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Histórias de quem mudou hábitos em busca de mais saúde


Vergonha afastou Júlia de treinos até ela conhecer o CrossFit: 'Vida mudou'

Júlia Sipolatti nunca se sentiu confortável em academias de musculação - Arquivo pessoal
Júlia Sipolatti nunca se sentiu confortável em academias de musculação Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

01/09/2022 04h00

Júlia Sipolatti, 25, começou a fazer musculação na adolescência, mas sempre abandonou os treinos devido ao preconceito que enfrentava nas academias por ter obesidade: "parecia que eu estava no lugar errado", conta. Isso mudou quando a assistente administrativa começou a fazer CrossFit e foi acolhida pelos colegas. A seguir, ela conta como se apaixonou pela modalidade, participa de competições e conseguiu inspirar muita gente:

"Procurei fazer atividade física a minha adolescência inteira, só que nunca vingava. Quando ia à academia não me sentia acolhida, recebia muita olhada, pessoas me encaravam, inclusive os instrutores, parecia que eu estava no lugar errado. Eu me perguntava o que tinha de diferente, afinal, também estava buscando ser saudável.

Foi assim até meus 20 anos. Treinava por três meses, mas ia obrigada todos os dia e acabava desistindo, não dava liga e não encontrava uma atividade que realmente gostasse.

Aí conheci o CrossFit, a convite de um amigo que é coach. Ele disse que estava com um projeto para mudar vidas e inspirar pessoas. Perguntou se eu queria conhecer a modalidade. Treinei um dia e nunca mais parei.

Hoje, vou todos os dias, inclusive de fim de semana, mas no começo não foi fácil. Não entrei e me apaixonei, precisei de força de vontade para tornar um hábito. Eu ficava ansiosa quando começava o caminho até a box [como são chamados os locais onde se pratica CrossFit], me perguntava o que estava indo fazer, porque tinha muita vergonha.

Mas recebi carinho, as pessoas não me julgavam, senti apoio e foi mais fácil a adaptação. Sem o lado do desconforto, acabei continuando. Depois de 3 meses, a gente se apaixona e fica viciada.

Agora, não falto no treino. Se sei que não poderei ir à noite, horário em que normalmente treino, troco para de manhã, encaixo em um horário que dê para ir, porque parece que falta alguma coisa no meu dia. Já é assim há dois anos e meio.

Achava o exercício na academia monótono. Se tivesse que fazer agora, faria por disciplina. É diferente do CrossFit, que eu amo, quero melhorar a cada dia.

Eu até participo de competição, não sei o que me deu. Vi que teria um campeonato disputado em trios e falei com minha irmã e minha prima. Resolvemos ir e foi incrível, melhor do que esperávamos. Eu dizia que ficaríamos em último lugar, pelo condicionamento físico. Acabou que terminamos em nono lugar de 23 trios. Foi algo acolhedor, as pessoas incentivavam para concluirmos as provas. Mais para frente, melhorando os movimentos, vou encaixando em categorias maiores.

Júlia Sipolatti, 25 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Levantamento de peso virou a parte preferida de Júlia durante os treinos
Imagem: Arquivo pessoal

Neste ano, já vou participar de mais duas competições, em setembro e outubro. E também fiz uma competição de levantamento de peso na minha box, descobri que sou apaixonada. Sempre fui forte e tive facilidade de pegar peso, eu me encontrei. Hoje, é o treino que mais gosto, já fiz planilhas específicas para poder participar de campeonato. É muito legal.

Depois que comecei a competir, eu estou em todas. É ótimo mostrar para as pessoas que todos conseguem, recebo muitas mensagens de gente falando que se sente inspirada, que começou no CrossFit por minha causa. E posso estender isso às competições, mostrando que elas também podem participar.

Eu não tinha muita intenção de postar vídeos nas redes sociais, só que comecei a gravar e vi que as pessoas se sentiam inspiradas, recebia muita mensagem legal, e comecei a gostar de compartilhar.

Antigamente, tinha vergonha de mostrar meu corpo no vídeo, mas hoje não ligo mais para nada. Gosto, inclusive, que as pessoas vejam as minhas dificuldades para elas saberem que podem ir lá, fazer os movimento e também mudar de vida, porque depois do CrossFit minha vida mudou. E isso é muito mais do que o perder peso. As pessoas me perguntam quanto eu perdi e eu respondo que perdi uns bons quilos, mas a mudança que tenho de interior é muito maior.

Eu sinto que sou outra pessoa, porque a minha confiança melhorou, além do rendimento no dia a dia. Sou muito mais feliz, me ajuda a controlar a ansiedade, até as pessoas comentam que estou mais leve, é uma terapia. A gente vai treinar e se sente muito melhor quando sai.

Antes, a minha autoestima era muito baixa, não queria nem tinha coragem de me encarar no espelho. Sentia muita vergonha de sair na rua, mesmo sempre tendo sido muito extrovertida —sempre gostei muito de balada, de dançar. Só que olhares e algumas atitudes me incomodavam muito, me retraíam. Tinha muita vergonha, parecia que eu estava errada de dançar por ser gorda, que incomodava as pessoas por estar onde eu estava.

Agora, não ligo para nada, não preciso de ninguém, se a pessoa me olhar torto o problema é dela. Antigamente, era algo que acabaria comigo e agora não muda mais, encaro esses problemas. Claro que às vezes fico magoada pelos olhares e falas, só que é muito mais fácil superar.

E isso reflete até mesmo no treino. Eu treinava toda escondida, de calça e blusa. Hoje, não tô nem aí para isso também. Vou de top, shorts, fico igual às outras meninas. Isso faz diferença, porque a gente quer é se sentir incluída. Eu me sinto linda treinando e não tenho vergonha nenhuma de mostrar minha barriga, meus braços.

Júlia Sipolatti, 25 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Júlia participou da sua primeira competição de CrossFit e se prepara para mais campeonatos neste ano
Imagem: Arquivo pessoal

Tudo o que aconteceu comigo foi um processo. O CrossFit me ajudou muito, porque mudou minha cabeça. Comecei a ser mais carinhosa comigo. Se eu fico com receio de colocar alguma roupa, pergunto por que eu acho que estou pensando que vou ficar feia. É por que estou mostrando alguma parte do corpo e as pessoas talvez olhem? É coisa da minha cabeça? Criei essa relação de me tratar bem.

Depois que comecei a treinar, desenvolvi autocuidado e isso me tornou mais vaidosa, o que muda a vida toda. Como eu tinha muita vergonha a ponto de nem me olhar no espelho, acabava não me cuidando. Agora, eu quero me cuidar, reparo mais em mim. Antes, não tinha esse carinho. Tudo graças à mudança que se iniciou quando comecei a fazer CrossFit. A autoestima só aumenta."

Gosto pela atividade física depende do quê?

Para praticar uma atividade física com frequência, é preciso que a pessoa descubra o que mais gosta. Isso, no entanto, nem sempre é simples e depende de uma espécie de "alfabetização física", ou seja, o histórico que tem com o exercício.

"O conceito inclui se a pessoa foi uma criança ativa, fazia aulas de educação física, tudo faz diferença. Alfabetização física é existir conhecimento de atividades diferentes, principalmente na infância e adolescência, para que possa ter um leque de opções quando for para a fase adulta", explica o profissional de educação física Miguel Bortolini, professor da UFAC (Universidade Federal do Acre).

Esse conhecimento influencia as percepções e o prazer ao praticar uma atividade física, moldados por fatores variados —como o ambiente, o incentivo ao exercício e, inclusive, a forma como a pessoa se sente no espaço. Justamente por isso, lidar com o preconceito nas academias pode ser um fator bastante desestimulante e pode criar aversão em praticar qualquer outra atividade.

Adesão à atividade depende também de como pessoa se sente na academia - iStock - iStock
Adesão à atividade também depende da pessoa se sentir confortável na academia
Imagem: iStock

"Sentir-se integrado também é importante. Quando a academia não acolhe a pessoa, inclusive os instrutores, isso prejudica muito e acaba desestimulando a prática de atividade física, que recomendamos muito em uma sociedade tão sedentária", diz Marise Lazaretti Castro, endocrinologista da Sbem-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo) e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Segundo ela, o processo pode ser ainda mais intimidador entre as mulheres que têm intenso rigor com a autoimagem. "Vemos muitas dificuldades nas pessoas em se expor em ambiente que não é amigável, que não acolhe. É preciso ter academias com filosofias mais inclusivas."

As barreiras para praticar esportes podem começar já na infância, durante as aulas de educação física, por exemplo. Crianças que sofriam bullying, eram escolhidas por último na formação das equipes ou até mesmo excluídas das dinâmicas tendem a ficar mais desconfortáveis e a acreditar que não têm aptidões para as atividades. Esse cenário dificulta o desenvolvimento da alfabetização física e, consequentemente, afasta as pessoas de se manter ativas quando adultas.

Ao buscar uma atividade física, a dica é optar por aquelas que dão prazer. Caso não tenha histórico de praticar esportes, a pessoa deve analisar as preferências em outras áreas da vida: é mais introvertida? Então atividades individuais (corrida, ciclismo, natação) devem ser a melhor opção, enquanto pessoas extrovertidas podem preferir treinos em grupo.

"Tem pessoas que gostam de fazer exercício coletivo, com melhor amigo, tem quem goste de fazer individual, coloca uma música no fone e não quer que ninguém fale com ela", comenta Bortolini, da UFAC.