Topo

Delivery tem impactos sociais e ambientais: devemos parar de pedir em apps?

iStock
Imagem: iStock

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa, de Curitiba (PR)

01/04/2022 06h00

O distanciamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus alavancou o serviço de entrega de refeições e outras compras feitas por aplicativos. Dados de uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Franchising mostram que em 2020, no Brasil, as vendas que as franquias de alimentação realizaram por delivery cresceram 140%. O faturamento obtido através desse canal saltou de 16% para 38% na comparação com o ano anterior.

Esse impacto no mercado, no entanto, não resultou em melhores condições de trabalho para quem atua como entregador. No final de março deste ano, trabalhadores do setor pararam em diversas capitais como forma de protestar contra jornadas exaustivas, baixa remuneração e o preço dos combustíveis.

Hoje, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), já são 1,4 milhão de pessoas atuando no transporte de passageiros e mercadorias. Desse total, 278 mil trabalham apenas com a entrega de produtos, dentro da chamada Gig Economy. O termo é usado para caracterizar as relações de trabalho entre funcionários e empresas que buscam, sobretudo pelos aplicativos, mão de obra sem vínculo empregatício. Em 2016, o país tinha 979% menos trabalhadores no setor - o número de entregadores não ultrapassava os 30 mil.

Além do aspecto social, essa explosão no uso de aplicativos de delivery também tem seus impactos ambientais. Com mais pedidos, mais embalagens plásticas são utilizadas, o que pode levar ao agravamento da poluição. Dados da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE) apontam que, somente durante a pandemia, a venda de embalagens cresceu 30%.

Diante desses fatores, uma postura consciente por parte do consumidor seria deixar de comprar por delivery? Ecoa ouviu especialistas para entender e explicar o assunto.

NÃO

Mais oportunidades e possibilidades de escolha

A maior procura por delivery aproximou consumidores e diferentes tipos de estabelecimentos, permitindo que pequenos empreendimentos também pudessem oferecer seus produtos ao público no mesmo espaço que as grandes redes, observa o coordenador de Comunicação do Instituto Akatu, Felipe Seffrin. "O aumento da demanda fez surgir oportunidades para donas de casa, famílias que apostaram em vender lanches, marmitas. Há esse aspecto de gerar possibilidades para o brasileiro", diz. Ao mesmo tempo, essa mudança, reforça Seffrin, propicia uma maior liberdade de escolha para o consumidor, que passou a ter à disposição não só produtos processados, mas também caseiros, mais saudáveis, incluindo alimentos orgânicos. "As pessoas não são mais reféns das mesmas opções", comenta.

Negociação direta, valores mais justos

A possibilidade de restaurantes terem seus próprios sistemas de entrega permite melhores negociações para trabalhadores do setor de delivery. Essa facilitação, acrescenta Seffrin, se deve ao fato de não haver, nessa relação entre o estabelecimento e o entregador, a figura da empresa intermediadora, que gerencia o aplicativo de entrega e fica com parte do valor pago pelo delivery. "Isso não chega a reduzir a informalidade, mas garante que o trabalhador tenha um pagamento mais integral, mais justo, de acordo com o seu serviço", pontua.

Essa negociação direta entre restaurantes e trabalhadores, sem a adoção de taxas abusivas, também está no radar do poder público. No Rio de Janeiro, a Prefeitura lançou o aplicativo "Valeu", a fim de competir com as empresas do setor e promover ganhos maiores para os estabelecimentos e entregadores. Restaurantes cadastrados na plataforma devem ter uma economia de até 20% em relação a outros aplicativos. Nos primeiros meses, os entregadores envolvidos serão os contratados pelos próprios estabelecimentos.

Compensação de emissões atmosféricas

Para o coordenador de comunicação da Akatu, o problema da poluição atmosférica no delivery não é o serviço em si, mas a forma como é usado. Ele lembra que a preferência por entregas de estabelecimentos mais próximos do consumidor contribui não só para um serviço mais rápido, mas para redução de potenciais emissões de gases do efeito estufa. Dependendo da distância a ser percorrida, a entrega pode ser feita a pé ou de bicicleta.

A engenheira sanitarista e ambiental Eduarda Piaia, do Laboratório de Pesquisa em Resíduos Sólidos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), lembra que o consumidor também estaria gerando emissões se usasse o próprio veículo para ir ao supermercado comprar alimentos. Por isso, a discussão sobre essas emissões atmosféricas precisa considerar a vida útil dos produtos envolvidos. "Às vezes vem mais de um produto, vários em uma mesma carga. E hoje em dia há opções de entrega com compensação de gases. Ao mesmo tempo que se tem uma intensa geração de emissões atmosféricas, também há um apelo grande para empresas reduzirem suas pegadas de carbono", pondera.

SIM

Embalagens sem aproveitamento

A geração de embalagens a partir da entrega de comida deve ser um ponto de alerta, salienta a engenheira sanitarista e ambiental Eduarda Piaia, completando que é comum uma embalagem ser reciclável, mas não ter destinação correta dependendo da localidade do consumidor que a recebeu. Ela cita como exemplo Florianópolis, onde garfos e facas de plástico não são aproveitados pelas associações de catadores.

Além disso, a forma como materiais recicláveis são enviados e o contato com resíduos de comida também podem prejudicar esse aproveitamento. "Muitas vezes, posso até enviar uma caixa de papelão, que é totalmente reciclado, mas ele vem envolto em fita, o que vai dificultar isso", assinala.

Uma saída, diz Eduarda, seria solicitar aos estabelecimentos que enviem apenas embalagens necessárias, preferencialmente compostáveis e de fácil aproveitamento na região do consumidor. "Precisamos saber lidar com esse problema. No Brasil, a principal diretriz, quando fala de resíduos sólidos, é a não geração de resíduos, depois a redução e reciclagem", enfatiza.

Entregadores desprotegidos

Além da exposição ao coronavírus durante a pandemia, os trabalhadores do setor de delivery não contam com direitos trabalhistas e previdenciários, observa o advogado e professor Marco Aurélio Guimarães, do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Isso acontece, explica ele, porque o Direito do Trabalho não é compatível com esse modelo de prestação de serviço. Ao mesmo tempo, não existe ainda uma lei que regulamente o serviço por meio de plataformas digitais, realidade diferente do que já ocorre em países europeus como Espanha, Alemanha e Inglaterra. "Precisamos de uma lei intermediária, de proteção mínima", analisa.

No fim do ano passado, o Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP) chegou a ajuizar ações contra empresas de delivery para o reconhecimento da existência de vínculo empregatício com entregadores. O órgão também criou uma cartilha com informações sobre o trabalho em aplicativos e indicação de canais para denúncias. O material traz ainda exemplos da falta de cobertura trabalhista. Por exemplo, se os entregadores tiverem o veículo ou materiais furtados, não são reembolsados. Em caso de acidente, não recebem seguro. Se ficam doentes, não têm remuneração; entre outras situações.

Ganho líquido de R$ 5 por hora

Jornadas de até 13 horas por dia e baixa remuneração também são citadas por Guimarães como impactos negativos do delivery. "Esse trabalhador às vezes tem que trabalhar jornadas extensivas para receber uma remuneração que não é significativa no fim do mês. Eles não têm nem um descanso remunerado. Muitas dessas pessoas conseguiram manter o sustento próprio, mas não da sua família, porque o salário é muito pequeno", argumenta o professor.

No ano passado, uma pesquisa desenvolvida pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostrou que a renda mensal dos entregadores era de R$ 1.172,63. Esse valor era equivalente a um ganho líquido de R$ 5,03 por hora de serviços prestados. Nove em cada dez desses trabalhadores são homens, sendo a maioria (68%) preta e parda.