Doulas de adoção ajudam pais: 'Criança não nasce quando chega na família'

As psicólogas Mayra Aiello e Marianna Muradas são criadoras do Doulas de Adoção, iniciativa que orienta famílias que desejam adotar.

Elas têm ligação direta com o tema: Mayra é mãe pela via da adoção, e Marianna foi adotada recém-nascida.

A ideia do projeto surgiu em 2018, após a chegada da pequena Maria Vitória, filha de Mayra, aos 9 meses de idade. A psicóloga teve dois abortos antes de ela e o marido decidirem adotar e, quando o processo se concretizou, disse viver um "puerpério emocional", sobretudo no primeiro ano da maternidade.

"Na gestação biológica vemos mudanças fisiológicas que causam o puerpério. Mas ele não é só isso, é algo emocional, social, espiritual. Todas essas nuances se alteram a partir do momento que muda o eixo de identidade dessa pessoa", explica Mayra.

Após a adoção, o foco passa a ser a 'vossa majestade, o bebê', que toma a vida, a concentração, a agenda, e isso também desregula a gente fisiologicamente. Mayra Aiello, psicóloga e co-fundadora do Doulas de Adoção

O que são doulas de adoção?

Doulas dão suporte físico, emocional e de informação às mulheres na gestação, parto e pós-parto (o puerpério). Mas esse apoio também pode ajudar pessoas que querem adotar, sobretudo a entender melhor a decisão e as responsabilidades que vêm dela. Marianna, inclusive, já exercia essa função nos EUA, onde mora, antes do projeto.

Qual o trabalho das doulas de adoção?

Elas fazem um acompanhamento, tirando dúvidas sobre adoção e debatendo as motivações dos pais. É possível contratá-las em qualquer etapa do processo.

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"Quando chegam famílias que ainda estão pensando em adotar, a gente acha ótimo", diz Mayra Aiello. Nessa etapa, as profissionais ajudam até no preenchimento do perfil procurado.

O serviço também pode ser contratado para outros membros da família que vai receber alguém pela via da adoção, como os avós.

Doulas também ajudam outros membros da família que vai receber alguém pela via da adoção
Doulas também ajudam outros membros da família que vai receber alguém pela via da adoção Imagem: iStock

Quais os objetivos?

  • Fortalecer a escolha da adoção;
  • Romper preconceitos que existam em torno dela;
  • Reforçar a importância de se preparar emocionalmente para acolher um filho.

Pais emocionalmente saudáveis vão acolher melhor os seus filhos, vão planejar melhor as estratégias de cuidado. Tem profissionais que focam nos filhos, mas a gente entendeu que cuidando dos pais, cuidaríamos das crianças. Mayra Aiello

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Elas também ajudam a controlar a ansiedade de não saber quando a adoção vai se concretizar, a chamada gestação afetiva. "Isso gera ansiedade e estresse, porque tem famílias que ficam dias e outras que ficam anos na fila. Ajudamos elas a entender o que podem fazer, sem ter grandes alterações emocionais, ao mesmo tempo que realizam o letramento da adoção."

Acompanhamento serve como terapia?

Não. Se identificam dificuldades emocionais nesses adultos, as doulas recomendam que eles busquem ajuda psicológica.

Adoção não é caridade

Outro pilar importante é desmistificar o pensamento de que adoção é um ato de caridade. "O que percebemos é que vivemos esse mito da salvação. A ideia de que a criança vai viver muito melhor comigo, do que na realidade que tem hoje", conta Mayra Aiello.

Por isso, em boa parte das consultorias, as conversas partem do que levou essas pessoas ao processo. "A motivação deveria ser só a vontade de ser pai e mãe por essa via. Sem esse discurso de caridade, presente em bastante gente", afirma.

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Romper o mito da salvação ainda ajuda a estabelecer um laço mais saudável e a legitimar as memórias de quem foi adotado, sem esperar que a criança ou o adolescente "lhe deva algo em troca".

A gente pode elaborar e cuidar dessa história, sem apagar ou colar nada em cima. A criança não nasce quando chega na família adotiva, ela tem essa história e vai trazer memórias, fantasias. É importante ela poder abordar, sem os pais terem 'ranço' e acharem que isso significa que ela quer voltar para aquela vida. Mayra Aiello

Falar sobre isso também é uma forma de assegurar que a adoção seja juridicamente segura, entendendo que há critérios para crianças e adolescentes estarem na fila.

Esse tópico, inclusive, motivou uma publicação da dupla após falas de Jojo Toddynho. Após visita à Angola em setembro, a cantora revelou o desejo de adotar uma criança que teria família. "Eu falei assim: 'E se eu quiser te levar embora?', ele falou: 'Eu vou embora com você'. Agora, o José vai fazer o contato com a família, com todo mundo, para ver como é que vai ficar, para ver se a gente consegue fazer um processo de adoção. Vou rezar para que a família aceite eu trazer ele embora para cá", contou Jojo na época.

O Estado não dá uma criança. Ele busca uma família para essa criança de acordo com as suas necessidades. Ouvimos muito: 'Ai, tem um monte de criança ali embaixo do viaduto e eu há cinco anos na fila'. Mas é importante entender que não necessariamente essas crianças estão disponíveis para adoção. Mayra Aiello

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Cuidados pós-adoção e puerpério emocional

O pós-adoção tem data para começar, mas não para terminar. E o apoio das doulas também pode se estender a esse período, sobretudo nos primeiros dois anos.

Por que esse tempo? Porque costuma ser um período de receios e medos que impactam emocionalmente todos da família. "Essa adaptação não ocorre de uma vez só. É preciso pelo menos um ano e tem famílias que precisam de mais", explica Mayra.

Doulas também priorizam trabalho no pós-adoção, para pais e filhos terem um vínculo saudável e duradouro
Doulas também priorizam trabalho no pós-adoção, para pais e filhos terem um vínculo saudável e duradouro Imagem: iStock

Também é após esse período que a pessoa começa a ter referências a partir da própria história: entende o que perdeu ou ganhou sendo mãe ou pai, por exemplo. "Todos vivenciam esse momento, ao mesmo tempo em que a criança também está na adaptação de ser filho", diz Mayra.

Essa fase pode ser mais intensa e conflituosa para algumas pessoas. É o puerpério emocional, que Mayra também viveu. A psicóloga, inclusive, abordou o tema no mestrado pela Universidade Federal de Grandes Dourados (MS). Ela conduziu um estudo sobre a saúde emocional de 11 mães de crianças de 0 a 11 anos, no primeiro ano da adoção. As análises foram feitas online e se basearam em uma escala de depressão, ansiedade e estresse.

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Os resultados indicam que a maternidade adotiva pode causar:

  • Impactos à saúde emocional materna;
  • Mudanças na percepção da mãe sobre a sua identidade e sobre a adoção;
  • Prejuízos nas relações e dinâmicas familiares.

Compreender a dinâmica que envolve o conceito de puerpério na adoção auxilia a dimensionar serviços especializados, fornecendo apoio, informação e atendimento clínico adequados. Mayra Aiello, na dissertação "A saúde emocional materna no primeiro ano de parentalidade por adoção'

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