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Iraniano encarou governo e arriscou vaga na Copa para apoiar protestos

Sardar Azmoun (esq.) com Mehdi Taremi: atacantes apoiaram protestos no Irã - KARIM JAAFAR/AFP
Sardar Azmoun (esq.) com Mehdi Taremi: atacantes apoiaram protestos no Irã Imagem: KARIM JAAFAR/AFP

Thiago Arantes

Colaboração para o UOL, em Barcelona

21/11/2022 04h00

Classificação e Jogos

Quando a seleção iraniana estiver perfilada para a execução do hino nacional do país, minutos antes de enfrentar a Inglaterra, nesta segunda-feira (21), os olhos do mundo estarão voltados para Sardar Azmoun.

O atacante de 27 anos, jogador do Bayern Leverkusen (Alemanha), só está na Copa do Mundo porque é imprescindível para o técnico Carlos Queiroz. Se dependesse do governo do Irã, a situação seria bem diferente e ele estaria afastado do time nacional. Mas, em uma rara decisão contrária ao regime totalitário do país, Azmoun está na Copa.

Com 41 gols marcados em 65 jogos na seleção, ele é uma das vozes mais importantes do país e tem se posicionado a favor da onda de protestos que tomou as ruas iranianas há dois meses. A expectativa para a estreia do Irã no Mundial vai além do que ele e seus companheiros podem fazer com a bola nos pés. É sobre como eles podem transformar o maior evento do futebol em uma forma de expor a situação social iraniana, sobretudo em uma Copa no Qatar, país que também tem sido cobrado pelo desrespeito a direitos humanos, sobretudo mulheres, imigrantes e o coletivo LGBTQIA+.

A onda mais recente de protestos no Irã começou em 16 de setembro. Naquele dia, foi anunciada a morte da jovem Mahsa Amini, de 22 anos. Ela estava sob custódia da polícia moral do país, sob alegação de ter usado de forma incorreta o hijab, véu obrigatório para as mulheres iranianas desde a Revolução Islâmica de 1979.

Testemunhas afirmam que Mahsa foi violentamente agredida pelos policiais no momento da prisão. O governo iraniano diz que ela morreu em decorrência de um ataque cardíaco. Nos dias seguintes à morte da jovem, milhares de mulheres iranianas saíram às ruas de cidades de todo o país. Os protestos contra o regime e por mais direitos para as mulheres e outras minorias incluíram a queima pública de véus; manifestantes também cortaram os cabelos. O número de mortes já ultrapassou as 320, segundo diferentes agências internacionais de direitos humanos.

mulher irã - Getty Images  - Getty Images
Cortar o cabelo virou símbolo dos protestos de mulheres no Irã
Imagem: Getty Images

E onde entram Sardar Azmoun e a seleção iraniana nessa história?

No dia 27 de setembro, quando a onda de protestos ganhava força no país, o Irã empatou com o Senegal por 1 a 1, na Áustria, em amistoso preparatório para a Copa do Mundo. Antes do início da partida, os jogadores iranianos se perfilaram para o hino nacional vestindo casacos pretos, sem mostrar a camiseta da seleção ou qualquer identificação com o país. Sardar Azmoun fez o único gol iraniano na partida e não comemorou.

Na véspera, ele já havia se manifestado a favor dos protestos. "Pelas regras da seleção, somos proibidos de falar até o período de treinamento terminar, mas não posso mais ficar quieto. Se for expulso da seleção nacional por isso, este sacrifício não vale nem um único fio de cabelo na cabeça de uma mulher iraniana. Vocês deveriam se envergonhar pela facilidade com que matam pessoas. Viva as mulheres do Irã!", escreveu em sua conta no Instagram.

Entre o amistoso diante dos senegaleses e a convocação para a Copa do Mundo, no dia 14 de novembro, os protestos tomaram proporções ainda maiores. Não há uma organização central, mas os grupos têm se manifestado em cidades de todas as regiões do país, pedindo sobretudo o fim do regime totalitário que governa o país há 43 anos. O governo passou a procurar culpados pela escalada do movimento, e Azmoun entrou na mira.

"Quando um atleta famoso, que joga no exterior e que tem uma importância como ele, apoia essa causa, isso tende a dificultar ainda mais a vida do regime. Esse tipo de ação cria símbolos, heróis que podem ajudar a mobilizar as pessoas", explica José Antonio Lima, professor de Relações Internacionais nas Faculdades Integradas Rio Branco.

A perseguição do regime a Azmoun causou dúvidas sobre a convocação do atleta até o último minuto. O técnico português Carlos Queiroz anunciaria a lista em uma entrevista no dia 13 de novembro, mas cancelou o evento minutos antes do início. A relação com 25 atletas foi divulgada apenas no dia seguinte, sem qualquer interação do treinador com a mídia. O objetivo claro foi evitar perguntas sobre os protestos.

Durante a semana de preparação, em Doha, Queiroz finalmente falou com a imprensa e disse que os jogadores sob seu comando têm liberdade para expor suas opiniões. "Os jogadores são livres para protestar como o fariam se fossem de qualquer outro país, desde que isso esteja de acordo com os regulamentos da Copa do Mundo e dentro do espírito do jogo", afirmou.

Elnaz - Rhea KANG / INTERNATIONAL FEDERATION OF SPORT CLIMBING / AFP - Rhea KANG / INTERNATIONAL FEDERATION OF SPORT CLIMBING / AFP
Elnaz Rekabi participou de competição na Coreia do Sul sem o hijab
Imagem: Rhea KANG / INTERNATIONAL FEDERATION OF SPORT CLIMBING / AFP

Ele não está sozinho

Sardar Azmoun é a cara mais conhecida da resistência esportiva ao regime iraniano, mas não é a única. Dentro da própria seleção ele contou com a adesão de jogadores importantes, como o companheiro de ataque Mehdi Taremi, do Porto, que também já se manifestou contra a violência da polícia do regime do país. No sábado, durante entrevista coletiva, o goleiro Hossein Hosseini mandou uma mensagem aos manifestantes. "Gostaria que soubessem que estamos ao seu lado".

Ex-jogadores históricos da seleção também já manifestaram apoio aos protestos. Mehdi Mahdavikia, estrela do futebol iraniano dos anos 1990, acusou as autoridades de "ignorarem as pessoas do país". Ali Daei, maior ídolo da história do esporte no país, disse que o governo deveria "resolver os problemas da população, em vez de usar repressão e violência".

Em um protesto em que as protagonistas são mulheres, o envolvimento de atletas iranianas também era esperado. O caso mais famoso até agora foi o da escaladora Elnaz Rekabi, que participou do Campeonato Asiático de Escalada Esportiva, em Seul (Coreia do Sul), sem o hijab. Na volta da atleta ao país, houve uma onda de boatos de que ela teria sido presa. Na semana passada, Elnaz disse que estava bem, pediu desculpas ao governo e disse que o véu havia caído acidentalmente.

Fifa proíbe manifestações políticas

Caso Azmoun e os companheiros queiram se manifestar antes, durante ou depois da partida contra a Inglaterra, pelo Grupo B da Copa do Mundo, a Fifa poderá colocar em prática o artigo 33 do regulamento da competição, que afirma: "a exibição de mensagem política, religiosa, ou pessoa, ou slogans de qualquer natureza, ou linguagem, ou forma por jogadores e oficiais (árbitros e técnicos) é proibida".

shaqiri águia - REUTERS/Gonzalo Fuentes - REUTERS/Gonzalo Fuentes
Shaqiri comemora gol na Copa do Mundo pela Suíça, contra a Sérvia
Imagem: REUTERS/Gonzalo Fuentes

A aplicação deste artigo tem precedente, e nem faz muito tempo. Na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, os suíços Granit Xhaka e Xherdan Shaqiri foram multados em 10 mil euros (R$ 55 mil, na cotação atual) por terem celebrado um gol diante da Sérvia fazendo o símbolo de um águia, em referência à bandeira da Albânia.

Os dois jogadores têm origem no Kosovo — país cujo povo é em maioria de origem albanesa. Sérvios e kosovares são povos rivais históricos na região dos balcãs; a última guerra entre eles aconteceu entre fevereiro de 1998 e junho de 1999. Nesta Copa do Mundo, o confronto entre sérvios e suíços acontecerá novamente; as duas seleções estão no Grupo G, o mesmo do Brasil.