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OPINIÃO

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Por que técnico da seleção masculina de basquete errou em desabafo

Aleksandar Petrovic durante jogo da seleção brasileira masculina de basquete contra a Croácia - Denis Lovrovic/AFP
Aleksandar Petrovic durante jogo da seleção brasileira masculina de basquete contra a Croácia Imagem: Denis Lovrovic/AFP

Vitor Camargo

Colunista do UOL

09/07/2021 12h42

Na manhã de hoje (9), o técnico da seleção brasileira de basquete, Aleksandar Petrovic, usou o Twitter para fazer um desabafo sobre a eliminação do Brasil no Pré-Olímpico de Split, que manteve o Brasil fora das Olimpíadas de Tóquio. Nele, Petrovic aponta novos culpados pela derrota diante da Alemanha, as ausências de três jogadores importantes: Didi Louzada (ala do New Orleans Pelicans), Raul Neto (armador do Washington Wizards) e - embora não tenha sido citado por nome - provavelmente Gui Santos, ala de Minas que se prepara para o Draft da NBA, ou Marquinhos, que se aposentou da seleção.

Os citados não defenderam o Brasil em Split depois de pedirem dispensa da seleção: Didi para focar nos treinos da offseason com seu novo time, o Pelicans; Gui Santos para se preparar para o Draft da NBA, no qual tem gerado bastante interesse e que acontece no fim de julho; e Raul Neto por "razões pessoais".

O futuro de Petrovic à frente da seleção brasileira ainda é incerto; atualmente, o croata está sem contrato com a CBB e os boatos colocam Petrovic como novo técnico do time italiano VL Pesaro, mas isso não obrigatoriamente quer dizer que ele deve deixar o comando do Brasil - ele poderia acumular as duas funções, e já manifestou publicamente o desejo de continuar trabalhando com a seleção. Até o fechamento dessa coluna, não havia nada confirmado em nenhum sentido sobre seu futuro.

Dito isso, o tom da postagem de Petrovic parece ser de um técnico com um pé fora da porta - e um que tenta controlar a narrativa da sua saída direcionando a culpa da eliminação para os jogadores ausentes e criando uma "fritura" desnecessária desses atletas, uma postura que dificilmente vai cair bem com os outros jogadores. Mas, além da postura antiética e de jogar publicamente uma bomba no colo dos atletas, a declaração de Petrovic é problemática por vários outros motivos.

O primeiro, e mais óbvio, porque o que ele disse não é verdade. Didi, Raulzinho e Gui são ótimos jogadores, e tê-los à disposição ajudaria a seleção, mas a ideia de que com eles o Brasil estaria próximo da medalha é simplesmente mentira. Mesmo com os três, o Brasil ainda estaria muito abaixo de seleções de elite do basquete mundial, e nós vivemos isso muitas vezes na geração passada: todo mundo criticando as ausências de jogadores como Nene ou Leandrinho pela falta de resultados mais expressivos quando estes (ou outros) pediam dispensas, mas quando a seleção inteira estava junta mesmo assim ficava claro que ainda faltava chão para bater de frente com seleções como Argentina, Sérvia ou Austrália. Colocar essa mentira de que essa é a diferença entre a eliminação e a medalha serve apenas para aumentar o peso da ausência e, portanto, da "culpa" desses atletas, jogando ainda mais o público contra eles.

O segundo problema é que, ao colocar a culpa nos jogadores, a mensagem implícita que é passada é de que a eliminação se deu por falta de talento, o que também não é verdade. O Brasil tinha um excelente grupo, e muito profundo - a seleção literalmente contava com os MVPs dos últimos dois NBBs e os eles combinaram para 0 minutos na final contra a Alemanha - mas colocar a culpa no talento (e portanto nos jogadores, tanto os ausentes como os presentes, que agora passam a não ser "bons o suficiente") é uma forma de desviar para a atenção para os enormes problemas que o Brasil enfrenta fora das quadras. Os mais óbvio são os estruturais - falta de apoio, projeto, continuidade dentro do país - que, repito, são os que mantém o Brasil afastado da elite do basquete mundial há décadas e frequentemente é mascarado justamente pelo talento individual dos nossos atletas; mas também é uma forma de disfarçar as atenções para longe dos problemas que teve a atuação do próprio Petrovic contra a Alemanha, quando ele jogou fora todas as chaves para a partida e tudo que vinha dando certo no Pré-Olímpico, morreu com os dois MVPs do NBB no banco, e foi incapaz de parar Mo Wagner embora todo mundo já soubesse que esse era o forte da Alemanha. Isso não quer dizer que o trabalho como um todo de Petrovic tenha sido péssimo nem nada, mas foi bastante falhado quando precisou, e essa tentativa de jogar o público contra os jogadores não pode mascarar esse fato. E também tem o seguinte: o Brasil estava muito longe de ser o único time desfalcado em Split. Entre a pandemia, o calendário apertado e questões físicas decorrentes desses dois, todos os times estavam jogando sem vários atletas importantes. É, talvez com Didi, Raul e Gui o Brasil tivesse chegado melhor na final. Mas a Alemanha certamente teria chegado muito melhor se estivesse com Dennis Schroder, Franz Wagner, Maxi Kleber, Tibor Pleiss e Paul Zipser. E a Croácia não teria ido tão mal se contasse com Dragan Bender, Dario Saric e Ivica Zubac, entre outros. Talvez nem a Russia teria caído na primeira fase se contasse com Alexey Shved. O fato é que todas as seleções do torneio foram afetadas por dispensas e ausências devido ao contexto mundial de 2021, não apenas o Brasil. Pelo contrário, dada a profundidade do elenco e as opções à disposição do técnico Petrovic, você pode argumentar que o Brasil talvez tenha sido um dos países menos afetados pelas inevitáveis ausências. E mesmo se não fosse o caso, individualizar dessa forma quando tantos outros jogadores ao redor do mundo passaram por questões semelhantes é, novamente, uma foram de desfiar o foco e as atenções, atirando os atletas no fogo para controlar a narrativa.

E, por fim, tem um último ponto que é: a tática usada por Petrovic nessa infeliz declaração faz parte de uma trajetória longa do Brasil de culpar seus atletas, e não seus dirigentes, pelos resultados abaixo do desejado, usando a bandeira do patriotismo como cobertura. Nós cansamos de ouvir, ao longo dos últimos vinte anos, como cada jogador de alto nível do Brasil que pediu dispensa por não querer arriscar os milhões de dólares de uma suada carreira profissional em prol de uma seleção que não faz nada por eles era taxado de antipatriota, que não ligava para a seleção, e devia ter orgulho de representar seu país. É um discurso retrógrado e que mira em sentimentos primitivos e irracionais para, novamente, jogar o público contra os jogadores - os responsáveis por segurar essa barra apesar da minúscula infraestrutura de apoio para eles no país - e mascarar os gigantescos problemas de gestão por trás de contínuos fracassos com as categorias de base, os campeonatos internos e a gestão do esporte de modo geral. E, em um momento onde o esporte finalmente parece estar encontrando alguma estabilidade no Brasil em termos de gestão a nível nacional e campeonato com o NBB, voltar todos esses passos atrás com essa narrativa acusatória, nacionalista para criar uma cobertura falsa para a possível saída do técnico é um gigantesco retrocesso.

A fala de Petrovic foi extremamente infeliz em todos os sentidos possíveis: egoísta, acusatória, com pouco compromisso com a verdade e excesso de falta de profissionalismo. Ao mascarar os verdadeiros problemas, não assumir seu papel na derrota, não deu uma base em cima da qual construir para o futuro, e pode ter queimado importantes pontes no processo que tornem insustentável sua permanência na seleção. Tudo que o Brasil não precisava nesse momento.