Loja de carros de luxo fecha e causa prejuízo milionário aos clientes

A prática, infelizmente, não é nova. Lojas de compra e venda de carros de luxo prometem valores convidativos, mas depois não honram o negócio. O sonho de ter automóvel premium, então, se torna um pesadelo. E mais: um prejuízo que, muitas vezes, chega a ser milionário. O mais recente exemplo disso vem de Minas Gerais.

Uma loja chamada Prime Veículos, localizada na capital Belo Horizonte e que tem mais de 120 mil seguidores em uma rede social, é acusada de fraude e estelionato.

De acordo com as vítimas, a empresa aplicava dois golpes no mesmo negócio. Quem comprava um veículo não recebia o documento para transferência de propriedade e quem vendia não obtinha o repasse do valor integral do veículo (ou de qualquer quantia sequer), principalmente, os em consignação — na qual o proprietário entrega a responsabilidade da venda do carro para uma loja ou concessionária mediante a uma comissão.

Rone Pereira é um desses casos. O empresário ingressou uma ação na Justiça para tentar recuperar o dinheiro de sua Chevrolet Silverado 2024, avaliada em R$ 500.000.

"Peguei zero (km) por R$ 509.000. Tinha 5.000 quilômetros rodados e o vendedor disse que me pagaria R$ 500.000. Fora isso ele contou que já havia comprador", explica Rone Pereira, que é de Ipanema (MG), mais 350 km distante de BH. Ele conta que desconfiou de algo, mas aceitou a proposta por já ter feito negócios anteriormente com a loja.

Achei estranho por causa da pressa. Me ligaram perguntando se eu queria vender a caminhonete porque tinha um interessado. Eu moro afastado, mas vieram buscar no mesmo dia e chegaram aqui meia-noite.

O negócio demorou mais que o esperado e o empresário então entrou em contato com a loja. A Prime Veículos teria dito que o primeiro comprador não teve o crédito aprovado, mas que outra conversação estava em andamento. Logo em seguida, Rone recebeu um pagamento pré-datado no valor de R$ 500.000.

O empresário afirma que esperou a compensação para então repassar o documento de transferência para a loja. O cheque, no entanto, não tinha fundos. Mas aí veio outra surpresa para o espanto do empresário: a caminhonete já estava no nome do novo proprietário.

"Não assinei nada, nenhum documento de compra e venda. Transferiram sem o meu aval", esbraveja Rone Pereira, que foi na polícia, colocou um alerta de furto/roubo na caminhonete e entrou com uma ação judicial no último mês de novembro para tentar reaver o carro ou o dinheiro. Agora, ele aguarda os desdobramentos do processo.

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Porsche de R$ 1,5 milhão

Um perfil no Instagram intitulado "Vítimas da Prime Veículos BH" tem mais de dois mil seguidores. A reportagem do UOL Carros entrou em contato, mas as pessoas afetadas não quiseram se identificar com medo da exposição.

Uma delas, no entanto, explicou que colocou à venda um Porsche Cayenne na loja por R$ 548.000 em agosto do ano passado. O SUV de luxo foi supostamente vendido, mas o proprietário alega que só recebeu R$ 180.000. Por outro lado, o comprador, que pagou à vista não obteve a documentação para transferência de nome.

Outra transação envolve também um Cayenne Turbo GT. O comprador afirma ter pago R$ 1.490.000, porém o documento do SUV esportivo foi entregue com a chamada "reserva de domínio", uma condição contratual que permite que o vendedor mantenha a propriedade de um bem até que o comprador pague o valor total.

"Infelizmente o número de processos em tramitação contra a Nova Automóveis Ltda [razão social da Prime Veículo BH] já ultrapassa algumas dezenas e deve aumentar muito", diz o advogado Anderson Lesther, que representa outras partes que alegam terem sido lesadas pela loja mineira.

Procurada pelo UOL Carros, a Prime Veículos limitou-se a dizer que a empresa está passando por uma "reestruturação e que todos os débitos serão acertados oportunamente". A loja na capital mineira foi fechada, mas um aviso nas redes sociais diz que "o atendimento continua de forma online".

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Vão-se os anéis, ficam os dedos

O advogado Anderson Lesther, por sua vez, afirma que foi procurado para fazer acordos, mas entre vendedores e compradores, sem a participação da Prime. A crença dos envolvidos é de que será muito difícil ou demorado receber algum valor ou indenização por parte da loja. A tentativa aqui é de apenas mitigar o prejuízo porque, de um lado, os vendedores não emitem a documentação de transferência e, de outro, os compradores não têm como regularizar a situação dos automóveis.

Sem citar nomes (há cláusulas de sigilo nos contratos), o advogado diz que em um caso o comprador de um veículo "devolveu" cerca de R$ 130.000 ao proprietário original. Uma das explicações é de que a loja supostamente vendeu o modelo muito abaixo da Tabela Fipe.

"Ele aceitou repassar o montante (que é pouco menos de 50% do valor de mercado do carro) ao proprietário, que amarga um prejuízo de 50% e tentará reverter contra a Prime Veículos", resume o advogado.

Em outro, o dono original readquiriu seu veículo, colocado em consignação na loja, ao pagar mais de R$ 200.000 ao "comprador". Este último havia desembolsado apenas parte do valor e o restante seria transferido na entrega do documento. O que nunca ocorreu, segundo ele.

E por que não entrar em litígio com a loja diretamente? "A participação [da loja] seria um catalisador, potencializando os pontos de divergência e colocando os dois lados — compradores e vendedores — em posições muito defensivas e indesejadas", diz Lesther.

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O advogado ainda aponta que, mesmo tentando responsabilizar diretamente os sócios da loja, "não são localizados bens ou valores passíveis de constrição em montante suficiente para todos os prejuízos causados".

Entretanto, o advogado reforça que muitas transações não chegarão a acordos pela simples questão de que os valores envolvidos são muito significativos.

"Lamentavelmente, quem comprou não estará disposto a abrir mão do veículo, bem como quem deixou em consignação e não recebeu pela venda não quer abrir mão do automóvel. Temos, assim, um dilema que somente em juízo será solucionado", pontua.

Em virtude dos acordos, o advogado acredita que alguns envolvidos não buscarão mesmo a solução na Justiça, porém o caminho está aberto. "Quem se sentiu prejudicado buscará recuperar da Prime e seus sócios os prejuízos. Entretanto, em virtude do sigilo do acordo, deverá ter a concordância da outra parte, sob pena de violar o sigilo pactuado", finaliza Lesther.

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