Topo

Vinte e Dois

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Como o Milwaukee Bucks superou a humilhação de 2020 e varreu o Miami Heat

Giannis Antetokounmpo e Jimmy Butler durante partida entre Milwaukee Bucks e Miami Heat nos playoffs da NBA - Getty Images
Giannis Antetokounmpo e Jimmy Butler durante partida entre Milwaukee Bucks e Miami Heat nos playoffs da NBA Imagem: Getty Images

Vitor Camargo

Colunista do UOL

30/05/2021 04h00

Menos de um ano atrás, Milwaukee Bucks e Miami Heat se enfrentaram na segunda rodada dos playoffs, e o Bucks era o grande favorito: a equipe tinha terminado a temporada regular com a melhor campanha da NBA pelo segundo ano seguido e o atual MVP da liga em Giannis Antetokounmpo. Mas, quando a bola subiu, o Bucks sofreu uma das grandes humilhações da sua história. Apesar do favoritismo, foi o Heat que venceu os primeiros três jogos e eventualmente fechou a série em cinco. E foi bem além de apenas uma eliminação precoce para o Bucks: Milwaukee parecia um time amador, completamente dominado e sem reação diante de um time do Miami Heat que se mostrou mais físico, mais confortável e bem treinado, e acabou chegando até as Finais da NBA no lugar do Bucks.

A derrota para o Heat escancarou alguns problemas fundamentais com a forma de jogar do Milwaukee Bucks. O Bucks dominou a temporada regular nesses dois anos com um estilo de jogo muito bem definido: uma defesa conservadora baseada no recuo de seus pivôs, desenhada para tirar os arremessos adversários perto do aro, e um ataque que bombardeava bolas de três livres para complementar a dominação de Giannis no garrafão. Milwaukee tinha o talento para fazer o esquema funcionar bem, é claro, mas a sua superioridade na temporada regular veio do time dominar e executar à perfeição e com consistência esse estilo de jogo bem definido.

Mas a pós-temporada é um animal totalmente diferente. Os times têm mais tempo de estudar seus adversários, de preparar e treinar formas para tirar seus pontos fortes e explorar as fraquezas, e o resultado é um jogo totalmente diferente. Nesse sentido, times como o Bucks, que se baseiam em dominar e jogar sempre um único estilo de jogo, são presas muito fáceis; são mais fácil de se estudar, e sofrem mais para se adaptar. Se na temporada regular o que importa mais é consistência e regularidade, nos playoffs você precisa de variedade e respostas - mesmo antes de saber quais serão as perguntas.

Milwaukee não tinha isso, e o Heat entrou com um plano claro para explorar o jogo do Bucks: se aproveitando da tendência de Lopez de recuar para atacar com seus arremessadores no perímetro vindos do handoff com Bam Adebayo, e concentrando sua defesa do lado da quadra onde estava Giannis para conter suas infiltrações e desafiar o grego a chutar - explorando a falta de bons criadores do Bucks e direcionando as bolas longas para arremessadores mais fracos. E não só o plano funcionou, como o Bucks - seja por falta de disposição ou capacidade - em nenhum momento se adaptou; continuou jogando como sempre, repetindo os mesmos erros e aceitando o duelo como desenhado pelo Heat. Ao fim dos cinco jogos, ficou bem claro qual time era o mais bem preparado dos dois.

Desde então, tudo que Milwaukee fez foi para evitar que isso se repetisse. O time sacrificou sua profundidade para trocar por outra estrela, Jrue Holiday, que oferecesse mais respostas contra defesas de playoffs, e também buscou jogadores que pudessem brilhar em mais de um estilo de jogo. Ao longo do ano, o técnico Mike Budenholzer se preocupou menos em ganhar jogos e mais em experimentar diferentes variações dos dois lados da quadra: trocando mais a marcação na defesa, usando mais Brook Lopez no poste baixo contra defensores menores, explorando Giannis agindo como screener para abrir caminho para os armadores. No processo, o Bucks sacrificou algumas vitórias na temporada regular - acabou em terceiro no Leste - sabendo que o que importava agora era desenvolver um repertório que fizesse do time mais adaptável em pós-temporada.

Um ano depois, Miami voltou a cruzar o caminho do Bucks. E, se muitos viram isso como um grande risco precoce para o Bucks, o próprio Milwaukee - que teve a chance de evitar o confronto - deixou claro que queria o Heat. Seria um teste do seu "novo" time, das suas aspirações de título. E, até agora, o Bucks tem tirado um A+.

Claro, não se trata apenas de ajustes. O Bucks é simplesmente um time melhor que ano passado, com a chegada de Holiday e a evolução de algumas peças secundárias, enquanto o Heat perdeu jogadores importantes. Mas a diferença de postura do Bucks também se faz notar, e como. No Jogo 1, Budenholzer ainda estava cauteloso com os ajustes, evitando fazer grandes mudanças. Milwaukee venceu, mas foi apertado: uma vitória por apenas dois pontos na prorrogação. Foi só a partir do Jogo 2 que Milwaukee começou a realmente mostrar o que tinha guardado na manga - e venceu os três jogos seguintes por 34, 29 e 17 pontos. Não é por acaso.

As mudanças começam na defesa. O Bucks continua pedindo para Lopez recuar no pick-and-roll e proteger o garrafão, o que ainda deixa o Bucks um pouco vulnerável aos handoffs de Bam Adebayo, e o time tomou algumas cestas de três dessa maneira - especialmente do perigoso Duncan Robinson - mas a maior mudança tem sido o que o Bucks faz fora da bola. O Heat adora usar ações secundárias ou preliminares fora da bola para iniciar suas jogadas, como uma forma de dar ao arremessador uma vantagem maior sobre seu defensor e conseguir um chute mais livre. Mas nessas ações - as que não envolvem o lento Lopez - o Bucks agora está aceitando a troca (algo que não faziam de modo algum no passado) e basicamente anulando a vantagem inicial criada pela ação secundária. Isso significa que, mesmo com Lopez recuando na sua defesa tradicional, o espaço que os arremessadores do Miami têm agora é muito menor, bem como sua capacidade de castigar a defesa do Bucks. Isso por sua vez permite que o Bucks aproveite o benefício da defesa de recuo, mantendo Lopez perto do aro para fechar o garrafão.

Essa mudança fez com que Lopez, que um ano atrás praticamente não podia ficar em quadra devido ao quanto Miami estava explorando o pivô na defesa, tenha condições de ser novamente um fator na série, o que gera dividendos do outro lado. Em teoria, a melhor opção do Heat para defender o trio Holiday-Middleton-Giannis seria usar seus três melhores defensores: Butler, Ariza e Adebayo. No entanto, se o Heat faz isso, ele deixa um jogador mais baixo marcando Lopez, e o Bucks tem se mostrado muito mais confortável explorando a diferença de tamanho e dando a bola para Lopez pontuar no garrafão. Mas se Adebayo marca Lopez, algum do Big Three do Bucks tem um missmatch a ser atacado, e o Bucks de 2021 é infinitamente melhor explorando essas vantagens localizadas no ataque. Miami tentou usar um segundo pivô? O Bucks vai estrangular seu ataque, forçar erros e sair em contra ataque atrás de contra ataque.

Ninguém vai confundir esse Bucks com o Spurs de 2014 com suas movimentações de bolas complexas, é claro, mas o Bucks não precisa ser; ele só precisa de pequenos ajustes, que acabem destravando todo o resto na direção certa. Se Middleton (ou Holiday) tem um defensor inferior - digamos, Robinson - Milwaukee pode chamar Giannis para um corta-luz; o Heat não pode trocar a marcação e deixar Robinson em Giannis, mas também não consegue defender só com os jogadores envolvidos, e precisa mandar ajuda - abrindo espaço para a chuva de bolas de três. O Bucks também pode colocar Middleton para atacar em isolação nesse caso, mas ao invés de deixar seu jogador infiltrar contra uma defesa montada pronta para tirar seu espaço, o Bucks executa alguma ação inicial do outro lado da quadra e depois aciona Middleton, pegando a defesa bagunçada e mal postada. São ajustes pequenos e bem simples, mas que estão permitindo que o Bucks faça aquilo que faz de melhor no lugar certo, na hora certa, e com a menor resistência possível.

Em outras palavras, o Bucks não jogou fora o seu estilo antigo, aquele que fez deles tão bons; ele simplesmente incorporou algumas variações e opções diferentes que permitem a esse estilo ser mais eficiente contra diferentes tipos de defesas e ataques. Antes, o Bucks não conseguia se adaptar em playoffs porque nunca fazia algo fora da sua zona de controle ao longo do ano; agora, passaram a temporada inteira se preparando para encontrar as respostas para as possíveis perguntas que apareceriam nos playoffs. E com os ajustes, ao invés de aceitar que o Heat ditasse o ritmo da série, foi o Bucks que se impôs e forçou a série a ser disputada nos seus termos, onde eles simplesmente massacraram qualquer oposição.

O Bucks ainda tem um longo caminho pela frente, é claro, e seu provável adversário na próxima rodada - o Nets - oferece um desafio maior e totalmente diferente do que o Heat, não só em qualidade como em estilo. Se o Bucks quer ser campeão, vai encontrar pela frente muitos outros ajustes e esquemas que vão exigir que o time continue evoluindo cada vez mais e encontrando novas respostas e variações para continuar um passo à frente dos adversários.

Mas o Heat era o primeiro teste, o melhor possível, e o Bucks passou com louvor, mostrando o melhor basquete de qualquer time nos playoffs até aqui - e novamente se estabelecendo como o candidato ao título que deveria ser desde o começo.