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Desastre de 'Madame Teia' é ruim para Sony, mas pode ser ótimo para Marvel

"Madame Teia", filme inspirado no universo das HQs do Homem-Aranha e que acaba de estrear nos cinemas, é oficialmente um desastre. O longa-metragem conquistou apenas 13% de aprovação da crítica, segundo o Rotten Tomatoes, e está com a baixíssima nota do público (de 3,8) na ferramenta IMDb. Mesmo o CinemaScore, que mede a aprovação dos fãs mais empolgados que comparecem nas primeiras sessões, ficou em C+ — sofrível para uma produção de super-heróis.

Tudo isso reflete em uma bilheteria fraquíssima: US$ 51 milhões (R$ 251 milhões) nos primeiros seis dias de exibição, de acordo com o Box Office Mojo. Isso em todo o mundo. É muito pouco.

A verdade é que o barco naufragou, trazendo uma nuvem sombria para o futuro da heroína interpretada por Dakota Johnson e para o universo compartilhado do Homem-Aranha — mas, na prática, isso até pode ser bom para a Marvel Studios e para a Disney.

Explico a seguir.

O que está acontecendo

"Madame Teia", apesar de ter o logo da Marvel e ser baseado em uma personagem das HQs da editora, não é uma produção da companhia nos cinemas, nem da Disney. Trata-se de um longa-metragem da Columbia Pictures, parte do grupo japonês Sony.

O filme existe como um resquício de um antigo negócio, firmado pela então Marvel Entertainment com o estúdio ainda nos anos 1990. O personagem criado por Stan Lee e Steve Ditko foi licenciado para a Sony, que, com a liderança de Avi Arad, produziu os longas-metragens do Homem-Aranha estrelados por Tobey Maguire e Andrew Garfield — lançados entre 2002 e 2014.

Tudo mudou em fevereiro de 2015. Após o resultado fora do esperado para "O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro" (de 2014) e do incidente "Sonyhack" (no qual hackers invadiram os sistemas da Sony e vazaram documentos confidenciais), Sony e Marvel Studios firmaram um novo acordo, que permanece válido até hoje.

Pelo arranjo atual, o Homem-Aranha mais famoso, Peter Parker, foi incorporado ao Universo Cinematográfico da Marvel (também conhecido pela sigla MCU, aquele dos Vingadores), sendo interpretado por Tom Holland. Por isso, é a Marvel Studios quem cuida de toda a concepção criativa. Já a Columbia manteve os direitos de produzir longas-metragens estrelados por personagens secundários dos gibis do herói (como "Venom", "Morbius" e, agora, "Madame Teia"), além das animações do "Aranhaverso". De forma simplificada, são três histórias diferentes sem conexão que correm em paralelo. Uma confusão.

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Dentro disso, o estúdio tinha a esperança de transformar "Madame Teia" em uma nova franquia dentro da sua própria cronologia coesa, chamada "Universo do Homem-Aranha da Sony". Além de jogar diversas referências ao Homem-Aranha, o longa-metragem se conectaria com aquilo já estabelecido nas produções de Venom e Morbius, além de abrir caminho para "Kraven, O Caçador", previsto para estrear em agosto deste ano.

Projeto subiu no telhado

Isso tudo antes do naufrágio mais recente. De acordo com a revista norte-americana The Hollywood Reporter, a Sony ligou a luz laranja de preocupação e deve rever os planos.

O cenário é tão ruim que executivos de empresas de exibição relataram ao veículo que os fãs estavam solicitando reembolso dos ingressos já na quarta à noite, antes mesmo da estreia. Uma evidência do fracasso da campanha de divulgação e do impacto da recepção negativa entre os críticos.

Celeste O'Connor, Dakota Johnson e Isabela Merced em "Madame Teia": elenco de protagonistas mulheres não segurou a bilheteria
Celeste O'Connor, Dakota Johnson e Isabela Merced em "Madame Teia": elenco de protagonistas mulheres não segurou a bilheteria Imagem: Sony Pictures/Divulgação

A verdade é que as produções desse novo universo do Escalador de Paredes nunca foram um sucesso estrondoso de crítica, mas os primeiros dois "Venom" seguraram muito bem na bilheteria — e "Morbius", apesar dos problemas, rendeu US$ 167 milhões (R$ 825 milhões). "Madame Teia" nem nisso deve chegar, com um orçamento estimado na casa dos US$ 100 milhões (R$ 493 milhões). O prejuízo já é quase certo.

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Um dos grandes empecilhos da produção é que ela não alcançou um perfil demográfico relevante. No geral, longas de super-heróis possuem um público majoritariamente masculino, entre 65% e 70%, na América do Norte. O filme estrelado por Dakota Johnson, Sydney Sweeney e Isabela Merced tinha como objetivo ressoar entre as mulheres — e os números indicam que as espectadoras representaram apenas 46% de quem foi aos cinemas até aqui.

A lição é clara: não adianta nada querer inovar no formato, apelando para uma nova audiência, se a divulgação não é feita de forma adequada ou nem o produto é bom.

Resultado? "Não devemos ver um outro filme da 'Madame Teia' nem daqui a uma década", disse uma fonte de mercado ouvida pelo THR.

Para não dizer que tudo está perdido, uma última esperança é que a produção consiga dar a volta em suas falhas para se destacar justamente por elas, se tornando um sucesso "camp" pela curiosidade que poderá gerar com o público. É o que garantiu que adaptações do passado, como "Flash Gordon", "Barbarella" e até "Batman & Robin", ganhassem um status cult, com suas inúmeras reprises na TV paga a exibição no streaming. Ainda assim, seria um tiro de longo prazo.

Isso coloca em xeque o futuro. Neste momento, todas as fichas da Sony estão em "Kraven, O Caçador", produção estrelada por Aaron Taylor-Johnson (quev já foi o Mercúrio da Marvel Studios), um antigo vilão do Homem-Aranha agora transformado em anti-herói.

Com orçamento estimado em US$ 130 milhões (R$ 641 milhões), "Kraven" teria que gerar uma receita de ao menos US$ 250 milhões (R$ 1,23 bilhão) nos cinemas. Resta ao estúdio torcer para que o fracasso em fevereiro não reverbere tanto na estreia de agosto.

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Bom e ruim para Marvel e Disney

O desastre de "Madame Teia" nos cinemas certamente está trazendo sentimentos conflitantes para Kevin Feige, presidente da Marvel Studios, e Bob Iger, CEO da Disney.

O casamento deles com a Sony sempre foi a contragosto, para dizer o mínimo. Por conta de um contrato feito há quase 30 anos, a Casa das Ideias não tem controle total do universo do Homem-Aranha, nem pode distribuir os longas do personagem. Mesmo quando a Marvel cuida do aspecto criativo, é a Sony Pictures quem faz a distribuição.

A indisposição do Mickey com "Venom", "Morbius" e afins já se tornou clara algumas vezes. Afinal, essas produções saem com o selo da Marvel e o marketing sempre joga em uma área cinzenta, deixando os espectadores imaginarem que haja alguma relação com a cronologia de "Os Vingadores". Se dependesse da Sony, tudo se misturaria. Foi Feige quem bateu o pé, inclusive publicamente, para manter essa separação.

Ainda assim, a Marvel Studios teve que engolir uma ponte sem graça — para dizer o mínimo — entre "Venom: Tempo de Carnificina" e "Homem-Aranha: Sem Volta para Casa".

Franquia de 'Madame Teia' foi para a UTI, o que pode ser uma boa notícia para a Marvel e Disney
Franquia de 'Madame Teia' foi para a UTI, o que pode ser uma boa notícia para a Marvel e Disney Imagem: Divulgação/Sony Pictures
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Essa conexão indesejada pode acabar ligando o verdadeiro Universo Cinematográfico da Marvel ao fracasso de "Madame Teia", justamente em um momento de fragilidade. Para o espectador regular, que apenas quer assistir a um filme, é tudo igual. Para piorar, "As Marvels", o lançamento mais recente do MCU, também fracassou e há um sentimento de fadiga em relação à fórmula desses longas, tanto por parte de Hollywood quanto do público.

Por outro lado, o insucesso pode fazer com que a Sony perca poder de barganha, se vendo obrigada a ceder ainda mais em futuros acordos. No mínimo, não ter um novo "Madame Teia" diminuirá bastante as dores de cabeça do Mickey.

Seja como for, Sony e Disney continuam parceiras dentro do panorama geral da indústria do entretenimento, e devem seguir assim. Nesta semana, a empresa liderada por Bob Iger anunciou que irá terceirizar todo o negócio de mídia física nos EUA, incluindo DVDs e Blu-rays, justamente para o conglomerado japonês.

Afinal, enquanto fãs reclamam e discutem entre si, os engravatados estão mesmo preocupados em como faturar mais.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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