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Olhar Olímpico

Confederações driblam lei e tentam reeleger dirigentes há décadas no poder

13/02/2020 04h00

Quando a Lei Pelé foi alterada, em 2013, para instituir um limite à reeleição de dirigentes esportivos, esperava-se que 2020 seria o ano que, enfim, cartolas há décadas no poder seriam forçados a deixar a presidência de suas confederações. Mas boa parte dos últimos sobreviventes já manobram para, no fim do ano, se reelegerem para mais um mandato, permanecendo no poder até 2024. O governo federal, porém, diz que quem fizer isso será proibido de receber recursos públicos.

A possibilidade desses dirigentes perpétuos se candidatarem mais uma vez na leva de eleições do final deste ano começou a ser ventilada no fim do ano passado e vem ganhando adeptos no mundo olímpico. "A Medida Provisória que regulamenta esta questão é datada de setembro de 2013. Como a primeira eleição após a aprovação da MP aconteceu em 2016, ele teria direito a uma reeleição. Não havia dispositivo estatutário contraditório neste sentido à época", explicou a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa, comandada por Alaor Azevedo ininterruptamente desde 1995.

A Lei Pelé foi alterada em 2013, inicialmente por uma MP, depois por lei aprovada no Congresso e sancionada pela presidente Dilma (PT), numa tentativa de melhorar a gestão do esporte brasileiro. Ali foi instituído que uma das condicionantes para o repasse de recursos públicos a entidades esportivas é que "seu presidente ou dirigente máximo tenham o mandato de até quatro anos, permitida uma única recondução".

Quando a Atletas pelo Brasil (então Atletas pela Cidadania) liderou movimento para implementar essas medidas, a ideia era que os dirigentes já no poder pudessem ser reeleitos mais uma vez a partir dali, em 2016 ou 2017, e depois fossem obrigados a sair. Esse entendimento parecia consenso no esporte, até que passou a circular uma tese diferente, que considera que os mandatos "zeraram" em 2014. Assim, mesmo quem já estava no poder e foi reeleito em 2016 ou 2017 está hoje no primeiro mandato dentro da nova lei. E que, por isso, a eleição de 2020 viria a ser primeira reeleição de cada um deles. A própria Atletas pelo Brasil avalia que, do ponto de vista legal (não moral), mais uma reeleição seria permitida.

Três desses dirigentes confirmaram ao Olhar Olímpico que consideram possível se candidatar mais uma vez: Alaor Azevedo, do tênis de mesa, Mauro Silva, que comanda a confederação de boxe desde 2009, e Enrique Montero Dias, à frente do levantamento de peso desde 2013. "Segundo consultas jurídicas, os pareceres foram unânimes unânime que não há óbice", disse Montero ao blog, avisando ser ainda cedo para pensar em candidatura. Ele não se recorda quais advogados produziram tais pareceres.

Dirigente olímpico há mais tempo no poder, João Tomasini, presidente da confederação de canoagem desde 1989, tem agido como candidato a mais uma reeleição. À reportagem, porém, a entidade ficou em cima do muro e disse que "não tem um posicionamento jurídico a respeito do assunto". Ele não respondeu se pretende ser candidato.

Outras confederações com dirigentes no segundo mandato ou além também não quiserem comentar a situação. A confederação de ginástica, de Luciene Resende (no cargo desde 2009), disse que "está focada primordialmente na preparação dos nossos atletas para os Jogos Olímpicos e no desenvolvimento da ginástica" - nos bastidores circula a possibilidade de ela renunciar após a Olimpíada, não completar o mandato, e indicar o filho Cacá como candidato no ano que vem. A de pentatlo moderno, de Helio Cardoso (desde 2002, ano de criação da entidade), diz que não tem um posicionamento jurídico a respeito. As confederações de vela e ciclismo não responderam aos contatos.

Apenas duas confederações, dentre as procuradas, afirmaram que seus presidentes não podem concorrer à reeleição. Foram os casos da de wrestling, comandada por Pedro Gama Filho desde 2008, e a de remo, presidida por Edson Altino Pereira Junior em segundo mandato. "De acordo com o estatuto da CBW, o candidato pode recorrer a apenas uma reeleição consecutiva. Como Pedro Gama foi reeleito em 2016 não poderia concorrer uma segunda reeleição", informou a CBW, explicando que "o momento é de oxigenar as ideias na modalidade". A CBR também alegou que seu estatuto não permite. Ambos estatutos foram alterados apenas em 2016.

A tentativa de reeleger dirigentes que chegaram ao poder antes de 2014 e que já foram reeleitos em 2016, porém, tem um forte opositor: a Secretaria Especial do Esporte. O órgão que concede certificado a quem cumpre os exigências da Lei Pelé diz com todas as letras que vai retirar o documento de quem reeleger dirigente para além do segundo mandato. E, sem certificado, não há recursos públicos.

"A Lei 12.868/2013 entrou em vigor em abril de 2014. Portanto, as determinações da legislação se aplicam ao mandato do presidente ou dirigente máximo das entidades a partir dessa data. O dirigente no cargo já no seu segundo mandato não poderá concorrer a mais uma reeleição em 2020. As entidades que descumprirem a lei não receberão ou não terão renovada a certificação pelo cumprimento das exigências formais previstas nos artigos 18 e 18-A da Lei nº 9.615/1998, emitida pela Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania. Vale destacar que as certificações em vigência podem ser canceladas caso haja descumprimento da legislação", disse a secretaria à reportagem.

Quando ainda era um ministério, a secretaria regulamentou, em 2018, via portaria, o procedimento para verificação de cumprimento dos artigos 18 e 18-A da Lei Pelé. Nessa portaria, por exemplo, ficou determinado o número mínimo de atletas numa assembleia eletiva. Por conta das condições impostas por essa portaria, o Comitê Paraolímpico do Brasil também avalia que novas reeleições são irregulares.

"O CPB entende que a portaria 115 de 2018, baseada na lei Pelé, inclusive as alterações de 2013, criou um mecanismo que limitará o acesso a verba pública de entidades em que não haja alternância de cargo de presidente ou dirigente máximo após dois mandatos consecutivos", comentou a entidade paraolímpica, reforçando que já adotava esta prática desde antes da exigência normativa e que nenhum presidente do comitê exerceu mais de dois mandatos.

Já o COB lavou as mãos: "Não cabe ao COB controlar o cumprimento dessa exigência legal". Em 2016, quando reelegeu Nuzman, o comitê considerava que este seria, obrigatoriamente, seu último mandato, porque ele não poderia se reeleger em 2020. Tanto que Paulo Wanderley, que precisou assumir em 2017 após Nuzman renunciar, já era tido como favorito para substituí-lo em 2020.