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Renato Mauricio Prado

Três 'causos' do futebol

Enquanto não há perspectiva de ver o Maracanã novamente cheio, lembremos alguns causos do futebol no Brasil profundo - Thiago Ribeiro/AGIF
Enquanto não há perspectiva de ver o Maracanã novamente cheio, lembremos alguns causos do futebol no Brasil profundo Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

07/05/2020 13h00

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Segue a quarentena e apesar da insanidade de alguns que insistem em querer fazer a bola voltar a rolar logo (entre eles o presidente da República!!!), a verdade é que não há ainda a menor perspectiva de quando isso voltará a acontecer. Aproveito, então, a falta de assuntos mais quentes, para recontar aqui alguns "causos" deliciosos que ouvi e publiquei, durante os meus tempos de colunista do jornal O Globo.

Impossível perder

Esse quem me contou foi meu fiel leitor Victor Kingma, um apaixonado pelas histórias folclóricas do futebol. Final de campeonato no interior de Minas, o time local precisava desesperadamente da vitória - o empate daria o título ao seu arquirrival.

Para piorar as coisas, um problemão: Joca, o grande craque e artilheiro da região, o Gabigol da época, estava muito gripado e só ficaria no banco, para intimidar a equipe visitante.

Rola a bola e o jogo é tenso, fechado, nada de oportunidades de gol para nenhum dos dois times. Já no finalzinho, o técnico, em desespero, chama o Joca e lhe diz:

- Vai pro sacrifício, meu craque! É tudo ou nada. Só você pode nos salvar.

E o nosso herói entra em campo, aos 41 minutos do segundo tempo. Aos 44, em um contra-ataque, o ponta-direita Fumaça vai ao fundo e cruza: Joca mata a bola no peito, tira o beque da jogada e dispara...

A torcida se levanta, os locutores enchem os pulmões para gritar gol, mas, de repente, os refletores do pequenino estádio se apagam. Ninguém conseguiu ver a conclusão do lance...

Pânico geral, somente cinco minutos depois as luzes começam a voltar. Em meio à confusão, a bola sumiu! E, afinal, o que aconteceu? Sereno e impassível, o árbitro se dirige para o centro do gramado. Os repórteres o cercam e perguntam:

- O que foi, seu juiz?

E sua senhoria, com toda a segurança:

- Gol!

- Mas ninguém viu a bola entrar, depois do chute do Joca! - argumentam os repórteres, perplexos, e os adversários, enfurecidos.

E o homem do apito, com a maior calma:

- Vocês que acompanham o futebol sabem muito bem: dali Joca não perde!

O super Jacaré

Outra, do mesmo autor. Jacaré foi craque. Emérito cabeceador, tinha apurada visão de jogo. Aposentado, vivia no bar, cercado de velhos fãs, relembrando suas glórias. Após umas cervejinhas, porém, se animava e acabava exagerando "um pouco" na narrativa de seus feitos.

Liminha era seu maior amigo, fiel escudeiro e fora seu companheiro no futebol. Tinha, entretanto, uma característica peculiar: detestava mentira. Nada o aborrecia mais do que ver alguém mentindo.

E Jacaré, naquele dia, estava impossível. Contava que certa vez seu time fora jogar contra o maior adversário, de uma cidade vizinha, e ele, com o joelho machucado, não pode ser escalado de início. Ao final do primeiro tempo, seus companheiros já perdiam por 3 a 0. E, após o intervalo, a coisa piorava a cada instante: aos 30 minutos o placar já apontava 5 a 0 para a equipe da casa. Foi quando o técnico chamou o Jacaré:

- Meu ídolo, eu sei que você não está em condições de jogar, mas preciso que entre em campo, para evitar um vexame maior.

E o nosso herói começou a contar para os amigos mais uma façanha de sua interminável série de proezas:

- Aos 35 minutos, escorei um corner, de cabeça, e fiz 5 a 1. Aos 37, driblei três adversários e, de virada, diminui para 5 a 2. Aos 40, arrematei de voleio: 5 a 3! - ia narrando, embalado pelas "louras geladas".

Em um canto da mesa, impassível e, aparentemente, cochilando, Liminha apenas ouvia:

- Aos 43 minutos, de bicicleta, fiz 5 a 4... - seguia, empolgado, o Jacaré.

E Liminha parecia mesmo ressonar...

- Aos 45, quando o juiz já se preparava para terminar a partida, peguei a bola na intermediária, passei por quatro marcadores, invadi a área, fintei o goleiro...

Mas antes que nosso craque concluísse, Liminha acordou, levantou-se num salto e berrou:

- JACARÉ! Se você empatar esse jogo, eu lhe enfio a mão na cara...

Zagueiro bravo

Final de campeonato no interior, o time da casa precisava vencer para chegar ao título. Preocupado, o presidente do clube, "coronel" Neca Pereira, escolheu a dedo o juiz e os bandeirinhas e reservou para os visitantes o vestiário do lado do curral de sua fazenda - onde ficava o campo e as modestas arquibancadas de madeira.

Sabendo que o adversário usaria sua tradicional camisa vermelha, Neca Pereira mandou prender, em local bem próximo à passagem dos jogadores, um feroz touro, chamado "Bravo" - o terror das touradas na roça.

Logo ao pisar o gramado, os visitantes receberam as boas-vindas do animal, que avançava ferozmente contra a tela de proteção, tentando chifrar aquelas camisas encarnadas.

E assim continuou durante toda a partida. Sempre que alguém de vermelho se aproximava da lateral, lá vinha a besta-fera bufando e chifrando o alambrado que separava o estábulo das quatro linhas.

Intimidado, o adversário parecia presa fácil. Aos 15 minutos, já perdia por 1 a 0. O jogo, porém, foi se arrastando, sem outros gols. Aos 44 minutos do segundo tempo, o ponta inimigo driblou dois e chutou de fora da área. Gol! Estava a empatada a partida - resultado que garantia o título aos visitantes.

O árbitro ainda deu 10 minutos de prorrogação e um pênalti inexistente (chutado na lua!), mas o gol não saía. Sua senhoria, então, aproveitou um lateral, para se aproximar do banco do time da casa e avisou baixinho:

- Coronel, preciso acabar esse jogo. Seu time está completamente perdido e não fará gol nunca...

Atarantado, Neca virou-se para o técnico e decidiu:

- Esse título eu não perco! Vamos melar o jogo!

- Mas melar, como? - espantou-se o treinador.

E o coronel, taxativo:

- SOLTA O BRAVO!