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Olhar Olímpico

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Valieva erra, chora, e resolve problema do COI ficando sem medalha

A russa Kamila Valieva, patinadora artística de apenas 15 anos, durante um treino durante os Jogos Olímpicos de Inverno, em Pequim, na China - Evgenia Novozhenina/Reuters
A russa Kamila Valieva, patinadora artística de apenas 15 anos, durante um treino durante os Jogos Olímpicos de Inverno, em Pequim, na China Imagem: Evgenia Novozhenina/Reuters

17/02/2022 10h58Atualizada em 18/02/2022 08h11

O enorme problema do Comitê Olímpico Internacional (COI) foi resolvido no gelo, de forma triste. Com a torcida contrária de boa parte da comunidade internacional, liderada pelos Estados Unidos, a adolescente russa Kamila Valieva, de 15 anos, fez a pior apresentação de sua carreira nesta quinta-feira (17), justamente na final olímpica da patinação artística feminina, e ficou fora do pódio em Pequim, no quarto lugar.

O COI havia anunciado que, se Valieva, que testou positivo para substância proibida mas não está suspensa, fosse ao pódio, não haveria cerimônia de medalha, para que ela não fosse premiada. Com ela terminando apenas em quarto, esse vexame histórico nos Jogos Olímpicos não será necessário. A japonesa Kaori Sakamoto terá sua medalha de bronze.

O que vai ficar para a história é a cena de uma menina de 15 anos, pressionada pelo mundo, humilhada pela publicidade de um caso de doping sobre o qual ela (segundo o código antidoping) não tem responsabilidade enquanto adolescente, chorando depois de uma apresentação muito abaixo do que sabe fazer.

As russas Anna Scherbakova e Alexandra Trusova, campeã e vice, vão ganhar ainda em Pequim suas medalhas de ouro e prata. Quando souberam do resultado, não comemoraram, nem seus técnicos, que também são técnicos de Valieva e fazem parte da equipe, que, pelo código antidoping, é responsável pelo que Valieva ingere. Ela foi punida pela opinião pública. Eles são ouro e prata olímpicos.

Valieva estreou nesta temporada na categoria adulta, fazendo 249,24 pontos para vencer um torneio na Finlândia. Desde então, só melhorou, fazendo as melhores apresentações da história da patinação feminina, alcançando o recorde histórico acima de 283 pontos no Campeonato Russo. Na prova olímpica por equipes, alcançou mais de 281. Mas, hoje, pressionada, terminou com 224,09. Para ganhar o ouro, Scherbakova somou 255,95.

A prova da patinação no gelo é dividida em duas partes. A primeira, realizada na terça, é o programa curto, de menor duração de tempo, mais técnico. O segundo, o programa livre, o disputado hoje, é mais artístico. Na abertura da competição, Valieva, errou o primeiro salto, saindo desequilibrada de um triplo Axel. Depois, foi perfeita, saindo do rinque ovacionada, com nota 82,16, a melhor do dia.

Nesta quinta, a adolescente entrou na pista de gelo pressionada pelo resultado de suas companheiras de treino e pelos olhos do mundo. Trusova primeiro fez uma apresentação excepcional no programa livre, com nota 177,13, quase 20 pontos maior do que a campeã olímpica de 2018 fez, por exemplo. Scherbakova não foi tão bem, mas, como havia ido melhor no programa curto, somou mais pontos no total, 255,95, assumindo a ponta.

Tradicionalmente, só as 24 melhores do primeiro dia continuam na competição se apresentando também no segundo dia. Mas o COI abriu uma exceção, conforme recomendou a Wada, e permitiu a participação das 25 primeiras, como forma de evitar uma queixa da 25ª, no caso uma finlandesa, na hipótese de Valieva vir a ser suspensa e perder o resultado. Para quem, como o COI e a Wada, entende que a russa não deveria estar competindo, então a finlandesa foi a 24ª colocada de terça-feira.

Valieva caiu no doping em exame realizado no Campeonato Russo, em 25 de dezembro, mas o teste só foi concluído na terça-feira passada, um dia depois do show dela na prova por equipes em Pequim.

O COI, a Federação Internacional de Patinação (ISU) e a Wada eram radicalmente contra a participação dela em Pequim depois desse resultado analítico adverso (positivo para substância proibida), mas o tribunal antidoping da Rússia permitiu e a Corte Arbitral do Esporte (CAS) concordou em decisão polêmica anunciada na segunda. O caso está sob a jurisdição da Rússia porque o teste foi feito pela agência russa, a Rusada.

O padrão em casos assim, de exame colhido fora do contexto da Olimpíada, mas com impacto nos Jogos, é a atleta ser suspensa provisoriamente pela agência responsável e, impedida de competir internacionalmente, ser retirada da competição, perdendo a credencial. Foi o que aconteceu com a brasileira Tandara, do vôlei, em Tóquio, que deixou a Vila Olímpica e o Japão menos de 12 horas depois de ser informada da suspensão.

Valieva teve tratamento diferente por ser menor de idade, e seu caso de doping não poder ser tornado público por vias oficiais. Assim, suspensa provisoriamente na terça passada, ela conseguiu recorrer na quarta, conseguir uma espécie de liminar no mesmo dia, e não precisar nem sair de Pequim nem parar de treinar nas estruturas oficiais das Olimpíadas. Quando a imprensa revelou o caso, ela já estava com o regulamento debaixo do braço.

O COI até recorreu à CAS, que tem um escritório provisório em Pequim para julgar casos com agilidade, e entendeu de forma unânime, em um painel, que, como pessoa protegida pelo código antidopíng, Valieva não pode ser punida por doping, mas seu staff. Também considerou que a russa só foi informada na Olimpíada do resultado de um exame feito em 25 de dezembro por uma falha que não tem a ver com ela, da agência antidoping da Rússia, que não informou o laboratório de Estocolmo, na Suécia, da urgência do resultado, por se tratar de uma atleta olímpica.

Assim, o CAS permitiu que ela compita enquanto a Rússia não julga a patinadora. Se ela vier a ser suspensa, seus resultados serão anulados, tanto na prova por equipes, disputada no primeiro fim de semana dos Jogos, quando ela ganhou o ouro com a Rússia, quanto nesta competição feminina.