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Olhar Olímpico

Esgrima vai usar doação do COB para pagar dívida por fraude de 2012

22/06/2020 04h00

Quando anunciou que doaria R$ 200 mil para cada confederação às vésperas do período eleitoral, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) justificou que o socorro estava ligado às emergências provocadas pela crise do novo coronavírus. Mas a Confederação de Esgrima (CBE) optou, com o aval do COB, pela utilizar o recurso para devolver ao governo federal verbas desviadas em um convênio firmado em 2012. Atletas estão promovendo um abaixo assinado contra a decisão.

Na instrução normativa que regula o programa, o COB limitou a liberação de verba apenas à "apresentação de necessidade premente e devidamente comprovada". A diretoria da CBE argumentou que sua necessidade mais urgente, neste momento, é pagar uma dívida de R$ 178 mil com o antigo Ministério do Esporte antes mesmo de contestá-la. A postura chama atenção porque outras entidades com dívidas semelhantes, como a de Tiro Esportivo (CBTE), optaram pela contestação.

"Já imaginávamos que o débito surgiria, apenas não sabíamos quando", admite o presidente Ricardo Machado. Segundo ele, havia uma poupança para isso, que teria sido consumida pela crise do coronavírus. "Já era decisão da CBE, com ciência e aprovação dos membros da Assembleia Geral e do conselho de Administração, de fazermos uma poupança para enfrentarmos esse futuro débito. Mas tal poupança, que teve seu início no final do ano passado, já foi consumida em face ao momento de crise a que estamos todos submetidos", explicou ao Olhar Olímpico.

A informação contradiz o ofício do próprio presidente da CBE no qual avisou que usaria a doação para pagar a dívida. "O orçamento da CBE para 2020 está integralmente preservado até este momento, apesar da pandemia", escreveu ele no documento. De acordo com membros do Conselho de Administração, a decisão de formar um fundo de reserva de fato foi tomada no final de 2018, mas nunca houve autorização para consumir o montante poupado.

Na tentativa de rever a decisão, os atletas criaram um abaixo-assinado virtual. "A Comissão de Atletas entende que o valor extraordinário repassado deveria ser repassado aos responsáveis pelo desenvolvimento da esgrima brasileira. Os clubes, academias, entidades vinculadas à CBE que sofreram com a crise econômica gerada pela pandemia do Covid-19. Sabemos também, que existem várias salas de esgrima que não têm o apoio de um grande clube e sofreram ainda mais com o fechamento obrigatório das portas", diz o documento, que já tem mais de 500 assinaturas.

Dívida surgiu em escândalo e pode virar dor de cabeça

A dívida decorre de uma fraude amplamente noticiada na véspera da Olimpíada do Rio. Durante a gestão do PCdoB no Ministério do Esporte, a empresa SB Marketing & Promoções LTDA administrou diversos convênios entre a pasta e entidades esportivas. A SB "montava" editais de licitação e apresentava propostas falsas em nome de outras duas empresas para ficar com porcentagem do valor repassado. A empresa e seu sócio-administrador foram condenados pela Justiça Federal do Rio.

Nesse processo, o ex-presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD) Carlos Fernandes se tornou o primeiro cartola olímpico brasileiro condenado à prisão por fatos decorrentes de sua gestão. Na sentença, o juiz diz que o mesmo modus operanti funcionou em outros 14 convênios. Mas, entre os dirigentes, só Fernandes foi denunciado, após pressão de interessados na queda dele. A lista dos outros convênios fraudados é conhecida, mas os cartolas não foram denunciados até aqui.

As punições se restringiram ao âmbito da agora Secretaria Especial do Esporte que, ao analisar a prestação de contas daquele convênio de 2012 da CBE rejeitou as notas referentes ao que foi pago à SB, glosando R$ 115 mil, valor que chega a R$ 178 mil com juros e correção. A decisão foi comunicada à confederação no mês passado e a entidade decidiu não recorrer.

O débito colocaria a CBE no CEPIM, cadastro de entidades impedidas de receberem recursos públicos. Graças a uma liminar concedida pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no ano passado, o cadastro no CEPIM não impede recebimento de recursos da Lei Piva (loterias), mas o mérito ainda voltará a ser julgado. Se a proibição voltar a valer sem que a CBE tenha pago a dívida de R$ 178 mil, ela perderia sua principal fonte de receita.

Dez confederações têm débitos com governo

Não é só a CBE que tem débitos decorrentes de irregularidades em convênios. Outras nove confederações olímpicas têm dívidas com o governo federal. Três delas por glosas relativas ao escândalo da SB Marketing: Tiro com Arco (CBTArco), Tiro Esportivo (CBTE) e Taewondo (CBTKD). Ao menos duas delas não pretendem usar a doação para pagar dívidas federais. A CBTE vai investir em equipamentos e a CBTKD vai honrar despesas de duas ações judiciais herdadas da gestão anterior. A CBTArco não respondeu.
Desportos Aquáticos, Basquete e Handebol, três das confederações com mais dificuldades financeiras do país, têm débitos muito superiores a R$ 200 mil. Já a da Confedração Brasileira de Triatlo (CBTri) segue no CEPIM, mas por pouco tempo. No início do mês, o TCU acatou recurso da confederação anulando uma dívida de R$ 180 mil com o Ministério do Turismo, que vinha desde 2006. Agora, falta o ministério alterar o status do convênio.
Por fim, duas confederações aderiram ao programa de refinanciamento proposto pelo antigo Ministério do Esporte. A de Wrestling está pagando R$ 123 mil em 24 parcelas, desde julho de 2019, e a de Canoagem parcelou R$ 260 mil em 52 parcelas em maio do ano passado. No começo da semana passada, o governo federal baixou portaria adiando o pagamento das parcelas que venceram durante a pandemia. Procurada, a CBCa não respondeu se vai quitar a dívida. A CBW disse que pretende pagar treinadores por mais tempo.

COB não diz para onde vai o dinheiro

Questionado no início do mês sobre as razões para doar R$ 200 mil por confederação, o COB disse ao blog que: "O objetivo é possibilitar que as entidades arquem com seus compromissos emergenciais no combate à pandemia e estejam em dia com tributos e fornecedores". Internamente, a diretoria do COB alega que o pedido por dinheiro surgiu de confederações que estavam sem dinheiro para pagar salários e que estendeu o benefício a todas para não haver tratamento diferenciado.

Diante da polêmica da esgrima, o Olhar Olímpico questionou o COB se outras confederações também haviam recebido aprovação para utilizar o dinheiro doado para pagar dívida com o governo federal, mas não obteve resposta. Na sequência, perguntou se o comitê pretende dar publicidade ao destino dos R$ 7 milhões doados às confederações. A resposta foi a seguinte:

"A transparência é um dos três pilares de gestão do COB, que mantém diálogo permanente com todas as esferas da sociedade e tem todas suas informações publicadas de maneira oficial em seu site, respeitando o que rege seu estatuto e a legislação. Além disso, os balanços financeiros COB são auditados de forma independente e divulgados anualmente."

A verba vem de receita própria do COB, que atualmente não tem nenhum grande contrato de patrocínio que pague em dinheiro (os acordos são quase todos por permuta). Mas o comitê recebe cerca de R$ 10 milhões por ano do Comitê Olímpico Internacional (COI), na divisão das cotas dos patrocinadores da entidade internacional. A legislação brasileira não exige transparência sobre a destinação desses recursos, que são privados.