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Atletismo discute futuro e quer estreitar laços com corredores de rua

Sebastian Coe discursa em agosto de 2015 após ser eleito o novo presidente da Iaaf - Jason Lee/Reuters
Sebastian Coe discursa em agosto de 2015 após ser eleito o novo presidente da Iaaf Imagem: Jason Lee/Reuters

02/05/2021 04h00

Todos os dias, milhões de pessoas ao redor do mundo calçam tênis esportivo, saem à rua e correm. Faça chuva ou faça sol, lá estão elas praticando atletismo como atividade física, longe de cogitar um dia disputar uma das mais de 150 medalhas que a modalidade oferece em Jogos Olímpicos. Para organizar esse enorme ecossistema - que vai do asfalto à pista, passando por parques e gramados -, a World Athletics, entidade máxima do atletismo internacional, lançou recentemente o programa Global Coversation, uma pesquisa mundial que vai definir as estratégias da modalidade para a próxima década, até 2030.

Em entrevista exclusiva ao Olhar Olímpico, o presidente da entidade, o britânico Sebastian Coe, disse que a ideia é discutir o futuro do atletismo a partir de demandas globais. "A Global Conversation cria efetivamente o roteiro para o crescimento e desenvolvimento de um esporte nos próximos 10 anos. Nosso esporte é um ecossistema complicado, todos têm objetivos diferentes. Queremos conversar com os atletas, mas não apenas a elite. Queremos falar com os atletas recreativos, com os parceiros, com as empresas de mídia, as federações", explica.

Segundo Coe, que foi campeão olímpico em 1980 e 1984 nos 1.500 m, as respostas têm indicado que o atletismo deve ter um papel muito mais expressivo na próxima década. "Esse papel pode ir além da simples competição, e acho que esse sentimento está sendo expresso principalmente por causa do último ano e meio, quando a pandemia realmente atingiu fortemente nossas comunidades. Ela mostrou a importância de que as comunidades tenham acesso à atividade física, e o atletismo, a corrida, é o esporte com mais praticantes no mundo".

"Mais de um bilhão de pessoas se identificam como corredores recreativos. Temos uma enorme oportunidade de sentar com os governos em todos os níveis para ajudar em suas agendas próprias e incentivar a prática esportiva", continua o dirigente britânico.

Um dos desafios para isso é aproximar o ecossistema das corridas de rua, o que em inglês é tratado por "running", do sistema formal do atletismo. "Quando há empresas interessadas em investir no nosso esporte, devemos sempre encorajar. Mas temos que ter certeza que esses eventos são seguros e saudáveis. Acho que nossas federações podem ajudar os organizadores. Eu quero colaboração, não competição. Eu vou sempre encorajar federações e organizadores a conversar. É um problema solucionável se todos trabalharem juntos para melhorar o esporte", avalia.

Legado esportivo não foi forte no Rio, diz Coe

Presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Londres, Sebastian Coe é especialista em legado olímpico. A Olimpíada londrina foi considerada um sucesso neste aspecto. Seja porque o Reino Unido conseguiu continuar evoluindo em resultados esportivos — ganhou mais medalhas em 2016 do que em 2012 — ou porque as estruturas construídas para a Olimpíada em Londres passaram a fazer parte do cotidiano da cidade. O Estádio Olímpico, por exemplo, todo ano é sede de uma etapa da Diamond League, que celebra exatamente o histórico de Londres 2012. Em 2017, recebeu o Mundial de Atletismo.

Enquanto isso, no Rio, o Estádio Nilton Santos, que foi a casa do atletismo na Olimpíada de 2016, nunca mais recebeu uma competição da modalidade. E não existe nenhum plano para que receba. Questionado sobre o assunto, Coe disse crer que o Rio não pensou nisso antes da Olimpíada.

"Considero que precisa ficar claro qual é o legado que uma cidade está procurando. Os Jogos transformaram Atenas em uma cidade mais moderna. Novo aeroporto, novo sistema de metrô, mas o legado esportivo não foi tão forte. Em Londres, conseguimos o balanço certo. Eu penso que as cidades precisam pensar claramente, definir o que é o legado. Houve mudanças na cidade do Rio, em transporte, infraestrutura, que é um legado forte, mas o esportivo não foi realmente o que a cidade priorizou. Não acho que cabe à federação internacional dizer à cidade como é o legado. Apenas a cidade pode fazer isso. Se você me perguntar se eu quero um legado esportivo, lógico que eu quero, mas legado esportivo não acontece simplesmente. Esse legado precisa ser incluído no plano de trabalho desde o início, precisa ficar muito claro", argumenta.

No caso do Rio, esse plano de trabalho foi montado há mais de uma década e, pelo que se observa hoje, falhou em pensar em um uso mais efetivo das estruturas construídas ou reformadas para a Olimpíada. Mas não caberia aos atuais dirigentes pegar os limões e fazer uma limonada?

"Precisa haver uma ambição na cidade para construir o legado dos Jogos, encorajando mais eventos. Ter competições de atletismo seria fantástico, ter um Mundial na América do Sul em algum momento... Identificar essas instalações é um papel de governo e federações locais. Nós temos uma abordagem muito mais interativa. Sentamos junto às federações para discutir potenciais de criar eventos dentro da cidade. É isso que nós fazemos", disse Coe, sem responder se tem planos concretos para utilizar o legado olímpico do Rio.