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Ações afirmativas de clubes do Rio por LGBTQIA+ viram contraponto à seleção

Germán Cano ergue a bandeira LGBTQIA+ na comemoração de gol na vitória contra o Brusque - Rafael Ribeiro / Vasco
Germán Cano ergue a bandeira LGBTQIA+ na comemoração de gol na vitória contra o Brusque Imagem: Rafael Ribeiro / Vasco

Alexandre Araújo

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

30/06/2021 04h00

O gesto do atacante Germán Cano, do Vasco, ao levantar a bandeira de escanteio em apoio ao movimento LGBTQIA+ talvez tenha se tornado um símbolo de ações abraçadas pelos quatro grandes clubes do Rio de Janeiro. Em contrapartida, a Cidade Maravilhosa recebe, nesta sexta-feira (2) uma seleção brasileira que se recusa a listar o ainda estigmatizado número 24 entre seus jogadores pela Copa América.

Em celebração ao Dia do Orgulho LGBTQIA+ em 28 de junho, diversos clubes brasileiros se posicionaram contra o preconceito e a favor do respeito, principalmente no futebol, ambiente com um machismo ainda bastante enraizado. Do Rio, vieram algumas das ações mais contundentes.

O Botafogo anunciou a criação de uma torcida LGBTQIA+, a "Ninguém Cala Esse Nosso Amor", e usará uma frase no uniforme do jogo de hoje, contra o Náutico, pela Série B do Brasileiro. No último domingo, Flamengo e Fluminense utilizaram os números das camisas em referência à comunidade. Já o Vasco, além de um manifesto, atuou com uma camisa em que a faixa transversal, originalmente branca ou preta, tinha o arco-íris. Os recursos levantados com a venda das peças serão utilizados pelos três clubes em prol do movimento.

"O futebol deu um passo muito importante. Foram vários clubes, no país inteiro, que, de alguma forma, se posicionaram contra a LGBTfobia e afirmaram a necessidade de respeito e luta contra o preconceito. Neste sentido, diversos clubes do país estão de parabéns. Em particular, os clubes do Rio de Janeiro deram um show. Tiveram iniciativas importantes em todos os grandes clubes, como Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. ", disse Claudio Nascimento, que é presidente do Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBT e Diretor de Políticas Públicas da Aliança Nacional LGBTI+.

Fluminense encarou o Corinthians com homenagem ao movimento LGBTQIA+ ns números da camisa e braçadeira de capitão (com Nino) - DHAVID NORMANDO/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - DHAVID NORMANDO/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Flu encarou o Corinthians com números e braçadeira de capitão (com Nino) em apoio ao movimento LGBTQIA+
Imagem: DHAVID NORMANDO/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

"Flamengo e Fluminense usaram camisas com as cores e estão fazendo um leilão. O Botafogo anunciou a criação de uma torcida LGBT e, durante muito tempo, as torcidas LGBT's do Rio foram banidas por outros torcedores, que não aceitavam. O Botafogo está dando um exemplo importante. O Vasco também. Sou vascaíno e fiquei emocionado não só com a camisa, como com o manifesto e a intervenção na arquibancada, com a palavra 'respeito'. Isso mostra um momento muito importante no futebol, a criação de um novo marco civilizatório. Espero que a CBF, e outros clubes, tomem como exemplo o que o Rio fez, que é possível conviver com as diferenças, que não é possível mais seguir com preconceito, seja contra torcedores ou jogadores", completou.

Vascaíno, Claudio lembra a emoção que sentiu ao ver a bandeira com as cores LGBTQIA+ empunhada na mão do atacante argentino Cano, que comemorava a abertura do placar diante do Brusque — o Cruz-Maltino venceu por 2 a 1:

Thiago Maia, volante do Flamengo, voltou aos gramados após se recuperar de grave lesão no joelho - Alexandre Vidal / Flamengo - Alexandre Vidal / Flamengo
Imagem: Alexandre Vidal / Flamengo

"A comemoração dele tirando a bandeira do escanteio foi muito importante. Para lutar contra o preconceito e a discriminação, não precisa ser gay, lésbica, travesti, transexual, basta discordar do preconceito, querer um mundo onde se respeitam as diferenças. Portanto, a atitude de um jogador, que não é da comunidade, tirando a bandeira do escanteio e comemorando o gol, foi muito simbólica. Que as pessoas tomem por base esse exemplo para entender que, se posicionar contra a discriminação, não faz ninguém gay, lésbica, travesti, ou transexual, só faz ser humano ser mais cuidadoso e cidadão. Foi muito significativo, forte. Chorei, fiquei muito emocionado, ainda mais por ser vascaíno".

Bruno Maia, ex-vice de marketing do Vasco e especialista em novos negócios na indústria do esporte, compara o gesto do camisa 14 cruz-maltino a outros grandes atos do esporte, como quando Colin Kaepernick, quarterback que liderou protestos na NFL contra a violência policial contra os negros.

Colin Kaepernick (dir) e Eli Harold ajoelham na hora da execução do hino dos EUA no jogo entre San Francisco 49ers e Chicago Bears na NFL em 2018 - Michael Zagaris/San Francisco 49ers/Getty Images - Michael Zagaris/San Francisco 49ers/Getty Images
Kaepernick (dir) e Eli Harold ajoelham na execução do hino dos EUA no jogo entre San Francisco 49ers e Chicago Bears na NFL, em 2018
Imagem: Michael Zagaris/San Francisco 49ers/Getty Images

"O que o Cano fez em São Januário, talvez, tenha sido o maior gesto já feito por um atleta no futebol brasileiro nos últimos tempos. Isso está na altura do que o LeBron James fez, do que o Kaepernick fez na NFL. Não só de entrar com a camisa, mas uma comemoração tão afirmativa... O que ele fez é uma coisa muito importante para ser falado e está recebendo reconhecimento pela coragem", indicou.

O presidente do Grupo Arco-Íris, porém, pede que os clubes "não fiquem só na data" e realizem novas ações independentemente do 28 de junho.

"Acredito que foi uma sinalização muito importante para o mundo dos esportes, para o futebol, que ainda tem um machismo muito arraigado, de que é necessário mudar de postura, que as pessoas precisam conviver com a diversidade, reconhecer que um jogador não vai ser bom ou ruim com base em sua sexualidade. A mensagem também foi essa. Acredito que é uma mensagem que fica, mas espero que os clubes não fiquem só na data. Espero que essa data seja uma referência para construir outras iniciativas", apontou.

Brasil não usa 24

Seleção brasileira posa para foto antes do duelo com a Venezuela, que marca a abertura da Copa América 2021 - DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO - DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO

Recentemente, o UOL Esporte mostrou que a seleção brasileira era a única da Copa América que não tem um jogador vestindo o número 24. Contatada pela reportagem, a CBF não quis explicar o motivo dessa decisão. Na esteira desta revelação, o Grupo Arco-Íris ajuizou ação na 10ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, contra a CBF, questionando a entidade sobre a ausência do número entre os convocados por Tite.

O número 24 é historicamente relacionado ao homem gay no Brasil por causa do Jogo do Bicho, que associa a numeração ao veado - animal é usado de forma homofóbica como ofensa à população LGBT+.

O time canarinho, inclusive, vai estar na capital do Rio para o duelo que será realizado na sexta-feira, contra o Chile, no Nilton Santos, estádio do Botafogo.

"Que a CBF, agora, pare com essa bobagem. Única seleção na Copa América que não usa o número 24 por causa dessa bobeira de ainda associar o número 24 a homossexual. Quem disse que queremos ser associados a isso? É um número qualquer. Ela precisa parar com isso, porque só fortalece esse estigma. Está na hora de tomar o exemplo desses times, como o Fluminense fez, que o número 24 foi utilizado no jogo. Essa questão do número 24 é só mais uma reprodução de preconceito e a CBF tem de ajudar a quebrar isso", salientou Claudio Nascimento.