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Adoção de crianças mais velhas e adolescentes: 'Sociedade tem ideia errada'

Isabelle Meireles adotou, junto com o marido, Thiago Meireles, cinco crianças mais velhas - Arquivo pessoal
Isabelle Meireles adotou, junto com o marido, Thiago Meireles, cinco crianças mais velhas Imagem: Arquivo pessoal

Fernanda Beck

Colaboração para o VivaBem

25/03/2023 04h00

Quando se fala em adotar uma criança, a maioria das pessoas pensa em um bebê, e a maioria dos pretendentes à adoção, também. No entanto, a maior parte das crianças que estão no sistema de adoção do Brasil tem mais de três anos —dado de 2020, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

A preferência dos pretendentes é principalmente por meninas, com até dois anos de idade, sem doenças graves nem irmãos. É um grande descompasso com as crianças que estão no sistema de adoção, em sua maioria meninos, com mais de cinco anos e pelo menos um irmão.

A adoção de crianças mais velhas, porém, vem ganhando adeptos, o que explica o termo "adoção tardia" cair em desuso. "Dizer 'adoção tardia' reforça a impressão de que a adoção de bebês funciona melhor, que a criança mais velha ou adolescente já 'passou da hora' de ser adotado, e gera muita ansiedade e tristeza para as crianças", explica Marianna Muradas, uma das fundadoras do projeto Doulas de Adoção, que prepara família para receber filhos por meio da adoção.

A partir de que idade é considerada uma adoção de uma criança mais velha?

Apesar de não haver uma determinação oficial, fala-se em adoção de crianças mais velhas e adolescentes quando ela acontece entre os três e os 18 anos de idade.

A mineira Isabelle Meireles, 36, trabalha como coordenadora em um Saica (Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes) e adotou cinco crianças mais velhas junto com o marido, Thiago Meireles, 37.

A sociedade tem uma ideia errada sobre crianças mais velhas. Às vezes vemos meninos adolescentes no sinal, pedindo, vendendo, roubando, e achamos que toda criança dessa idade vai ser 'malandro', aprontar. Mas são crianças como todas, e ter mais idade não impede ninguém de estabelecer família. Isabelle Meireles, que é mãe de Naiara, Wallace, André, Flávio e Ketlen, todos adotados com idades entre quatro e 17 anos.

A adoção de crianças e adolescentes é mais difícil?

Não. A ideia de que a pessoa que adota uma criança mais velha encara um desafio muito grande pois a criança tem história e memórias é equivocada. "Existe um imagético negativo que acompanha a criança mais velha, como se ela fosse se tornar um desafio, um problema", diz Marianna Muradas.

Naiara, Wallace, André, Flávio e Ketlen - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Naiara, Wallace, André, Flávio e Ketlen, todos adotados com idades entre quatro e 17 anos
Imagem: Arquivo pessoal

A doula de adoção traça um paralelo que ajuda a entender: "Quando você conhece uma pessoa na balada, no trabalho ou em um aplicativo, você começa uma 'relação tardia' com ela também, sem se preocupar se ela tem traumas, como é sua família ou com o que ela já viveu antes", diz.

A relação de pai e mãe é uma relação como todas as outras, que se constrói. Não são esperados amor imediato nem vinculação instantânea, nem em casos de adoção de bebês, nem de crianças mais velhas e adolescentes e nem mesmo com filhos biológicos. Marianna Muradas, uma das fundadoras do projeto Doulas de Adoção

No que a adoção de crianças mais velhas e adolescentes é diferente?

Não tem como apagar as histórias que a criança já viveu, mas é possível acolher, auxiliar e ressignificar essas histórias. "Em alguns casos, não há processo de cura suficiente, e a única coisa a dizer é 'sinto muito que isso tenha acontecido, gostaria que tivesse sido diferente'. A relação parental depende de disposição afetiva para conexões", diz Muradas.

Quais os maiores desafios ao adotar uma criança mais velha?

Muitos são os mesmos de adotar uma criança pequena, principalmente no que diz respeito ao letramento da comunidade em relação à adoção, conseguir inserir a criança no novo meio social de forma respeitosa e lutar contra os preconceitos.

Não é por serem mais velhas que as crianças chegam prontas para a adoção, achando sensacional ser filho de alguém que ela mal conhece. Mas isso pode ser construído. Também é importante evitar gerar uma sensação de 'gratidão obrigatória' na criança adotada. E parece que quando a criança é maior, esse conceito fica mais escancarado e pesado, mais presente na fala das pessoas ao redor. Marianna Muradas, uma das fundadoras do projeto Doulas de Adoção

Adotar uma criança mais velha também significa adotar sua história até ali. "Uma das minhas maiores dores como mãe por adoção é pensar em momentos difíceis que meu filho viveu nos quais eu não estava presente para ampará-lo", conta Carol Rabitto, 37, terapeuta ocupacional e doula de adoção, que adotou Jeferson quando ele tinha oito anos.

Carol Rabitto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Carol Rabitto e seu marido, Cláudio Aurélio de Souza, adotaram Jeferson quando ele tinha oito anos
Imagem: Arquivo pessoal

"Aquela criança, como nós, já tinha uma história, trajetória e dores próprias. Mas não há como voltar atrás: é olhar para o que ainda somos capazes de viver juntos e seguir de agora em diante", diz Carol.

Quais são possíveis vantagens na adoção de crianças mais velhas e adolescentes?

Uma grande vantagem da adoção de crianças mais velhas e adolescentes é a possibilidade do diálogo desde o começo. As relações são facilitadas pela fala e pelas conversas, o que não é possível com bebês.

Também é evitada a preocupação de como e quando contar para a criança que ela foi adotada, já que a criança mais velha tem consciência do processo e quer estar ali.

Quando adotamos nossos filhos, eles já tinham autonomia, se expressavam. Podíamos brincar, passear, conversar e curtir nosso tempo juntos. Além do quê, não precisamos ter alguém sempre cuidando da criança, como teria sido o caso com um bebê. Isso trouxe mais liberdade para a família. Isabelle Meireles, adotou cinco crianças mais velhas

Por que considerar uma adoção tardia?

A ideia de parentalidade muda de pessoa para pessoa, e não é preciso um bebê para que uma família se constitua. "Muita gente acha que adotar um bebê é mais simples, mas isso não é necessariamente verdade", diz Carol Rabitto.

Se você pensa em adotar uma criança, a honestidade é o melhor caminho na hora de considerar a idade limite de quem se pretende adotar. Para isso, seja franco em relação aos seus desejos e sonhos, e do que espera da relação parental que pretende criar com a criança.

No imaginário coletivo, a ideia de adoção é muito aquela do cestinho abandonado na porta com um bebezinho dentro. Mas para ser pai ou mãe não é necessário um bebê. Em cada faixa etária, a relação parental muda. Além do quê, é bom lembrar que os bebês crescem. Carol Rabitto, terapeuta ocupacional e doula de adoção

Que dicas as doulas de adoção dão?

  • Antes de mais nada, é importante fazer um letramento social e racial, para entender melhor a realidade de onde as crianças vêm.
  • É fundamental reconhecer em qual estágio de desenvolvimento aquela criança está. O que significa ter um filho daquela idade?
  • Ajustar as expectativas é outro passo relevante. "Se a pessoa adota uma criança de 11 anos, mas a vontade real era de cuidar de um bebê de 11 meses, haverá um choque de realidade, e a chance de um novo abandono é muito grande", afirma Muradas.

Ninguém consegue estar totalmente preparado para ser pai ou mãe, por qualquer via e em qualquer idade. Mas quando sabemos o que desejamos com consciência, podemos elaborar melhor o projeto de parentalidade, e o caminho fica muito mais suave. Marianna Muradas, uma das fundadoras do projeto Doulas de Adoção

Fontes: Marianna Muradas, uma das fundadoras do projeto Doulas de Adoção; Carol Rabitto, terapeuta ocupacional e doula de adoção; Ana Andréa Maux, psicóloga da 2ª vara da infância e da juventude da Comarca de Natal (RN).