessoas. Não como protagonista, não como parte de uma história. Ele simplesmente está lá, invadindo aos poucos o devaneio de desconhecidos em todo o planeta.

Borgli é habilidoso ao construir uma narrativa em torno do sujeito opaco que, de repente, torna-se celebridade. Após o desconforto inicial, Matthews enxerga uma oportunidade estranha em finalmente se colocar sob o holofote - mesmo que não faça a menor ideia do que fazer com a fama recém-adquirida. "O Homem dos Sonhos" busca, por essa via, uma discussão interessante sobre a cultura das celebridades instantâneas e como essa condição pode ser tanto uma bênção como uma maldição.

Nicolas Cage em 'O Homem dos Sonhos'
Nicolas Cage em 'O Homem dos Sonhos' Imagem: California

Nicolas Cage, claro, é a cola que mantém a integridade do filme, mesmo quando Borgli parece perder o controle do que fazer com tantas ideias. Quando a euforia com a descoberta da celebridade se dobra em uma discussão sobre a cultura do cancelamento, "O Homem dos Sonhos" esquece a sutileza e passa a curvar-se ante sua própria sagacidade. Neste caos, é Cage quem não perde o foco do dilema de seu personagem e em nenhum momento compromete sua interpretação.

Ao longo dessa jornada, o ator jamais abraça os tiques que caracterizam muitos de seus trabalhos recentes, humanizando com senso de humor por vezes autodepreciativo um personagem inserido em uma situação insólita. A recusa em ligar o automático é testemunho da grandeza de Nicolas Cage como artista e ajuda a elevar um filme com dificuldade em concatenar uma conclusão satisfatória.

Curiosamente, um Nicolas Cage mais contido em um cenário assumidamente espalhafatoso é justamente o que a plateia precisava para lembrar que, por trás da celebridade hollywoodiana, está um ator habilidoso e versátil, um dos astros mais peculiares gerados por Hollywood. Excêntrico, sim. Exagerado, certamente. Mas falta aí um predicado que, em "O Homem dos Sonhos", ajuda a definir Nicolas Cage: honesto.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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