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'Achava que obesidade era minha culpa, mas depois entendi que é uma doença'

Recentemente, a inglesa Becky Smedley começou a falar mais sobre obesidade sem tabu - Luiza Vidal/VivaBem
Recentemente, a inglesa Becky Smedley começou a falar mais sobre obesidade sem tabu Imagem: Luiza Vidal/VivaBem

Luiza Vidal

De VivaBem, em Maastricht (Holanda)*

07/05/2022 12h05

"Achava que era minha culpa porque era o que os médicos diziam. Isso ficou na minha cabeça por muito tempo."

A frase é da inglesa Becky Smedley que, desde criança, sabia que estava com excesso de peso, mas sempre se culpou por isso: por não se alimentar corretamente ou não se exercitar o suficiente —e era isso que os médicos diziam constantemente para ela e a mãe.

Em entrevista a VivaBem, durante o Congresso Europeu de Obesidade, realizado em Maastricht, na Holanda, a jovem de 26 anos contou que ouvia dos profissionais da saúde que estava mentindo sobre seus hábitos alimentares.

"Minha mãe chegou ao ponto de preparar comidas diferentes quando eu estava com fome —porque as pessoas falavam que era culpa do que eu comia—, mas meu pai e meu irmão são magros. Então, nunca foi sobre isso, é algo muito mais complexo", diz a hoje influenciadora de assuntos relacionados com obesidade.

Becky lembra que os médicos falavam sobre alimentação e exercícios nas consultas e, depois, pediam que ela voltasse em algumas semanas. Ela passou boa parte da infância e adolescência se culpando pelo excesso de peso.

E isso parece mesmo ser uma realidade nesta faixa etária. Um estudo global divulgado dias atrás mostrou que 65% dos adolescentes sentem que depende deles mudar o status do peso, ignorando o fato de que a obesidade é uma doença crônica, complexa, que necessita de acompanhamento individualizado e multidisciplinar.

Becky só foi entender que a obesidade era uma doença há 3 anos, especialmente quando recebeu o diagnóstico de diabetes tipo 2. "Antes disso, os médicos não se preocupavam realmente com a minha saúde", diz.

Solidão dos adolescentes com obesidade é realidade

No mesmo levantamento citado acima, um em cada três disse se sentir incapaz de falar com seus pais sobre o tema, ou com amigos e médicos.

Foi o mesmo que Becky sentiu. Além do suporte da mãe, a inglesa da cidade de Birmingham estava sempre sozinha, principalmente na escola. "Não queria estar perto de ninguém. Tinha muito medo de não ser aceita", lembra.

Mas hoje, tenta atingir cada vez mais pessoas pelas redes sociais —principalmente no Instagram. Isso é ainda algo novo para Becky. Só recentemente que ela começou a falar mais sobre o tema.

"Se eu pudesse dizer algo para as crianças e adolescentes com obesidade, diria que não é sua culpa", afirma. "Espero que as pessoas possam se sentir confortáveis e, com isso, aproveitar a vida."

Atualmente, cuidando da doença, ela espera que um dia a imagem de que as pessoas com obesidade são "preguiçosas que só comem 'besteiras'" deixe de existir. "Estou sempre ativa, caminhando, e me alimento bem. Estou bem mais feliz agora que sei que a obesidade é reconhecida como uma doença. Tirou um peso das minhas costas."

'Não é sobre seu peso, mas sobre sua saúde'

A irlandesa Susie Berney, 46, sempre achou que, se resolvesse suas questões com o excesso de peso, sua vida ficaria melhor. Mas, aos poucos, foi descobrindo que o número que aparece na balança nunca estaria suficiente para as pessoas.

Susie Birney criou grupos de apoio para pessoas com obesidade - Luiza Vidal/VivaBem - Luiza Vidal/VivaBem
Susie Birney no Congresso Europeu de Obesidade
Imagem: Luiza Vidal/VivaBem

Desde criança, ela lida com um transtorno alimentar (conhecido como "Transtorno Evitativo/Restritivo da Ingestão Alimentar") que, depois, transformou-se no excesso de peso —mesmo se alimentando bem e praticando diversos exercícios.

Foi aos 13 anos, perto de sua primeira menstruação, que Susie notou o aumento de peso. Foi diagnosticada com diabetes tipo 2, ovários policísticos e outros problemas de saúde.

Constantemente, a moradora de Dublin contou que perdia cerca de 20 kg e, depois, ganhava novamente. Diversas vezes. "Eram sempre dois passos para frente e dois para trás", lembra.

Com o tempo, acabou se envolvendo com grupos de pessoas com obesidade. Tinha tantas ideias e vontade de ajudar outras pessoas que acabou virando porta-voz do grupo. Hoje, é presidente da Coalizão Irlandesa para Pessoas que Vivem com Obesidade e secretária da Coalizão Europeia para Pessoas que Vivem com Obesidade.

Em 2015, quando fez a cirurgia de bariátrica, perdeu cerca de 20 kg e as pessoas diziam que ela estava muito magra e precisava parar. Depois, os pesos perdidos voltaram.

"É preciso aceitar e aprender a conviver com a obesidade. Isso não quer dizer que você não tem responsabilidade nisso, mas que também não é só uma culpa sua", fala.

Não é sobre seu peso, mas, sim, sobre sua saúde. Susie Birney

Atualmente, Susie toma medicamentos com orientação médica e já perdeu quase 20 kg novamente, mas encontrou seu equilíbrio nessa jornada. Como criou esse grupo de pessoas com obesidade, sempre tenta ajudá-los com exemplos de outras pessoas. Grupos assim auxiliam as pessoas a se sentirem mais acolhidas.

"Um dia, uma pessoa escreveu que tinha quebrado a cadeira em um evento e, por isso, estava com vergonha. Mas neste mesmo post, vários participantes disseram ter passado pelo mesmo. Ou seja, sua experiência pode ser a de outra pessoa. Você não está sozinho nessa", disse, em entrevista a VivaBem, durante o congresso.

Canadá tenta empoderar pessoas com obesidade

Recentemente, o país lançou um novo guia para lidar com a obesidade. Neste novo material, eles reconhecem que o peso não define a doença e propõe melhorar os resultados de saúde com foco no paciente, e não apenas na perda de peso.

Durante o congresso realizado na Holanda, o grupo filantrópico Obesity Canada contou sobre a criação de um grupo de apoio para pacientes. A ideia é que eles encontrem um "espaço seguro".

Ian Patton - Luiza Vidal/VivaBem - Luiza Vidal/VivaBem
Ian Patton faz parte da Obesity Canada
Imagem: Luiza Vidal/VivaBem

Como uma pessoa que trata a obesidade, Ian Patton, diretor de advocacy e engajamento público da iniciativa, foi responsável pela criação deste espaço virtual chamado de OC Connect.

O foco é mais para os cidadãos do Canadá, mas há pessoas de diferentes partes do mundo. No total, são cerca de 2.500 pessoas. "É uma comunidade privada criada por pessoas com obesidade para pessoas com obesidade. Não há médicos lá, por exemplo", conta.

Mas tudo o que é postado no site passa, antes, por uma moderação criteriosa. Fake news ou informações não baseadas em ciência são filtradas. "A ideia é que as pessoas possam usar como fonte de informações para se empoderar", diz Ian Patton, que tem especialização em cinesiologia, a ciência que estuda os movimentos do corpo.

Nós, muitas vezes, não queremos ser reconhecidos ou chamar atenção. É algo que vivemos em silêncio. Então, é muito animador ver algo assim. Ian Patton

Por fim, Ian explica que espera que os participantes do grupo possam se empoderar com informações, inclusive as que recebem de médico, com sugestões simplistas demais, como "é só você fazer exercícios". "Sabemos que é muito mais que isso."

Entenda a obesidade

A OMS (Organização Mundial da Saúde) define a obesidade como o acúmulo de gordura no corpo capaz de fazer mal à saúde. A doença é considerada pandêmica, crônica e complexa, e se classifica em 2º lugar entre as causas de morte que poderiam ser prevenidas, perdendo apenas para o tabagismo.

O objetivo do tratamento não é a estética, mas a melhora da saúde com a reversão ou controle das comorbidades associadas à obesidade. Além disso, busca-se a melhora da qualidade de vida para que a pessoa alcance o bem-estar físico, mental e social. Esta é a razão pela qual o apoio de uma equipe multidisciplinar é considerado ideal.

As estratégias terapêuticas hoje à disposição devem ser aplicadas de modo escalonado, isto é, começam a partir de mudanças no estilo de vida, e vão avançando conforme as respostas ou gravidade do quadro. A terapia leva tempo, requer compromisso e monitoramento constante.

  • Mudanças do estilo de vida: adoção de dieta variada, saudável e hipocalórica, exercícios físicos;
  • Medidas de higiene do sono;
  • Tratamento de condições psiquiátricas (depressão, ansiedade) e terapia cognitivo comportamental;
  • Medicamentos para redução do apetite;
  • Em algumas situações, a cirurgia bariátrica pode ser uma opção.

*A repórter viajou a convite da Novo Nordisk. Com informações de reportagem publicada em 12/04/2022.