Topo

Olhar Olímpico

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Jogadora brasileira relata ter sofrido racismo em aeroporto na Alemanha

Mariane Fernandes com o troféu do Campeonato Centro-Sul Americano - Reprodução
Mariane Fernandes com o troféu do Campeonato Centro-Sul Americano Imagem: Reprodução

16/11/2021 12h01

A jogadora de handebol Mariane Fernandes, da seleção brasileira, relata ter sido vítima de racismo ao fazer uma conexão no Aeroporto de Munique, na Alemanha, durante viagem do seu time, o Bera-Bera, entre a Romênia e a Espanha, no domingo (14). Ela foi inicialmente barrada no setor de imigração, levada a uma sala da polícia, e depois escoltada, sem seus documentos, até o portão de embarque.

Mariane, de 25 anos, é a única jogadora negra de pele escura do elenco do Bera-Bera, time da região basca da Espanha. Foi também a única atleta a ser barrada pela imigração alemã. "Eu já sofri vários atos de racismo. Eu sou do Rio de Janeiro, do bairro de Anchieta, e quando vou para a Zona Sul com a minha família tem sempre os olhares, o 'Certeza que você vai conseguir pagar por isso?' Mas ser escoltada por polícia? Nunca. Foi o pior ato de racismo que já sofri", ela afirma.

A ala esquerda se destacou no Brasil jogando pela Metodista, de São Bernardo do Campo (SP), e chamou atenção do Molde HK, da Noruega, para onde se transferiu no começo de 2018. Depois de um ano e meio no país nórdico, transferiu-se para o Bera Bera, de San Sebastian, um dos mais tradicionais times espanhóis, onde hoje a brasileira é destaque. No domingo, ela fez sete gols na derrota da equipe para o Ramnicu Valcea, da Romênia, pelos playoffs da Liga Europa.

Maior do que a dor de cabeça pela derrota foi o que Mariane viria a passar na conexão em Munique voltando para a Espanha. "Meu documento espanhol venceu e até ficar pronto, essa semana, eu tenho um provisório. Eu estava com o velho, o provisório, o meu passaporte brasileiro e um documento de regresso da Espanha dizendo que eu poderia voltar. Dei os documentos na imigração e nisso passou a outra brasileira do time, eu perguntei se tudo certo, e ela disse que tinha sido liberada sem problema nenhum", conta a jogadora.

A outra brasileira é a goleira Alice Diva, negra de pele clara. A colega de equipe não tinha o documento de regresso para a Espanha, mas não teve problemas. Mariane, mesmo com esse papel, foi barrada. "O policial começou a dizer que eu não poderia estar ali, olhava tudo nos meus documentos. Eu falava que tinha os documentos, e ele o tempo todo dizia que ali não era a Espanha, mas a Alemanha. E repetia que era a Alemanha..."

Todas as jogadoras do elenco foram liberadas, menos Mariane, que passou a ter a companhia do técnico da equipe. Depois de algum tempo, pelo que contou a atleta, os documentos dela foram levados por outro policial, que voltou com o passaporte carimbado. "Meu técnico disse que então tudo bem, que poderíamos ir. Mas o policial respondeu: 'Não, você vai, ela vai comigo'. Meu técnico perguntava se eu iria para Espanha, quando, como, e o policial: 'Não sei quando, não sei como, só sei que você vai embora, e ela vai comigo'".

Mariana então foi levada para uma sala com seis policiais, onde seu celular já não tinha mais conexão. "Fiquei um bom tempo lá. Uns policiais falavam para aquele primeiro policial deixar eu passar, que eu tinha os documentos, mas ele não liberava. Depois ele fez uns telefonemas, disse que falou não sei com quem, e que ia me deixar passar", continua a jogadora.

Quando ela achou que o martírio tinha acabado veio o episódio onde ela teve certeza tratar-se de um claro caso de racismo. "Achei que fosse sozinha até o portão de embarque, mas fui meio que escoltada, com dois policiais do meu lado, eles com meu documento. Eles não quiseram me dar meu documento, me levaram até o portão. Parecia que eu ia explodir alguma coisa, roubar, que eu ia fugir. Eles ficaram me escoltando. E falando para a galera: 'Sai da frente, sai da frente', todo mundo me olhando".

Quando chegou ao portão, Mariane desabou em choro. Consolada pelas companheiras, algumas das quais também emocionadas, chorou até a chegada em Bilbao. Pelo celular, contou para a irmã, a assistente social Cris Marcela, sobre o que chamou de maior ato de racismo que já sofreu.

Cris Marcela relatou o episódio no Instagram, fazendo um desabafo. "Até quando os nossos sofrerão atos como esse? Até quando o nosso direito de ir e vir será vetado? Aquele discurso de: 'todos são iguais perante a lei' serve para quem?". A postagem repercutiu no meio do handebol e fez com que, hoje, ao atender a reportagem do Olhar Olímpico por telefone, Mariane já dissesse estar bem melhor.

"Era uma coisa que eu queria esquecer, mas é impossível esquecer disso. Após postagem da minha irmã, eu recebi muitas mensagens de carinho. As pessoas mandando mensagem dizendo que estão comigo, para eu ter força. Eu me sinto muito acolhida. Me sinto impotente, porque não podia fazer nada, e também um pouco revoltada com tudo, mas me sinto acolhida, amada. Que bom que existem pessoas para apoiar".