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Mulheres do Qatar vão ao estádio pela 1ª vez: 'Tive vontade de chorar'

A qatari Deema Mansur, 22 anos, estava emocionada na partida entre Qatar e Equador pela Copa  - Diego Garcia/UOL
A qatari Deema Mansur, 22 anos, estava emocionada na partida entre Qatar e Equador pela Copa Imagem: Diego Garcia/UOL
Adriano Wilkson e Diego Garcia

Do UOL, em Doha (Qatar)

20/11/2022 18h00Atualizada em 21/11/2022 11h09

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Elas cruzaram os portões do estádio Al Bayt com o semblante emocionado e não hesitaram ao parar alguns minutos para transformar em palavras um sentimento que muitos de nós já não conseguimos resgatar da lembrança. "Como foi estar em um estádio de futebol pela primeira vez?", perguntamos, curiosos depois de vê-las na arquibancada de Qatar x Equador, a partida de abertura da Copa de 2022. Para as mulheres qataris, a resposta surgiu assim:

"Nós estamos muito felizes e orgulhosas de sediar a primeira Copa em um país árabe", disse Amera Saadoun, de 30 anos. "A cerimônia de abertura foi icônica, perfeita, universal, e ao mesmo tempo mostrou nossa cultura. Queremos mostrar ao mundo o que nós somos. Estamos contando nossa história pela primeira vez. Essa foi minha primeira vez no estádio, já que sou mulher. Não é muito comum na nossa cultura, mas eu não podia perder isso. É uma experiência que acontece só uma vez na vida."

Apesar de não serem proibidas de frequentar estádios, as mulheres do Qatar não têm o hábito de torcer. Na abertura da Copa, muitas se posicionaram ao lado de uma surpreendente torcida organizada local (e masculina), que pulou, cantou e batucou durante o jogo inteiro. As mulheres, muitas com os cabelos cobertos e vestidas com roupas tradicionais, ergueram bandeiras e exibiram adereços nas cores branca e grená.

Muitas das que toparam falar com o UOL Esporte relataram terem ido ao estádio pela primeira vez. Elas deram entrevista em inglês e todas concordaram em ter a voz gravada, mas muitas não aceitaram ser fotografadas, o que algumas correntes do islamismo consideram impróprio para mulheres. "Foi um sonho", disse Maryam Ibrahim, acompanhada do marido. "Faz 12 anos desde o anúncio da Fifa. Fiquei muito orgulhosa. Foi minha primeira vez dentro de um estádio, foi incrível. A torcida é muito legal, é diferente da TV."

Durante o segundo tempo da partida, enquanto o Qatar já perdia por 2 a 0 para os visitantes, Deema Mansur se surpreendeu ao ser abordada: "Você quer me entrevistar? Mas por quê? Eu nem entendo de futebol!" Aos 22 anos, ela trabalha como voluntária da Copa e esteve apenas pela segunda vez em um estádio. Antes de aceitar dar entrevista, Deema pediu para esperar por alguns minutos até que um amigo retornasse. No Qatar, não é comum que as mulheres falem com estranhos. Ainda mais se estiverem sozinhas. Ainda mais se os estranhos forem homens. Mesmo assim, o Qatar é visto como mais liberal em relação aos direitos das mulheres se comparado aos países vizinhos. Algumas mulheres que encontramos foram entrevistadas junto com seus maridos e filhos, mas se afastaram quando pedimos para tirar fotos.

Jordania - Diego Garcia/UOL - Diego Garcia/UOL
Hamzah, da Jordânia, e seu marido Alhamzeh; ela foi pela primeira vez a um estádio de futebol, em Qatar x Equador
Imagem: Diego Garcia/UOL

Deema foi a primeira que topou. Sobre a Copa, ela se disse "feliz, principalmente porque as pessoas do mundo estão tendo a oportunidade de visitar meu país. Nunca tinha visto isso aqui."

Como em muitos países que seguem a sharia, a legislação baseada no Islã, o Qatar limita legalmente a liberdade das mulheres. Todas têm um guardião masculino — primeiro o pai e depois o marido —, e precisam obter autorização dele para casar, viajar para fora do país ou aceitar certos trabalhos. De acordo com um relatório da ONG Human Rights Watch de 2021, que analisou 27 leis e entrevistou 73 mulheres qataris, as cidadãs do país não podem sair de casa sem a concordância do marido e não podem recusar fazer sexo com ele, a não ser que apresente um motivo "legítimo". Já um homem qatari pode ter até quatro mulheres ao mesmo tempo.

Mas no primeiro dia da Copa, não houve discussões sobre os direitos civis femininos e as torcedoras que foram ao estádio pareciam focadas no jogo e na festa da arquibancada. Hissa Salman e sua irmã menor torceram dentro de um estádio pela primeira vez: "Tive vontade de chorar. Foi uma coisa muito importante pra gente. Espero que o Qatar ganhe e que eu possa voltar mais vezes."

A atmosfera contagiou mesmo mulheres de países vizinhos, como a jordaniana Hamzah, de 54 anos, que passou boa parte do tempo filmando o campo, transmitindo o jogo para quem estava distante: "Gostei das cores e da alegria das pessoas." Ou como a saudita Nadrah Sindi, que afirmou ter se sentido muito segura no estádio. "Agradeço a Deus por isso."

As duas estiveram no estádio pela primeira vez e também esperam que não seja a última.

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