Topo

Allan Simon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Documentário mostra um Galvão que peitou Globo e voltou para ser estrela

Galvão Bueno ganhou documentário no Globoplay, que estreou nesta quinta-feira (18) com dois episódios.  - Reprodução/Globo
Galvão Bueno ganhou documentário no Globoplay, que estreou nesta quinta-feira (18) com dois episódios. Imagem: Reprodução/Globo

Colunista do UOL

18/05/2023 12h29

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O documentário "Galvão: Olha o Que Ele Fez", que estreia hoje no Globoplay com o lançamento dos dois primeiros episódios de um total de cinco partes, mostra uma face diferente de Galvão Bueno em relação ao que o público viu nas últimas quatro décadas na tela da TV Globo. A produção tem direção de Sidney Garambone e Gustavo Gomes.

O narrador é retratado como alguém que erra, que deixou mágoas em personalidades esportivas, como o jogador Alemão, criticado na eliminação da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1990, como um pai ausente em meio a inúmeras viagens de trabalho, mas também como alguém que peitou a própria Globo e a partir disso se transformou em uma estrela.

No segundo episódio, a série mostra como Galvão Bueno cresceu na Globo desde sua chegada, no fim de 1981, vindo da Bandeirantes. No início, Galvão dividia os principais eventos esportivos com Luciano do Valle, então titular da maior emissora do país. Esse rodízio fez com que Luciano narrasse o título do Flamengo na Libertadores daquele ano, enquanto Galvão viajou ao Japão para cobrir a conquista do Mundial Interclubes contra o Liverpool.

Visto pelo chefão global Boni como um jovem de talento e até meio "folgado", Galvão chamou atenção pela forma como comunicava, teve seu trabalho elogiado logo no primeiro ano, como quando produziu uma edição do Globo Repórter antes da Copa do Mundo de 1982, e ficou ainda maior quando Luciano do Valle deixou a emissora depois do Mundial.

A série não entrou muito na questão do motivo que levou Luciano a sair da Globo, mas o narrador foi em busca de projetos também como promotor de eventos esportivos, primeiro na Record, depois na Band, que consagrou como "o canal do esporte".

Mas Galvão, que se referiu ao ex-colega como um amigo com quem jantou diversas vezes durante os eventos esportivos que cobriram por suas respectivas emissoras, menciona que Luciano do Valle "foi muito importante na minha vida, como eu sei que fui muito importante na dele também", e que "um fazia muito bem para o outro na concorrência". E que "isso ficou mais forte até depois que ele saiu da Globo, com o sucesso todo que ele teve".

Galvão lembrou que virou o "narrador titular", termo que a produção usou Cleber Machado, que por mais de 30 anos foi locutor esportivo na Globo, para explicar. "É um reconhecimento. O 'titular' é o seguinte: eu posso estar narrando pra caramba. Brilhantemente. Melhor que ele. A final é dele, porque ele é o titular de esportes", disse Cleber, que deixou a emissora em março deste ano.

A questão que muda tudo é que Galvão Bueno sofreu um baque poucos anos depois. "Eu tive um momento de desagrado marcante nesses anos todos de Globo", contou o narrador, ao introduzir o tema "Copa do Mundo de 1986". Na época, a Globo preferiu contratar Osmar Santos, icone do rádio, para ser o titular das transmissões. Boni, entrevistado pela produção, disse que aquela foi uma decisão publicitária.

"Quando aconteceu a saída do Luciano, nós tivemos que buscar alguém também que tivesse contato com o mercado publicitário. Foi o Osmar Santos. Porque o cara (anunciante) ia comprar uma cota de Copa do Mundo, que custa um valor imenso. A primeira coisa que o cliente pergunta é quem é o narrador titular, qual é a equipe, quem é o comentarista. Essa jogada de trazer pessoas, foram jogadas publicitárias", disse Boni.

Galvão afirma na sequência que pensou em sair da Globo naquela época. "Eu quase fui embora. Mas fiz a Copa de 1986". Cleber Machado, que na época ainda trabalhava na TV Gazeta, lembrou daquele Mundial. "Narrou pra cacete a Copa do Mundo de 1986 o Galvão. Pra cacete. Os outros jogos, acho eu como um telespectador, já (na época) um profissional de televisão, acho que foi a melhor Copa que ele narrou", disse Cleber.

Na série, Galvão fez questão de elogiar o trabalho de Osmar Santos naquela Copa. "Fez a parte dele, sempre fez tudo muito bem feito". Depois do Mundial disputado no México, a Globo deu a titularidade de vez a Galvão Bueno. "Da Copa de 1990 para cá, só eu fiz seleção brasileira", lembrou o narrador.

Após a frustração com a eliminação do Brasil ainda nas oitavas de final da Copa do Mundo de 1990, Galvão Bueno vive o capítulo que muda o rumo de sua história e o marca de vez como alguém que "peitou" a Globo. Em 1992, o narrador deixou a emissora e assumiu um projeto de esportes na Rede OM, um canal com sede no Paraná que pretendia ser uma grande rede nacional.

"Meu irmão Carlos Augusto de Oliveira, o Guga, resolveu propor ao Galvão um negócio no qual ele seria o diretor do departamento de esportes, e ligado a uma remuneração publicitária muito grande que permitiria ao Galvão ganhar um salário e ter proventos muito maiores do que aqueles que ele tinha na TV Globo", contou Boni.

A produção mostra trechos de uma entrevista de Galvão Bueno em abril de 1992 ao programa "Jô Soares Onze e Meia", no SBT, quando ele contava por que tinha deixado a emissora. "Na verdade, tudo na vida tem dia para acabar. Então, depois de 11 anos de Globo, foi tudo ótimo, excepcional. Se hoje eu sou uma pessoa conhecida nacionalmente, se meu trabalho é reconhecido, eu devo isso à Globo", disse na época o narrador, que contou que a separação foi normal e comparou a um divórcio não litigioso.

O jornalista Mario Jorge Guimarães, histórico nome dos bastidores do esporte da Globo que também fez parte do time da Rede OM, resumiu o episódio que tornou Galvão "o cara que desafiou a Globo, o cara que saiu da Globo e foi para uma emissora pequena, sem grandes perspectivas".

E que "ele botou o Ibope lá em cima, ele ganhou da Globo", lembrando quando a Rede OM, sob direção de Galvão Bueno, conseguiu a exclusividade da Libertadores de 1992, que teve o primeiro título do São Paulo na história da competição.

A série não detalha, mas arquivos do Ibope consultados pela coluna mostram que às 23h30 do dia 17 de junho de 1992, quando o São Paulo decidia o título nos pênaltis contra o Newell's Old Boys, a Rede OM, que era sintonizada em São Paulo por meio da TV Gazeta, marcava 34 pontos de audiência, contra 18 da Globo, que exibia uma minissérie no horário.

Mario Jorge Guimarães contou que Boni ligou para Galvão Bueno logo após o jogo, e que Galvão disse na época que tinha sido para parabenizá-lo pela audiência. A produção emenda com uma fala do ex-chefão global que certamente se refere a outra ligação feita pouco depois, quando o projeto da Rede OM já tinha afundado.

"Eu liguei para o Galvão e falei, 'ô, Galvão, vem para cá'. Aqui é teu lugar, você não pode ficar aí. Você continua sendo o Galvão aí, mas ninguém mais está te ouvindo, ninguém mais está te vendo. O processo fracassou. Aquilo não aconteceu nada, aquilo era um sonho infantil, não tinha base. Eles não cumpriram as coisas que prometeram para o Galvão. E ele veio, e a conversa durou mais ou menos uma meia hora. E em meia hora nós tínhamos resolvido que ele voltaria, em que condições ele voltaria, com que salário ele voltaria. E nós nos cumprimentamos, nos abraçamos, e foi como se ele nunca tivesse saído", contou Boni.

Entre a final da Libertadores com sucesso de audiência, em junho de 1992, e o retorno de Galvão à Globo, em março de 1993, se passaram quase nove meses. Nesse período ocorre outro ponto importante contado por Mário Jorge: as Olimpíadas de Barcelona-1992, sem Galvão Bueno na Globo. "A Globo, quando vende aquilo, tem que vender muito bem, se compromete a dar tantos índices. E a audiência não foi talvez a esperada", disse.

Esse retorno triunfal é mostrado na série como o ponto que muda de vez o status de Galvão Bueno e da própria função de narrador na televisão brasileira. "E o Galvão voltou com um status de estrela muito grande. Dali em diante era outro Galvão", afirmou Mário Jorge. "Quando ele volta, aí eu acho que ele volta para atingir o 'nível Galvão Bueno' que se conhece hoje", definiu Cleber Machado.

"Ele está muito mais fortalecido, ele tem muito mais condição de pedir. Ele tem muito mais condição de se destacar, e é quando eu acho que a narração esportiva vira o que virou", completou Cleber.

"O Galvão foi o cara que conseguiu mostrar para as pessoas a dificuldade dessa atividade. E fazendo com que as pessoas, não só o telespectador, o ouvinte, o leitor, mas quem administra, os gestores... de como aquilo é difícil de fazer. Que aquilo precisa ser reconhecido, ser bem remunerado. Então o Galvão valorizou essa atividade", analisou Luis Roberto, hoje o principal narrador da Globo.

É uma pena que a série não tenha mostrado mais sobre a "aventura" de Galvão Bueno na Rede OM. Alguns pontos importantes acabaram não sendo citados, pelo menos nesses primeiros episódios, como quando o narrador recusou compartilhar os direitos de transmissão da final da Libertadores com a Globo para valorizar o trabalho da pequena emissora que comandava na área esportiva, a história da transmissão da Copa do Brasil em negociação com a agência Pelé Sports & Marketing, o que praticamente bancou a realização do torneio em 1992, a inspiração no sucesso de Luciano do Valle como chefe do esporte da Bandeirantes e que acabou não trazendo o mesmo resultado, e como se deu o fim do projeto na emissora paranaense, que mais tarde mudou de nome para CNT.

Mas a narrativa sobre a virada de Galvão Bueno no mundo da mídia esportiva está correta. Principalmente a partir do tetracampeonato da seleção brasileira, na Copa do Mundo de 1994, o narrador virou uma estrela. E mudou de vez o patamar da função no imaginário popular.

O documentário "Galvão: Olha o Que Ele Fez" está disponível no Globoplay a partir desta quinta-feira (18) com seus dois primeiros episódios e vai liberar os próximos três semanalmente.