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Vinte e Dois

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A recuperação dos Clippers, e o dilema entre identidade e adaptação na NBA

Paul George, do LA Clippers, em jogo contra Utah Jazz, no Jogo 3 da Conferência Oeste dos playoffs da NBA - Icon Sportswire/Icon Sportswire via Getty Images
Paul George, do LA Clippers, em jogo contra Utah Jazz, no Jogo 3 da Conferência Oeste dos playoffs da NBA Imagem: Icon Sportswire/Icon Sportswire via Getty Images

Vitor Camargo

Colunista do UOL

14/06/2021 04h00

Pela segunda vez nessa temporada, o Los Angeles Clippers se encontrou contra a parede, enfrentando uma desvantagem de 2-0 em uma série de playoffs. E, pela segunda vez, o time reagiu para conseguir uma vitória salvadora e evitar o buraco de cair em desvantagem por 3-0 - uma que nenhum time superou na história da NBA. E a equipe de LA conseguiu isso recorrendo ao mesmo expediente que salvou sua série contra o Dallas: o quinteto small ball sem pivô.

O Clippers já tinha começado com essa formação no Jogo 1, e eu escrevi em outra coluna sobre como a decisão acabou se mostrando acertada: esse quinteto permitiu ao time tirar Rudy Gobert do garrafão, movimentar a bola no perímetro e manter o Jazz fora da sua zona de conforto, enquanto sua defesa de trocas ajudou a impedir que o ataque do Jazz conseguisse abrir e explorar os espaços que tanto gosta. Na verdade, um dos motivos para a virada de Utah e a derrota dos Clippers foi justamente no segundo tempo, quando LA abandonou essa formação e recolocou Zubac em quadra; esse retorno à sua formação habitual matou todas as vantagens que o time tinha conseguido na partida até então, permitiu a Utah jogar da forma como mais gosta dos dois lados da quadra, e quando Zubac finalmente saiu de quadra o Jazz já tinha virado o placar - e Donovan Mitchell deu um show individual para sacramentar a vitória.

A formação de small ball dos Clippers não é perfeita; ela não oferece proteção de aro, pode deixar o time vulnerável nos rebotes, e por ser uma defesa que exige comunicação e entrosamento em alto nível ela é mais propensa a erros e falhas que gerem cestas fáceis - especialmente em um time que não é tão acostumado a ela. Mas a formação baixa ainda oferecia ao time sua melhor vantagem tática, e uma forma de jogar a favor de suas forças. Estamos falando de jogos de playoffs entre os melhores times da NBA; você não vai conseguir uma solução perfeita, mas precisa escolher a opção que oferece mais prós e menos contras entre as disponíveis. Para os Clippers, essa era a formação baixa - e por isso foi uma surpresa quando a equipe anunciou que voltaria a usar Zubac de titular no Jogo 2.

Previsivelmente, a mudança foi um fiasco; o Jazz caçou Zubac no pick-and-roll, e como os Clippers não podiam se arriscar com as trocas e colocavam Zubac recuando na defesa drop, o Jazz aproveitou para conseguir uma tonelada de bolas de três a partir do drible que ditaram o ritmo do jogo desde o primeiro minuto. Utah chutou 39 bolas longas e acertou 20 delas, e vai ser difícil para qualquer time vencer Utah quando isso acontece.

Mas também é injusto dizer que a derrota no Jogo 2 se deveu apenas graças a Zubac e à desvantagem tática. Os problemas dos Clippers foram muito além: mesmo quando o time conseguiu trocar a marcação, e mesmo quando Zubac saiu e a formação baixa voltou, ainda era possível observar muitos erros, muitas decisões ruins, falhas mentais que revelavam um visível desconforto dos Clippers. Veja a jogada abaixo, por exemplo. Utah chama um corta-luz para Mitchell, mas O'Neal só finge o corta-luz e o Clippers bate cabeça: Reggie Jackson antecipa a troca, Kawhi fica em Mitchell, e O'Neal tem todo o espaço do mundo para infiltrar com tranquilidade.

Isso não tem a ver com esquema, escalação, small ball - tem a ver com erros mentais que podem ser sinal de algo maior, ou simplesmente um dia ruim. Porque isso também é importante no basquete: por mais tosco que possa soar quando você coloca dessa maneira, por vezes um time simplesmente joga bem e outro joga mal. O Jogo 2 foi um bom exemplo disso: Utah é um ótimo time chutando de três, mas 51% é fora da curva e insustentável. Da mesma forma, Donovan Mitchell foi dominante (37 pontos) enquanto Kawhi Leonard e Paul George, no papel jogadores melhores, não se destacaram da mesma maneira (27 e 21 pontos, respectivamente). Se Kawhi tem um jogo melhor, se algumas bolas de três do Jazz não entram, talvez o jogo fosse diferente. É importante ter isso em mente.

Só que às vezes isso está ligado a algo maior, que é um dilema do basquete de pós-temporada. Eu já escrevi aqui algumas vezes - como quando falei sobre a vitória dos Bucks sobre o Heat - sobre a diferença que existe entre temporada regular e playoffs: se na temporada regular o que importa mais é o time ser capaz de jogar de forma consistente ao redor de um estilo de jogo bem definido, nos playoffs você precisa ser capaz de se adaptar, mudar e responder às circunstâncias. Times como os Knicks ou os Bucks de 2020 não conseguiam fazer esses ajustes, insistiam no que estava dando errado porque era a única forma que sabiam jogar, e viravam presas fáceis para seus adversários.

Mas é possível ir a um extremo com esse foco nos ajustes e variações, e esquecer o outro lado: também é muito útil ter uma identidade clara que seu time possa recorrer nos momentos de pressão. Só essa identidade, claro, não é suficiente, mas ela oferece um piso de sustentação para momentos difíceis. Os melhores times são os que conseguem equilibrar esses dois aspectos fundamentais: eles possuem uma identidade definida, uma forma de jogar na qual estão confortáveis e mais acostumados, mas também são capazes de se ajustar e mudar ao redor dela sem necessariamente abandoná-la por completo.

E, para mim, essa questão de identidade é um dos fatores que mais tem feito a diferença dentro da batalha tática da série. No Jogo 1, o small ball dos Clippers fez um excelente trabalho em tirar Utah da sua zona de conforto, e foi como abriu vantagem; o Jazz, no entanto, mostrou no segundo tempo sua capacidade de conciliar adaptação com essa identidade. Em nenhum momento o Jazz cogitou tirar Gobert de quadra, ou jogar baixo para acompanhar os Clippers; ao invés disso, encontrou uma forma de se adaptar e ajustar dentro da identidade, usando sua movimentação de perímetro e a ameaça dos chutes de fora para abrir espaços para a infiltração de Mitchell, que castigou a falta de proteção de aro dos Clippers. E parte disso foi possível por causa daqueles minutos com Zubac no segundo tempo, que deu ao time a estabilidade e familiaridade dentro do seu estilo habitual para estancarem o sangramento e encontrarem seu norte depois de um primeiro tempo ruim. O mesmo é verdade no Jogo 2; por mais que os Clippers tenham se colocado em uma desvantagem tática, o problema ficou maior porque isso permitiu ao Jazz entrar cedo no seu estilo, ficar na sua zona de conforto e pegar o embalo até que era tarde demais.

Por isso eu achei tão bom que os Clippers voltaram para seu small ball no Jogo 3. A falta de identidade sempre foi uma das críticas aos Clippers, e esse small ball é o mais próximo que LA encontrou de uma zona de conforto. Ela novamente deu ao time uma vantagem tática para começar a partida que LA usou para embalar e ficar confortável no jogo, e Lue finalmente pareceu abraçar de vez essa identidade: depois de passar 25 minutos com um pivô em quadra em cada um dos dois primeiros jogos, foram apenas 13 no Jogo 3, enquanto jogadores de perímetro que trazem uma energia extra vindo do banco como Terrence Mann e Pat Beverly tiveram sua maior minutagem.

E funcionou: o time finalmente encontrou seu ritmo do perímetro e acertou 19 bolas de três rumo a uma vitória tranquila, com as rotações mais afiadas e um senso de urgência como não tínhamos visto na série. E, sim, ajuda que a famosa variância dessa vez agiu a favor do Clippers: George e Kawhi se recuperaram de um começo ruim de série com excelentes partidas, e foi LA que chutou insustentáveis 52% da linha dos três pontos. Esse número, assim como foi com Utah, não é sustentável e vai regredir eventualmente, mas também é mais fácil de manter o aproveitamento alto quando você está gerando bons chutes e jogando dentro de um ritmo no qual você é confortável.

O Jogo 3 não trouxe todas as respostas para os Clippers - de certa forma, nem trouxe nada de novo que não sabíamos na série - mas mostrou mais uma vez a importância de LA jogar dentro do seu próprio estilo, e a forma de fazer isso é com o small ball. Infelizmente, esse quinteto só jogou junto 26 minutos durante a temporada inteira, então muito do seu entrosamento precisa ser desenvolvido em tempo real, e os erros e batidas de cabeça são inevitáveis - uma vantagem do Jazz na série, e que pode se provar definitiva. Mas, a essa altura, é claro qual a forma de jogar que da aos Clippers a melhor forma de vencer essa série, e eu espero que a equipe continue apostando no small ball para tentar outra grande virada nos playoffs.