Elas mudaram de vida após os 50: uma mudou de carreira, outra, se apaixonou

Já dizia Paulo Roberto Gaefke: "Não importa onde você parou, em que momento da vida você cansou, o que importa é que sempre é possível e necessário recomeçar". Embora começar de novo, na carreira e/ou na vida pessoal, seja um grande desafio —especialmente para quem já passou dos 50 anos—, pode ser igualmente gratificante.

Tem sido assim com a florianopolitana Ana Cristina de Souza Mendes, 56. Em 2005, depois de mais de duas décadas atuando no mercado de eventos corporativos, com inúmeras viagens e contratempos constantes, ela deixou o trabalho em segundo plano para se dedicar à maternidade. "O ritmo era frenético. Lembro de amamentar minha filha de apenas três meses de idade nos bastidores de feiras e congressos. As viagens a trabalho continuaram por um tempo, até que quando ela estava prestes a completar 1 ano, me mudei para São Paulo e desfiz a sociedade que tinha em Florianópolis", conta.

Por um tempo, Ana Cristina se dedicou exclusivamente à maternidade e ao bom funcionamento da casa. Embora grata por essa oportunidade, em algum momento percebeu que havia se perdido um pouco dela mesma. "Parecia que eu só existia como mãe ou esposa", relembra.

Conforme sua filha crescia e se tornava mais independente, a vontade de voltar ao mercado de trabalho aumentava. "Antes dos eventos, havia trabalhado no ramo de alimentos e bebidas importados e a convite de alguns amigos iniciei um projeto nessa área. Após dois anos de pesquisa e planejamento, montamos um mercado gourmet que, infelizmente, durou apenas seis meses. Foi um golpe financeiro e emocional duro, já que meu sócio decidiu sair do país para não arcar com os prejuízos, que eu e meu marido assumimos integralmente", diz.

Foi um período muito desafiador. A incerteza sobre o futuro, as contas a pagar, a decepção pessoal. "Foi um verdadeiro caos, o que me levou a buscar alternativas para manter minha fé, positividade e senso de humor, qualidades que sempre me acompanharam. Investi em cursos de autoconhecimento, fiz um MBA, retomei a prática de exercícios físicos e redescobri o crochê —uma terapia incomparável. Aprendi ainda na infância que atividades que demandam concentração são um verdadeiro bálsamo para a mente", afirma.

Apesar de ter conhecimento superficial sobre crochê —ela só sabia fazer correntinhas—, Ana Cristina se aprimorou assistindo a vídeos e criando peças.

Me encantei com a versatilidade e criatividade que o crochê oferece. Surgiu então a ideia de transformar essa paixão em uma fonte de renda. Mas a insegurança e o medo de não estar no caminho certo eram constantes. Na maturidade, nos libertamos de muitas coisas, mas o autojulgamento é implacável. E recomeçar após os 50 requer muito querer. Ana Cristina de Souza Mendes

Ana Cristina levou mais um bom tempo para pesquisar, reunir materiais, desenvolver desenhos, construir peças, estabelecer parcerias e criar coragem. Durante esse processo, percebeu que, mais do que construir um negócio, queria oferecer a outras mães a oportunidade que teve: a chance de acompanhar de perto o crescimento dos filhos. Assim nasceu a Elizabeth & Josephina, em homenagem às avós de sua filha.

"O objetivo é dar autonomia às mães, gerando renda por meio do trabalho artesanal. Acredito, com base no que vivi, que a presença materna nos primeiros anos de vida é crucial para o desenvolvimento das crianças. Estamos no início, mas creio firmemente nesse modelo de negócio. Unir mães em um trabalho feito por mulheres, para mulheres, é uma missão que abraço com todo o coração", comemora.

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Demorei para recomeçar, mas se há algo que posso transmitir com minha experiência é: estude, dedique-se, tenha fé, aprenda a dizer não para os outros e sim para si mesma, acredite no seu potencial, escute seu coração e dê o primeiro passo. Somente quando nos movemos é que as coisas começam a acontecer e as respostas surgem. Ana Cristina de Souza Mendes

Nunca é tarde para se apaixonar

Leda e o marido
Leda e o marido Imagem: Arquivo pessoal

Aos 60 anos e após passar por dois divórcios, a psicanalista Leda Rezende tinha tomado uma decisão: basta de casamento. Nesse período, seguiu a vida profissional com dedicação absoluta e passou a desfrutar da própria companhia. "Aprendi a viajar sozinha e era um prazer escolher aonde e quando ir. Aproveitei muito essa fase", afirma.

Em uma viagem à República Tcheca, viu um cartaz que anunciava um concerto de Yo-Yo Ma (um músico considerado um dos melhores violoncelistas da história) no Castelo de Praga e conseguiu comprar, segundo ela, o último ingresso disponível. "No dia do evento, fui feliz e contente, vestida em modo viagem, sem preocupações com estética ou moda. Jamais esquecerei da minha entrada. Era uma performance de gala, com políticos e a alta sociedade de Praga. Mulheres lindíssimas, muito bem-vestidas, homens elegantes. Por meio segundo me senti embaraçada, mas logo relaxei e entrei", recorda.

Depois que se acomodou no seu lugar, um senhor se sentou na cadeira seguinte à do lado de Leda.

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Entre nós se manteve um único assento vago da sala. Conversamos, descobri que ele era italiano, falamos sobre o que fazíamos e assistimos ao concerto. Fomos jantar juntos. Contamos os estados civis: eu com dois divórcios, ele, viúvo. Aí a vida mudou por conta própria. Não respeitou o meu basta de casamentos. Praga foi a minha última viagem sozinha. Por três anos os voos Milão-São Paulo-Milão se seguiram a cada dois meses. Decidimos aterrissar. Casamos e me mudei para Milão. Leda Rezende

O ano era 2017 e Leda estava com 67 anos. A adaptação não foi fácil, ela não conhecia ninguém e falava pouco o idioma. "Pela primeira vez na vida, eu estava sem trabalhar. Não me agradava, tinha uma sensação de inutilidade e dependência. Decidi frequentar um curso de italiano para mulheres imigrantes. Fiquei fascinada com a coragem de todas elas. Mulheres jovens, meia idade, todas com o objetivo único de fazer valer a existência. Vinham da China, Ucrânia, Líbia, Síria, Bangladesh, Paquistão, Rússia, Brasil, Venezuela. O compartilhar de experiências e dificuldades sempre anexa à solidariedade. Escutei histórias dolorosas. Recebi abraços calorosos. Aprendi muito com todas elas, com todas nós", diz.

Em uma das muitas tardes livres, leu uma reportagem sobre um curso para brasileiros que ensinava como adaptar o currículo ao estilo europeu para procurar trabalho e resolveu participar. Assim, encontrou um lugar para atuar como psicanalista, onde atende clientes brasileiros e europeus. Além disso, é também escritora —já são mais de 13 livros publicados.

Hoje, aos 74, Leda está muito bem adaptada e faz questão de ressaltar a importância do suporte que recebeu.

Nada se faz sozinha. Por mais que eu tenha cavado os meus caminhos, sempre decidida e confiante, tive o apoio e cumplicidade total dos meus dois filhos e, depois, das minhas noras. Em nenhum momento sofri críticas negativas, questionamentos. Ao contrário, sempre escutei que sou o exemplo de que, quando a vida não segue feliz, a única solução é mudar. Leda Rezende

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • A frase do início do texto é do escritor Paulo Roberto Gaefke, não de Carlos Drummond de Andrade, como dito anteriormente. O texto foi corrigido.

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