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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Irmãos missionários evangélicos chegam às seleções de basquete

Família Soares. Tim é o primeiro à esquerda, logo atrás da esposa. No centro, Tiago, Jéssica, Stephanie e Rebeca; Rogério e Susan estão à direita - Arquivo Pessoal
Família Soares. Tim é o primeiro à esquerda, logo atrás da esposa. No centro, Tiago, Jéssica, Stephanie e Rebeca; Rogério e Susan estão à direita Imagem: Arquivo Pessoal

07/12/2021 04h00

Timothy Soares e Stephanie Soares têm mais em comum do que o fato de serem irmãos. Hoje atletas das seleções brasileiras de basquete, os dois compartilham uma história que desafia o padrão do esporte no Brasil. Aprenderam a jogar sendo treinados pelo pai em um acampamento no interior de São Paulo, pouco atuaram por clubes do país, mesmo na base, e chamaram a atenção defendendo uma universidade fora do sistema da NCCA —principal liga do esporte universitário— nos Estados Unidos.

Tim e Stephanie são parte de uma família que tem como missão de vida espalhar a palavra de Deus. "Meu objetivo jogando basquete é influenciar pessoas e mostrar que sem Deus eu não sou nada. E, com Jesus me dando uma segunda chance, eu posso viver uma vida para ele, posso viver uma vida com felicidade. Sem Jesus, eu acredito que a gente não é realmente feliz", diz Timothy (lê-se Timóti), que se diz um missionário, só não em tempo integral.

Aos 24 anos, o ala/pivô (joga nas posições 4 e 5) chegou chegando na seleção. Tim Soares, como é mais conhecido, vem fazendo ótima temporada em Israel, pelo Ness Ziona, com médias de mais de 15 pontos e 8 rebotes. Desconhecido do grande público no Brasil, ele recebeu uma chance na primeira convocação do técnico Gustavo de Conti, e respondeu com 21 pontos nos dois jogos contra o Chile, em novembro, pelas Eliminatórias do Mundial.

"Eu sabia quem era o Benite, acompanho o Bruno [Caboclo] e o [Cristiano] Felício, sou grande fã deles, mas a maioria eu fui conhecer lá. Passei a viagem inteira vendo vídeos dos caras. A maioria estava na final do NBB entre São Paulo e Flamengo, ficaram falando, aí fui assistir os jogos", reconhece o jogador.

A falta de familiaridade de Tim com o basquete brasileiro se explica. Além de ter sido criado sem televisão, que os pais consideram uma distração, até os 16 anos ele morou com a família no Acampamento Evangélico Recanto Sal, em Nova Odessa, no interior de São Paulo. Por ser filho de uma norte-americana, recebeu a maior parte de sua educação em casa, orientado pela mãe, dentro do sistema educacional dos Estados Unidos.

Basquete Tim aprendeu em casa também. Susan Anderson, a mãe, foi jogadora de seleção americana. Formou-se na Universidade do Texas e veio ao Brasil defender o histórico time do Lacta/Santo André de Janeth. Um dia, na parada de uma viagem, Susan prendeu o anel no brinquedo de um parquinho e perdeu o dedo. Depois de várias cirurgias, voltou ao basquete, rumou para o Japão, mas retornou ao Brasil e para o Santo André.

Família Soares, de Tim e Stephanie, da seleção de basquete - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Aqui, se apaixonou pelo também jogador de basquete Rogério Soares, de carreira mais modesta, que fez o caminho contrário e foi jogar no time universitário da The Master's, em Santa Clarita (CA), nos Estados Unidos. "Um dos caras da universidade veio, me viu jogando, e falou de mim para o técnico, que me ofereceu a bolsa. Até então, eu não tinha relação com religião e a mensagem que eu ouvi me deu essa convicção de que precisava chegar mais perto de Deus, precisava pedir perdão dos meus pecados, deixar de desagradar a Deus", conta.

Susan até voltou para os EUA como técnica do time feminino na The Master's antes de retornar ao Brasil e encerrar a carreira no histórico time do BCN/Piracicaba quando engravidou de Tim. Logo tiveram Jéssica, Stephanie, Tiago e Rebeca. Dos cinco, só esta última, com 15 anos, ainda não foi para os EUA para estudar e jogar pela The Master's. A caçula mora com os pais em Osasco e defende a ADC Bradesco.

Atletas em Ação

Rogério e Susan são hoje os diretores do Atletas em Ação, entidade coirmã da mais famosa Atletas em Cristo, popular principalmente entre jogadores de futebol. A ideia é a mesma: utilizar o esporte como ferramenta para levar a mensagem bíblica a mais gente.

"Quando nos casamos, nos EUA, vimos que lá há muito voluntariado e no Brasil é muito pouco. A gente queria ajudar, promover o crescimento individual das pessoas, foi quando decidimos vir morar no Brasil e nos envolvemos com o Esporte em Ação. Usar o esporte para tirar a molecada da rua, permanecer na escola, ler a bíblia", explica Rogério.

Por 17 anos, de 1995 a 2012, o casal foi responsável por um acampamento com dois campos de futebol e três quadras de basquete, onde recebiam equipes para clínicas de treinamento. "Não era um acampamento evangélico, mas um ponto de encontro. A gente trabalhava duro com eles, fazíamos eles suarem, mas a gente também dava conselhos, ajudava eles", conta Rogério.

Rogério, Susan e seus cinco filhos. Os mais altos, Tim e Stephanie, estão na seleção de basquete - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Educador físico, até hoje ele realiza trabalho assistencial misturando aulas de basquete e mensagens religiosas, agora em Osasco. "A gente corre, brinca, joga, e depois eu sento cinco segundos com eles e converso: 'Você falou mentira hoje?' Mentira não agrada a Deus..."

Foi nesse contexto que Tim e Stephany foram criados, tendo aulas de basquete em casa e estimulados a terem forte relação com a Bíblia. Foi essa combinação que levou ambos, assim como seus irmãos, a estudarem na mesma The Master's por onde seus pais passaram. A universidade tem um "compromisso intransigente com Cristo e com as Escrituras", segundo descrição em seu site.

Do ponto de vista esportivo, a The Master's não faz parte do sistema da NCAA, principal liga universitária norte-americana, mas da NAIA, bem menos relevante. Já apontada como joia do basquete brasileiro, Stephany tinha convites para jogar por universidades com forte tradição na formação de jogadoras para a WNBA, mas fez uma escolha da qual não se arrepende.

"Desde pequena, o objetivo foi vir para cá e jogar. Eu nunca pensei que queria ter outras oportunidades. Meus pais me ensinaram muito a importância de Deus, da bíblia. Uma das coisas que eu queria focar era fazer crescer meu relacionamento com Deus, aprender mais sobre Ele e sobre a bíblia", diz ela, que tem 2,00 m de altura e sobra na NAIA. Logo na segunda temporada, aos 20 anos, já foi a melhor jogadora do campeonato, liderando estatísticas de rebote e tocos.

Stephanie Soares - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Figurinha carimbada na seleção brasileira desde 2018 e campeã dos Jogos Pan-Americanos, Stephanie teria lugar nas principais equipes universitárias dos EUA se quisesse. Mas não quer. "Ela preferiu dar mais valor ao relacionamento dela com Deus do que à fama ou algo assim", explica a mãe. A tendência é que, saindo da NAIA, Stephanie não seja draftada pela WNBA ao fim desta sua última temporada como estudante. O plano é jogar no exterior e, aí, sim, chamar atenção da liga norte-americana.

Para Tim, a estratégia deu certo. Ao menos o levou para a seleção brasileira, repetindo o caminho feito antes pela irmã. Depois de sair da The Master's, ele jogou a temporada passada na segunda divisão da Turquia. Não tinha proposta melhor que isso. Destaque no Samsunspor, recebeu a oportunidade de ir para Israel, onde está indo bem a ponto de chegar à seleção.

"Eu sabia que se eu continuasse treinando, me dedicando, sabia que a chance ia chegar. Queria que chegasse o mais rápido possível, porque minha irmã já joga [na seleção]. Ela é mais nova e enche muito meu saco. Queria que chegasse logo para ela ficar quietinha", brinca Tim, que espera, no futuro, contar com a companhia na seleção do irmão Tiago, que está no segundo ano na The Master's. A caçula Rebeca deve seguir para os EUA em breve, também.