Trans Fighter: lutador mineiro cria primeiro MMA só para atletas trans

Os octógonos sempre foram um espaço de trabalho e batalha para Cris Macfer, 30.

Há 17 anos lutando em modalidades como jiu-jítsu, hapkido e muay thai, o atleta tem mais de 40 participações em eventos esportivos.

Natural de Viçosa, Minas Gerais, há oito anos passou a se entender como um homem trans, e percebeu que dentro do MMA: (Mixed Martial Arts) ainda há uma lacuna para atletas trans, que têm mais dificuldade de alcançar notoriedade no esporte.

"Desde 2012, eventos podem chamar atletas trans para lutar contra cisgêneros. Mas quantos atletas trans vimos despontar? Socioculturalmente os espectadores são em maioria homens e héteros. Então, é difícil (um atleta trans fazer sucesso) já pelo público padrão, essa mudança tem que vir de fora para dentro do octógono", afirma Cris Macfer.

A diretriz regulatória a qual Cris se refere é da Association of Boxing Commissions (ABC), que regula o boxe e o MMA —e exige a hormonização tanto para homens quanto para mulheres trans. Mulheres, no entanto, precisam passar pelo processo por ao menos dois anos e fazer a cirurgia de redesignação de sexo.

A fim de trazer uma nova alternativa à categoria, Cris criou o Trans Fighter, destinado apenas para atletas trans, que acontece pela primeira vez neste sábado (25), no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa Marechal Mário Ary Pires, na capital de São Paulo.

Dez lutadores participarão do evento, divididos em categorias pelo peso (algo padrão em lutas) e também pelo tempo de terapia hormonal.

Luta além do octógono

"O Trans Fighter está ligado à minha vida pessoal, tive muitos conflitos como homem trans. Me entendi como homem trans em 2015, quando já era atleta. Mas, antes de vir a público, precisava me munir de informações, que reuni no meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) de Educação Física na Universidade Federal Viçosa", conta Macedo.

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Cris Macfer reuniu 10 atletas para o primeiro 'MMA Trans'
Cris Macfer reuniu 10 atletas para o primeiro 'MMA Trans' Imagem: Arquivo pessoal

Macedo estudou em seu TCC atletas transgêneros em modalidades esportivas de combate e parte da pesquisa o ajudou a se compreender, mas também a guiar na estrutura da competição que pretendia criar.

"Eu não tinha noção nenhuma nessa temática, e eu comecei a entender a militância LGBTQIA+ só depois que comecei a minha carreira. Eu nunca nem me permitia entender de fato essas questões e as pessoas que estavam militando, pois, estava imerso na carreira", conta.

Passei por situações constrangedoras, participei de eventos televisionados em que foi falado em entrevista se referindo a mim no feminino. Então, enxerguei como um problema social a ser resolvido

Cris Macfer fez sua última luta na categoria feminina em 2021, quando decidiu iniciar seu processo de adequação de gênero, usando a terapia hormonal cruzada —ainda não iniciada— como um objeto de estudo inscrito na universidade de Viçosa para analisar as mudanças em seu desempenho esportivo.

Categorização justa e espaço para atletas trans

Para Macfer, criar uma categoria somente para atletas trans pode trazer ainda mais equidade entre os combates. Para tal, dividiu os 10 atletas nacionais que farão parte do evento em cinco subdivisões, que levam em conta o tempo de terapia hormonal.

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Pré-T: Não passaram pela terapia hormonal;

T1: Atletas em terapia hormonal há um ano;

T2: Em terapia hormonal entre um e três anos;

T3: Em terapia hormonal entre três e cinco anos;

T4: Há mais de cinco anos em terapia hormonal.

Além disso, o evento categoriza os desafiantes pelo peso e arbitragem padrão, seguida também por grandes eventos do meio.

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"Fiz reuniões com cada um dos atletas, para que eu pudesse entender a habilidade de cada um deles e a realidade, se tinham apoio da família, acesso à terapia hormonal gratuita", conta Macfer.

Atletas são divididos por peso e tempo de terapia hormonal. Na foto, o lutador Nathan Meireles.
Atletas são divididos por peso e tempo de terapia hormonal. Na foto, o lutador Nathan Meireles. Imagem: Divulgação/Trans Fighter

Nathan Meireles, de Vila Velha, Espírito Santo, é um dos atletas que fará parte do Trans Fighter e encontrou no evento uma chance de competir em uma categoria que se identificasse de fato.

"Iniciei minha carreira de lutador em 2011, mas o fato de ter começado a transição em 2018 não possibilitou que eu continuasse nos campeonatos, pois não existia uma categoria na qual me aceitasse de fato, sem preconceitos e questionamentos", conta Meireles.

O recifense Leo Maluceli da Silva, 22, que vive em São Paulo há 16 anos, sentia-se só como um atleta trans nos esportes de combate antes de conhecer o evento.

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"Fiz uma pesquisa para saber se existiam outros atletas trans praticantes de artes marciais e acabei encontrando o Cris, além de me deparar com a chamada para o evento. Depois de uns dias tomando coragem, finalmente entrei em contato e me inscrevi para participar", conta SIlva.

O Trans Fighter mostra que há espaço para que todos possamos expressar nossas habilidades combativas. Vejo também como resistência, se não querem abrir portas para nós, atletas trans, vamos nós mesmos pegar a madeira e construir essa passagem Leo Maluceli da Silva, lutador de MMA

Macfer espera que o evento seja um primeiro passo para dar visibilidade a atletas trans e ajudar na inserção no esporte com bolsas e possíveis patrocinadores.

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