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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Clube que hoje é de John Textor deixou sem salários uma jogadora grávida

Sara Bjork Gunnarsdottir quando jogava pelo Lyon, da França - Reprodução/Instagram
Sara Bjork Gunnarsdottir quando jogava pelo Lyon, da França Imagem: Reprodução/Instagram

19/01/2023 18h19

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Vagando sem rumo pelo Instagram ontem, deparei-me com uma história que não deveria mais me chocar, só que chocou.

Uma história que segue se repetindo, não importa o tanto que a gente tente se convencer de que avançamos a passos largos.

Uma história tão antiga quanto o mundo moderno: a história em que a mulher se ferra.

A hoje atleta da Juventus e da seleção islandesa, Sara Bjôrk Gunnarsdóttir, relatou no Player's Tribune sua saga ao engravidar enquanto atuava pelo Lyon. Lyon, dono de oito Champions League femininas, um dos maiores clubes entre as mulheres, clube de John Textor, também dono do Botafogo.

O americano fechou o acordo de compra do clube em dezembro do ano passado, então não tomou parte das decisões do caso relatado aqui. Mas está, hoje, em posição de corrigir essa mancha do passado.

Em resumo, o Lyon fingiu apoiar a decisão de Sara de ter um filho (como se pudesse fazer o oposto!), mas no momento em que ela voltou à Islândia para cuidar da gestação, deixou de pagar seu salário.

"Aquele deveria ter sido o momento mais feliz da minha vida. Tudo que eu queria era curtir minha gravidez e dar muito duro para voltar e ajudar o time, e o clube. Em vez disso, me senti confusa, estressada e traída."

Estressar e deixar sem pagamento uma mulher grávida é aviltante. Ponto.

Durante meses, Sara não teve um contato com o clube. Ninguém ligou para saber como ela estava. E, repito, não pagaram seu salário, supostamente ancorados na legislação francesa. Ao regressar, depois do nascimento do filho Ragnar, como tantas mulheres fazemos, com receio de perder o posto alcançado com tanto esforço, a jogadora decidiu apenas mostrar trabalho e reconquistar seu lugar na equipe.

Enquanto isso, a FIFPRO, organização que defende os direitos dos futebolistas profissionais e vinha lutando há anos para instituir proteções e licença-maternidade às mulheres, lutava para que ela recebesse os soldos devidos.

Ao saber que ela planejava ir à entidade máxima com seu caso, o diretor do clube avisou seu empresário: "Se Sara levar isso à Fifa, ela não terá futuro no Lyon."

Ela foi e ganhou. Quero terminar com o relato de Sara, porém não sem antes dizer o quanto estamos cansadas.

Cansadas de homens ricos que se promovem às custas do nosso trabalho e, na primeira oportunidade, esquivam-se das menores responsabilidades. De sermos tratadas como pessoas menores, quando decidimos fazer aquilo que de maior um ser humano pode fazer: gerar uma vida.

Paguem salários. Deem apoio. Cumpram suas responsabilidades. Sejam gente. É o mínimo.

"Recebemos a decisão do processo FIFPRO em maio.

O clube foi condenado a me pagar os salários em atraso - todo o valor que solicitei e exatamente o que me era devido.

O Lyon solicitou os fundamentos da decisão, o que normalmente se faz quando se pretende apelar. E, assim que obtivemos isso, ficou claro como a FIFA analisou o caso e chegou às suas conclusões.

Eles falaram sobre o "dever de cuidado" do clube, que não houve contato comigo durante a gravidez. Ninguém estava realmente atento, acompanhando, vendo como eu estava mental e fisicamente, tanto como funcionária, mas também como ser humano. Basicamente, eles tinham a responsabilidade de cuidar de mim e não o fizeram. Depois de receber a decisão, o Lyon decidiu não apelar.

Tive direito ao meu salário integral durante a gravidez e até o início da minha licença maternidade, de acordo com os regulamentos obrigatórios da FIFA. Isso faz parte dos meus direitos e não pode ser contestado - mesmo por um clube tão grande quanto o Lyon.

É por isso que estou escrevendo isso. A vitória parecia maior do que eu. Parecia uma garantia de segurança financeira para todos as jogadoras que desejam ter um filho durante a carreira. Que não é um "talvez" ou uma incógnita.

Ragnar tem quase um ano e estamos muito bem como como família. Estou na Juventus agora e estou muito feliz.

Mas quero ter certeza de que ninguém precisará passar pelo que passei novamente. E quero que Lyon saiba que isso não está certo.

Isso não é "apenas um negócio".

Tratam-se dos meus direitos como trabalhadora, como mulher e como ser humano.

Estou muito esperançosa com o jogo feminino. Há muito o que comemorar. As instalações? O investimento? O nível? A torcida lotando o estádio? Chegamos tão longe. Isso é inegável.

Mas a realidade é que quando se trata da cultura geral, há muito mais trabalho a fazer.

Nós merecemos mais."