Câncer na juventude: 'Sensação de que não conseguiria realizar meus sonhos'

Pela convicção de que sendo jovem, nada de grave aconteceria, a sushi chef Bia Suzuki ignorou por três anos o sangue nas fezes e a dor que às vezes sentia ao evacuar. No entanto, com o agravamento da dor e dos sangramentos e a perda de peso sem motivo, a jovem se viu obrigada a procurar ajuda. Após realizar os exames, descobriu, aos 25 anos, que tinha um câncer colorretal.

Especialmente pela minha idade, foi um choque receber esse diagnóstico. Me desesperei e tive a sensação de que não conseguiria realizar meus sonhos. Só me passava pela cabeça: eu só tenho 25 anos, o que será que fiz para merecer isso? Bia Suzuki

Durante o tratamento, Bia vivenciou uma verdadeira montanha-russa de emoções. Ela se viu assombrada pela culpa, por não ter levado sua saúde à sério e por sentir que estava fazendo sua mãe reviver o "universo do câncer", especialmente porque seu pai havia falecido três anos antes pela mesma doença.

Essa carga emocional a levou ao isolamento, enquanto lidava com o desconforto de enfrentar a piedade das pessoas conhecidas quando a notícia de seu diagnóstico se espalhou pela pequena cidade paulista de Clementina, onde morava com sua mãe.

Bia Suzuki
Bia Suzuki Imagem: Arquivo pessoal

"Inicialmente, eu relutei em aceitar ajuda psicológica, mas depois reconheci que precisava desse suporte para manter a minha saúde mental. Também busquei ter contato com pessoas que estavam na mesma situação. Essas conexões foram importantes, eu me senti acolhida", afirma.

Em um dos momentos mais difíceis, Bia teve que lidar com a necessidade de usar uma bolsa de ostomia, que afetou sua autoestima e a maneira como ela interagia socialmente. Nesse momento, ela se agarrou à fé, em Deus e no médico que lhe dera o diagnóstico e que cujas palavras sempre martelavam na sua cabeça: "Você logo vai ficar bem".

Nesse meio tempo, ela voltou a frequentar a faculdade e iniciou um namoro, coisas que a fizeram perceber que era possível ter uma vida plena, apesar do câncer. Curada e com 31 anos, hoje ela usa suas redes sociais para desmistificar informações a respeito do câncer colorretal. Além disso, criou um grupo no Facebook de trocas de informações e apoio mútuo para pacientes de câncer de intestino e seus familiares.

"No câncer existe um fator que que nem um médico nem a ciência controla, que é o que o paciente faz por si mesmo", destaca.

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"Jovem acredita que pode lidar com tudo"

Em 2006, o editor de livros Rômulo Braga, recém-formado em filosofia e atuando como professor em uma escola de São José dos Campos, interior de São Paulo, estava fazendo planos e desfrutando de sua recente autonomia econômica. No entanto, um exame de rotina solicitado por um urologista revelou a presença de um tumor, mudando completamente o curso de sua vida.

Após uma cirurgia, o médico tranquilizou-o, dizendo que não havia necessidade de outros tratamentos naquele momento. Porém, cerca de um ano depois, o professor foi diagnosticado com uma metástase para linfonodos próximos ao rim.

Foi muito difícil receber a notícia com apenas 25 anos, porque tive que encarar de forma brutal a minha própria mortalidade. Rômulo Braga

Rômulo Braga
Rômulo Braga Imagem: Arquivo pessoal

Rômulo lembra que no início tentou negar a gravidade da situação e foi dar aula no dia seguinte à consulta em que o médico, de forma "fria e objetiva", informou que a nova cirurgia a qual seria submetido representava risco de óbito.

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"Enquanto eu dava aula, era como se estivesse imerso em um sonho, onde as superficialidades da vida se desfaziam diante dos meus olhos, deixando apenas o que era essencial: o conhecimento e o amor."

Para ele, a espiritualidade, o apoio da família e o conhecimento sobre o tratamento foram fontes de força. Braga diz que nem nos momentos mais difíceis, quando lidou com os efeitos da quimioterapia e viu sua aparência mudar, deixou de acreditar que aquilo tinha um propósito e que era parte de seu destino.

Era como se eu tivesse que ir para guerra e encarar o inimigo. Pensar dessa forma foi uma 'ingenuidade' útil. Rômulo Braga

Rômulo afirma que teria mais dificuldade de enfrentar essa situação hoje, com os seus 41 anos, porque "o jovem sente que tem a vida toda pela frente, se acha invencível e acredita que pode lidar com qualquer coisa".

Importância do suporte emocional

A notícia de um diagnóstico de câncer na juventude pode comprometer diversos aspectos da vida, incluindo prejuízos na capacidade de trabalho, comprometimento da saúde reprodutiva e sexual e, principalmente, desencadear uma série de questões de saúde mental.

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De acordo com a psico-oncologista Agnes Ayumi Sewo Mori, é comum que o jovem diagnosticado com a doença passe por um processo de luto simbólico, que envolve a perda de uma parte de sua identidade e a necessidade de se adaptar a uma nova realidade.

Bia Suzuki e o namorado Vinicius
Bia Suzuki e o namorado Vinicius Imagem: Arquivo pessoal

"O tratamento muitas vezes exige que esse jovem se se ausente da faculdade, da convivência com os amigos, do mercado de trabalho. Tudo entra em pause", diz Mori, que atua como preceptora, docente e vice- coordenadora do Programa de Residência Multiprofissional em Psicologia do Hospital A.C.Camargo Cancer Center.

O confronto com a possibilidade da morte e as mudanças corporais que por vezes decorrem do tratamento também são questões sensíveis para esses pacientes, segundo a psico-oncologista Juliana Santos Beltrão, que é especialista em psicologia oncológica e atua na Oncoclínicas da Bahia. Ela afirma que a avaliação psicológica precisa ser feita no início do tratamento, de forma a entender as necessidades emocionais dos pacientes e possibilitar a identificação de possíveis fatores de risco.

Segundo as especialistas ouvidas pelo VivaBem, grupos de apoio de pacientes e atividades de terapia ocupacional também são estratégias válidas para ajudar o jovem a lidar com os desafios que surgem durante o tratamento do câncer.

"O suporte psicológico melhora a aderência ao tratamento, a qualidade de vida do paciente e pode até mesmo impactar positivamente nos resultados do tratamento oncológico", assegura a oncologista Renata Bonadio, que é pesquisadora do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo).

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A psicóloga Regina Liberato, especialista em cuidados paliativos e coordenadora do Comitê de Saúde Emocional do Instituto Oncoguia, deu dicas que podem ajudar pacientes oncológicos a gerenciar o medo e o estresse durante o tratamento:

Mantenha uma comunicação aberta com a sua equipe de cuidados. Fale sobre seus sentimentos, necessidades e preocupações. Proximidade gera segurança e confiança.

Cuide de si, alimentando-se corretamente e fazendo alguma atividade física que lhe dê prazer. "Entender que a vida é muito maior que um dos aspectos que vivemos em particular", diz Liberato.

Aproveite os momentos bons do viver, experimente a alegria e o prazer nas pequenas experiências do cotidiano.

A rede de apoio é muito importante. O humano não nasceu sozinho e os relacionamentos alimentam a esperança e a resiliência.

Se estiver em sofrimento, busque apoio emocional em psicoterapia ou rodas de conversa que propiciam acolhimento e escuta especializada.

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