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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Detenção de Daniel Alves traz lições sobre assédio sexual contra mulheres

Daniel Alves em ação pelo Brasil diante da Coreia do Sul - Ercin Erturk/Anadolu Agency via Getty Images
Daniel Alves em ação pelo Brasil diante da Coreia do Sul Imagem: Ercin Erturk/Anadolu Agency via Getty Images

20/01/2023 10h53Atualizada em 20/01/2023 18h32

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Mais um jogador de futebol acusado de agressão sexual. Mais um brasileiro.

Daniel Alves foi detido hoje, depois de se apresentar à polícia para prestar depoimento. A Promotoria da Catalunha pediu sua prisão preventiva, sem direito à fiança, que foi concedida após o atleta prestar depoimento. Alves está preso.

O jornal El Periódico de Catalunya afirma ter tido acesso ao depoimento da vítima. Ela contou à polícia que foi estuprada, agredida, jogada no chão, penetrada à força. Exames em um hospital indicaram lesões características de estupro.

Na madrugada de 30 de dezembro, ele segue uma mulher até o banheiro. Quarenta e sete segundos se passam e ela sai do banheiro, ainda seguida pelo jogador. Ele vai embora e ela começa a chorar descontroladamente. Tudo isso filmado pelas câmeras de segurança. As amigas a consolam e acionam funcionários do local. A própria boate, então, aciona o "protocolo de proteção a vítimas de assédio".

Sabem o que eu pensei ao ler o relato do caso? Em quantas vezes eu e as minhas amigas já passamos por situações semelhantes. Perseguidas na porta do banheiro, puxadas pelo braço ou pelo cabelo (!) em baladas, desviando de gravatas para evitar um beijo não desejado. E todo mundo achava "normal". A gente não achava, se sentia agredida e violada, mas seguia como se fosse "normal", pois era assim que o mundo ao nosso redor tratava esse tipo de comportamento.

Os homens caçadores. As mulheres presas. Nada mais que a ordem natural da vida.

Só que não é. Um homem, seja o melhor jogador de futebol do mundo, seja um desconhecido, não tem o direito de invadir o espaço de uma mulher.

E não me venham com "ah, mas ela queria", "todo cara rico é vítima de interesseiras" ou, o pior, "mas agora qualquer coisa é assédio". Estou sem saco por motivos de cansada. Por motivos de conviver com diversas formas de assédio há quase 30 anos. Me economizem.

Se um cara segue uma mulher para dentro do banheiro (!) e ela sai de lá aos prantos, algo não está certo. Claro, Daniel Alves é inocente até que se prove o contrário. Assim como a mulher que o acusa.

Ele pode até não ter conseguido o que queria, pode até não tê-la violado fisicamente, talvez ela tenha escapado a tempo, talvez ele mal tenha encostado nela. Não importa.

Não precisa haver estupro para se configurar assédio e agressão sexual. Esse é o pior cenário, mas existem vários antes dele. Que também traumatizam, que também nos levam a conviver com um medo eterno em algum lugar do nosso cérebro, que nos diminuem por tornar o nosso desejo secundário ao desejo do homem.

Um amigo me escreveu esta manhã, comentando os diversos casos envolvendo jogadores famosos: "Eles vivem em outra galáxia e sob o que eles acreditam serem outras regras, suas próprias regras."

Essa galáxia vai deixar de existir. Graças a leis e pessoas comprometidas em proteger as vítimas de quem se acha acima dessas leis.

Homens que ainda não entenderam, entendam de uma vez por todas: não é não, não somos presas, não somos frágeis, nem sempre queremos vocês e não estamos aqui para servi-los.