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Pesquisador da USP questiona protocolo da FPF: 'Cenário é caótico'

Bruno Gualano, médico e professor da USP, em entrevista ao "Seleção SporTV" - Reprodução / SporTV
Bruno Gualano, médico e professor da USP, em entrevista ao 'Seleção SporTV' Imagem: Reprodução / SporTV

Do UOL, em São Paulo

31/03/2021 16h04

Um estudo conduzido na USP (Universidade de São Paulo) revela que a incidência de infecção pelo novo coronavírus entre os atletas da FPF (Federação Paulista de Futebol) durante a temporada de 2020 foi de 11,7% - um índice equivalente ao de profissionais de saúde que atuam na linha de frente do combate à pandemia.

Para chegar a esse número, os autores analisaram quase 30 mil testes de RT-PCR aplicados em 4.269 atletas ao longo de oito torneios, sendo seis masculinos (Taça Paulista, Sub-23, Sub-20 e as três divisões do Campeonato Paulista) e dois femininos (Campeonato Paulista e Sub-17). Ao todo, 501 exames confirmaram a presença do SARS-CoV-2. Também foram analisados 2.231 testes feitos em integrantes das equipes de apoio (profissionais da saúde, comissão técnica, dirigentes, roupeiros etc.) e 161 deram positivo, ou seja, 7%.

Em entrevista ao 'Seleção Sportv', Bruno Gualano, professor de medicina da USP que coordenou o estudo, concluiu que os números apresentados refletem a incapacidade dos protocolos de diminuir a taxa de infecção da covid-19.

"Esse número de 11% em taxa de contaminação no futebol paulista pode ser considerado elevado, sobretudo quando se compara a taxa de infecção em outras ligas que reabriram ao redor do mundo durante a pandemia. Ao compararmos esses números com nosso futebol, chegamos a conclusão que nossos números são os mais elevados e que não há um controle seguro. Seja pela elaboração dos protocolos ou falta de cumprimento das normas estabelecidas", avaliou.

Bruno Gualano revelou preocupação com a naturalização do número elevado de novos casos e fez um alerta.

"A incidência da taxa de infecção detectada pelo estudo no futebol paulista está compatível pelo cenário da pandemia na sociedade brasileira como um todo. Mas não podemos naturalizar isso e achar que está dentro do normal tantas pessoas infectadas. Não é porque o cenário é caótico na comunidade, que o futebol também precisa ser caótico. Por isso a importância de comparar nossos números com países que foram mais competentes no controle da transmissão comunitária. Quando a gente compara o número de casos de profissionais da saúda, da linha de frente, com o resto do mundo é assustador. Os setores da economia estão funcionando com uma naturalização que não pode acontecer. Estamos com uma pandemia fora do controle. Não se trata de criticar o protocolo específico de uma ou outra federação, mas simplesmente de apontar que em um cenário como esse é temerário abrir qualquer setor, inclusive o futebol. Os protocolos que estão sendo utilizados não estão sendo capazes de atenuar essa taxa de infecção", afirmou o médico e professor da USP.

Para ele, só há duas possibilidades plausíveis em meio ao cenário pandêmico que o Brasil atravessa. No entanto, nenhuma delas está sendo colocada em prática.

"Temos duas opções nesse momento, ou para as competições ou faz o isolamento. Já que somos incompetentes para diminuir a transmissão comunitária, teríamos que isolar o setor, o esporte no caso, do restante da comunidade. Esse é o remédio amargo. Teríamos que afastar os atletas e todos os profissionais do esporte do restante da sociedade. Quando isso é feito com sucesso e competência, como vimos na NBA, mesmo em um cenário de descontrole da pandemia na sociedade, é possível de se eliminar novos casos. Foi um protocolo 100% eficaz, ao custo de 170 milhões de dólares. É um remédio amargo e custa caro. Mas se é isso que as federações e clubes desejam, de continuar jogando, funciona do ponto de vista sanitário. É a única forma que vejo de se abrir qualquer setor neste cenário da pandemia que vivemos no Brasil", finalizou.