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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Jogos Escolares têm adolescentes sem hotel e fila quilométrica para comer

André Alves (esq), Marcelo Magalhães (centro) e Antônio Hora Filho (dir) - Francisco Medeiros/Ministério da Cidadania
André Alves (esq), Marcelo Magalhães (centro) e Antônio Hora Filho (dir) Imagem: Francisco Medeiros/Ministério da Cidadania

29/10/2021 16h11

Alunos e professores que participam dos Jogos Escolares Brasileiros (JEB's) no Rio de Janeiro, tratados pelo Ministério da Cidadania como o grande feito do governo Jair Bolsonaro (sem partido) na área esportiva, descrevem o evento, que começa hoje, como um caos. Adolescentes de 12 a 14 anos tiveram que passar a noite no aeroporto Santos Dumont, outros chegaram à cidade à noite e só foram hospedados provisoriamente quando já amanhecia, e há fila quilométrica para o almoço. Nas redes sociais, pais que acompanham a bagunça à distância mostram preocupação.

Em julho do ano passado, há 15 meses portanto, o secretário do Esporte, Marcelo Magalhães, anunciou que os JEB's seriam realizados em 2021 no Parque Olímpico do Rio. Na época, divulgou que seriam feitas 37 mil reservas de hotel e detalhou até o número de copos de água que seriam servidos.

Mas só na quarta-feira (27), anteontem, com delegações estaduais já no Rio de Janeiro, é que o Ministério repassou R$ 17,9 milhões para a Confederação Brasileira de Desporto Escolar (CBDE) fazer o evento. A relação entre governo e confederação estremeceu a ponto de o presidente da CBDE, o ex-árbitro de futebol Antônio Hora Filho, cogitar cancelar a competição em cima da hora. Ele era contra a presença de público, exigência do Ministério da Cidadania, que acabou vencendo a queda de braço.

Ontem (28), porém, com a chegada da maior parte das delegações ao Rio de Janeiro, ficou claro que o evento é maior do que a organização promovida pela CBDE e pelo Ministério da Cidadania. São mais de 6 mil pessoas chegando ao Rio de Janeiro e, no Santos Dumont, havia só um ponto de ônibus para transportar as delegações.

Parte dos hotéis, por não terem recebido o pagamento prometido, cancelou as reservas. Entre as delegações que chegaram à noite ao Rio de Janeiro, há relatos de grupos que dormiram no aeroporto até que se arranjasse um hotel para eles. Uma equipe de Roraima chegou ao hotel e descobriu que os quartos reservados estavam ocupados por outras pessoas. A delegação dormiu no saguão até ser remanejada, já pela manhã. Ao acordar, tiveram que arrumar as malas e deixar a hospedagem, esperando mais de 2 horas por um ônibus.

Nas redes sociais da CBDE e do evento, diversos pais e professores reclamam do cuidado com os adolescentes. "A equipe de judô do Tocantins foi colocada em uma hotel sem qualquer condição de receber atletas. As acomodações não oferecem conforto mínimo e ficam muito aquém das oferecidas as outras modalidades. Hotel é sujo, ar condicionado não funciona e a região é muito perigosa", escreveu uma mãe.

"Os atletas de natação da delegação roraimense estão até agora sem credenciais. São menores de idade que estão desde as 6h da manhã esperando uma recepção", postou outra mãe, já na noite de ontem. Hoje o problema se repete: equipes que chegaram pela manhã foram levadas diretamente ao Parque Olímpico, sem saber onde vão ficar hospedadas, e se haverá hospedagem.

No Parque, os adolescentes são obrigadas a formar uma fila quilométrica por comida. "Meu filho passou ontem o dia na rua, pois não tinham hotel. Saiu de nossa cidade às 23h, passou a noite no aeroporto e chegando lá não conseguiram café da manhã. O almoço era limitado e passaram mais de 2 horas para pegar esse alimento", escreveu uma mãe na página dos JEB's no Instagram. Há filas enormes também para credenciamento, na Arena Carioca 1.

"É quase 13:30...diz que a fila faz várias voltas...que vai demorar pelo menos mais duas horas para terem acesso a comida", postou outra. "Centenas de crianças aguardando sem dormir essa última noite porque não tinha vaga e nem reserva em hotel. Foram acomodados às 5h da manhã num hotel e tiveram que sair as 11h sem saber se terão onde dormir próxima noite", contou mais uma mãe.

O governo, que promove o evento desde o evento passado e anunciou 29 embaixadores diferentes do evento, sempre com declarações exaltando o envolvimento do secretário Marcelo Magalhães na organização, agora diz que não participa da organização.

"A Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania reforça que a participação na parceria com a CBDE referente aos JEB's 2021 refere-se exclusivamente ao financiamento do evento, indispensável para a realização dos JEB's. Toda a organização e operacionalização dos Jogos é de responsabilidade da CBDE", culpa o governo. A reportagem não conseguiu contato com a CBDE. Antônio Hora Filho não respondeu mensagem enviada pelo Whatsapp. Tão logo a entidade responda, esta matéria será atualizada.

Desde 2005, cabia ao Comitê Olímpico do Brasil (COB), a pedido do governo federal, organizar a etapa final do campeonato nacional escolar. Até 2012 o evento chamou-se "Olimpíadas Escolares" e, de 2013 a 2019, foi chamado "Jogos Escolares da Juventude", envolvendo alunos do ensino fundamental II (de 12 a 15 anos) e do ensino médio (16 a 18), em duas categorias. Historicamente, o evento sempre foi muito elogiado.

A CBDE, porém, pleiteava ser ela a organizar a competição e conseguiu convencer o governo federal de que a volta do nome JEB's, utilizado durante a ditadura, seria positiva para a gestão Bolsonaro. Desde então, o Ministério da Cidadania tem batido na tecla de que a competição retorna depois de um hiato de 14 anos, sem citar que nesse tempo todo, com apoio da União, havia um evento idêntico, também com seletivas regionais organizadas por prefeituras e governos estaduais e com final em um mega-evento. Em 2019, a cidade escolhida foi Blumenau.