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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De cavalinhos adestrados ao skate das ruas: Olimpíada encontra a vida real

O brasileiro Kelvin Hoefler faz sua manobra no skate nas Olimpíadas de Tóquio - JEFF PACHOUD/AFP
O brasileiro Kelvin Hoefler faz sua manobra no skate nas Olimpíadas de Tóquio Imagem: JEFF PACHOUD/AFP

25/07/2021 11h00

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O domingo olímpico (ainda sábado à noite no Brasil) começou em Tóquio com surfe e skate. Foi uma sensação de "esportes radicais na ESPN" ou "X-Games", aquelas coisas que, sejamos honestos, sempre foram tratadas de forma secundária nos meios de comunicação. Como algo bem de nicho, carregado de estereótipos.

Só que foi numa dessas, no skate de rua, que saiu a primeira medalha brasileira na Olimpíada: a prata para Kelvin Hoefler. Quem sabe agora prefeitos Brasil afora possam construir áreas para skatistas sem que parte da população olhe para isso com desprezo.

Basta andar pelas ruas de qualquer cidade grande ou média do mundo que veremos um jovem ou uma jovem com skate nas mãos ou sob os pés. No metrô, no ônibus, nos parques, nas ciclovias, que cada vez mais proliferam. É fácil esbarrar com um half pipe, uma área qualquer, em regra grafitada, em uma praça. O skate é uma realidade mundial.

Foi muito bom ver a competição da galera de 20 e poucos anos, corpos tatuados, bonés de aba reta, tênis que vemos nas ruas todos os dias, em uma Olimpíada. Trouxe uma sensação de "opa, a Olimpíada encontra a vida".

Quando o americano Jagger Eaton, na primeira bateria preliminar do street skate, começou a atuação dele com fones de ouvido, escutando sei lá qual música, o impacto foi grande. Competir com fones? Mas que descaso é esse? Só que quem não vai ao trabalho, colégio ou mesmo trabalha e estuda com fones de ouvido e celular no bolso? Vários fizeram o mesmo nas preliminares seguintes.

Logo veio o brasileiro Kelvin, com as calças largas caindo, deixando a cueca aparecer. Outros tinham o mesmo estilo. Quem nunca? Veio o cabelo verde de Manny Santiago, de Porto Rico, a empolgação do sul-africano Brandon Valjalo, a dramaticidade do peruano Angelo Narvaez.

O melhor? Os aplausos de um para o outro. Os cumprimentos, a irmandade. O brasileiro Giovanni Vianna aplaudiu uma grande manobra do português Gustavo Ribeiro, que era um rival direto por vaga na final. O peruano Narvaez, na final, vibrou pela manobra de Kelvin como se a medalha fosse para ele. Outros fizeram o mesmo. As câmeras flagraram papos entre eles, opiniões, sorrisos. A vida real de um grupo de jovens skatistas descontraídos, que, por acaso, estão também competindo.

O esporte sempre foi parte importante da humanidade - somos competitivos por natureza. E os Jogos, logicamente, são uma boa fotografia desta evolução. Mas convenhamos. Muitas modalidades que são parte do cotidiano, pelo menos no mundo ocidental, foram sendo ignoradas ao longo de décadas. Enquanto outras se arrastam desde os tempos em que, de fato, simbolizavam alguma coisa.

Por exemplo: concurso de equitação me parece uma piada hoje em dia. Cavalos adestrados mexendo as patinhas e trotando com bumbum empinado? Que diabos isso tem a ver com a vida real. Cavalos que valem milhões, que não têm a mesma nacionalidade de quem os monta, tratados de uma maneira que poucos seres humanos do planeta são.

Não gosto de meter o pau em nenhuma modalidade, acho que há espaço para tudo. O hipismo é um esporte, o cavalo é um animal que faz parte da história da humanidade. Correndo, saltando, superando obstáculos, não necessariamente levantando a patinha. O CCE é um negócio muito distante da vida normal. É a realidade para poucos, bem poucos. Mas repito, não vou ficar aqui metendo o pau, a intenção desta coluna não é incomodar a comunidade dos esportes equestres.

E, sim, valorizar o fato de o movimento olímpico ter aberto os olhos para o que vemos na vida real. Eu gosto de ver modalidades na Olimpíada que são representativas da juventude, de pessoas não necessariamente privilegiadas, de gente que faz o mundo ter a cara que tem.

Vida longa ao skate olímpico!