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Cirurgia bariátrica: mudar hábitos e apoio médico mantêm peso perdido

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Imagem: iStock

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

02/11/2021 04h00

Resumo da notícia

  • A cirurgia bariátrica ajuda pessoas com obesidade a perder peso e ainda trata eventuais comorbidades
  • Gastrectomia vertical e derivação gástrica em "Y de Roux" são as técnicas mais comuns
  • Outros benefícios: reduz risco para alguns cânceres, AVC e ainda melhora a qualidade de vida
  • Problemas nutricionais e reganho de peso são possíveis complicações de longo prazo

Entre todas as nações que compõem a OMS (Organização Mundial da Saúde), as Américas ostentam a mais alta prevalência de obesidade. Nos países que as compõem, cerca de 30% da população adulta está obesa. A cirurgia bariátrica é considerada uma opção para controlar o problema e as enfermidades a ele associadas.

Passados mais de 30 anos desde a realização dos primeiros procedimentos desse tipo, seus benefícios já são reconhecidos pelos cientistas, mas os médicos são categóricos: a técnica não cura a doença, não é isenta de risco e nem é milagrosa.

De acordo com os especialistas, a bariátrica deve ser a última opção terapêutica empreendida em um quadro de obesidade, e após o paciente ter tido a oportunidade de um tratamento clínico adequado, na tentativa de perder peso.

Afinal, a cirurgia não é para todo mundo, e os candidatos ainda devem preencher requisitos legais que vão desde ter IMC (Índice de Massa Corporal) acima de 40, ou 35 e alguma doença associada —como diabetes ou hipertensão—, além de comprovado tratamento clínico prévio, por, ao menos, 2 anos, entre outras condições.

O resultado da intervenção, em geral, é satisfatório, mas o paciente deverá ser monitorado por toda a vida.

Entenda o que é a cirurgia bariátrica

Trata-de de um procedimento cirúrgico realizado no estômago, intestino ou em ambos (trato digestório) indicado para o controle da obesidade. Dado o impacto da cirurgia na saúde do metabolismo, ela também é efetiva no tratamento do diabetes, da hipertensão (pressão alta), da apneia do sono, do colesterol alto e até do refluxo gastroesofágico, entre outras enfermidades.

O cirurgião Wilson Salgado Júnior, coordenador do Serviço de Cirurgia Bariátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, explica que, atualmente, a prática está evoluindo, e hoje já se introduziu o conceito de cirurgia metabólica.

Após diversos estudos demonstrarem o importante papel das cirurgias no controle do diabetes tipo 2, mesmo em uma população de pacientes com menor grau de obesidade (IMC de 30 a 34,9 Kg/m2), esta nova abordagem tem sido adotada.

"Isso significa que o peso continuará tendo um papel para a sua indicação, mas, cada vez mais, o procedimento focará o diabetes tipo 2 e todas as doenças associadas à obesidade", completa o especialista.

Conheça as técnicas

As mais utilizadas no Brasil e na América Latina, e também ocupam quase a totalidade de indicações no mundo todo, são a cirurgia de derivação gástrica em "Y de Roux" (conhecida como bypass gástrico) e a gastrectomia vertical (Sleeve).

Compare as vantagens e desvantagens dos dois procedimentos:

Vantagens do bypass

  • Mais antiga - contando mais de 30 anos, o conhecimento sobre ela e sua evolução já foram bastante observados;
  • A cirurgia permite reversão;
  • Resolutiva para o refluxo gastroesofágico;
  • Maiores perda de peso e controle do diabetes no longo prazo (é a primeira opção na indicação de cirurgia metabólica, segundo o CFM (Conselho Federal de Medicina)).

Desvantagens

  • Técnica mais complexa - demanda maior habilidade manual do cirurgião;
  • Maior necessidade de reposição vitamínica;
  • Resposta regular na cirurgia revisional;
  • Redução potencial na absorção de alguns medicamentos;
  • Na recidiva da obesidade, não apresenta boa resposta no médio e longo prazos, com a realização de cirurgias revisionais;
  • Falta de acesso endoscópico a grande parte do estômago.

Vantagens da gastrectomia vertical

  • Menor complexidade - demanda menor habilidade técnica;
  • Em tese pode ocorrer menor necessidade de reposição vitamínica - mas a literatura tem mostrado que ela é bem próxima a do bypass;
  • Em caso de recidiva, permite complementação cirúrgica com outra técnica, inclusive o bypass;
  • Apresenta menor interferência na absorção de medicamentos;
  • Permite acesso endoscópico a todo o estômago remanescente.

Desvantagens

  • Recuperação de peso maior e mais rápida;
  • Piora o refluxo gastroesofágico, aumentando o risco para câncer de esôfago;
  • Menor controle do diabetes;
  • É irreversível.

Essas cirurgias são realizadas, na sua grande maioria, por cirurgiões especializados em cirurgia bariátrica e por meio de procedimentos minimamente invasivos, com técnicas videolaparoscópicas, o que confere aos pacientes mais segurança, menos dor, menor risco de complicações, rapidez na alta hospitalar e retorno às atividades laborais e práticas esportivas.

A literatura sobre essas práticas descreve que essa intervenção é até mais segura do que a remoção de pedras nos rins ou a retirada do útero (histerectomia), por exemplo.

Quem pode se submeter a cirurgia bariátrica?

No Brasil, a indicação da cirurgia bariátrica é regulamentada pela Portaria 424, de 19 de março de 2013, do Ministério da Saúde, que estabelece que os pacientes devem atender às seguintes condições:

  • Ter IMC acima de 40kg/m2;
  • Ter IMC acima de 35kg/m2 - desde que tenha doenças associadas como diabetes, hipertensão, apneia do sono, doenças articulares degenerativas, sem sucesso de tratamento clínico prévio por pelo menos 2 anos;
  • Ser maior de 16 anos;
  • Possuir capacidade cognitiva para entender o procedimento;
  • Ausência de psicopatias como (droga-adicção, alcoolismo, esquizofrenia).

Já a cirurgia metabólica era considerada experimental no Brasil até que a Resolução 2.172/2017 do CFM reconheceu a prática como opção de tratamento para pessoas com diabetes tipo 2, com IMC entre 30 kg/m2 e 34,9 kg/m2, medida que deve ser validada por 2 endocrinologistas.

Estes pacientes devem ter idade entre 30 e 70 anos, não ter apresentado resposta a tratamento clínico convencional anterior, e nem ter diagnóstico de psicopatias graves. As mulheres são maioria entre esses pacientes, em uma proporção de 4 mulheres para cada 1 homem.

Contraindicações

Embora não existam contraindicações absolutas, a endocrinologista Jacira Caracik, diretora da Sociedade Brasileira de Endocrinologia - regional São Paulo, afirma que é preciso analisar cada paciente de forma personalizada.

Para além da presença de quadros graves de doenças cardiovasculares, pulmonares, bem como tratamento de câncer ativo, osteoporose e até doença de Crohn, o alcoolismo é uma preocupação. Como é esperado que no pós-operatório haja maior dificuldade para engolir alimentos sólidos, sentir-se mais confortável ao beber líquidos poderia facilitar o uso do álcool.

Caracik destaca outra contraindicação: a falta de dentes. "Quando o paciente não consegue mastigar direito, o pós-operatório é mais difícil. Ao engolir pedaços grandes de alimento, há maior risco de obstrução e dor aguda, que só seriam solucionados por meio de uma endoscopia", completa a médica.

O processo terapêutico

O cirurgião bariátrico não trabalha sozinho. Ele integra um grupo de profissionais que geralmente inclui especialistas como endocrinologista, nutrólogo, nutricionista, fisioterapeuta, assistente social e psicólogo, e ainda pode contar com uma equipe auxiliar composta por cardiologista, pneumologista, psiquiatra e anestesista.

O objetivo desse esforço conjunto é apoiar e preparar o paciente para os períodos de pré e pós-operatório. É essencial garantir que ele esteja consciente de todos os aspectos positivos e negativos da cirurgia, e se sinta estimulado a ser participativo.

Faz parte do processo terapêutico entrevistas com o psicólogo e/ou psiquiatra. A pessoa é ainda avaliada em seu comprometimento: antes da cirurgia é preciso perder 10% do peso. Uma resposta positiva a essa indicação demonstrará à equipe que o paciente está entrando no processo. Essa preparação é fundamental e requer tempo.

Os médicos afirmam que o sucesso da cirurgia depende de 5% a 10% do cirurgião —o restante é com toda essa equipe e o paciente. Quanto maiores forem o engajamento e apoio especializado em todos os momentos, melhores serão os resultados.

Prognóstico e possíveis complicações

O resultado da cirurgia, na maioria das vezes, é satisfatório, o índice de mortalidade é baixo, corresponde a menos de 1%. A depender da atividade profissional exercida e da evolução do pós-operatório, o retorno ao trabalho pode ocorrer em até 1 semana após a intervenção, embora as atividades físicas mais intensas sejam desaconselhadas.

Para 8 em cada 10 pacientes, a perda de peso é boa e se mantém ao longo do tempo. E ainda que a balança não acuse alteração nos níveis esperados, a solução das sempre presentes comorbidades deve também ser contabilizada como sucesso, fala o cirurgião Álvaro Antonio Bandeira Ferraz, chefe do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco.

"Quanto às complicações, as mais temidas e graves no pós-operatório imediato são o sangramento, a embolia pulmonar e o vazamento —uma fístula que causa infecção. Já as manifestações tardias compreendem um leque de problemas nutricionais, como a desnutrição crônica e a retomada do peso", esclarece o médico.

Além disso, podem aparecer alterações psicológicas e psiquiátricas, como depressão, e é comum que a compulsão alimentar seja substituída por outro tipo de compulsão —álcool, drogas e até sexo.

Benefícios adicionais

Os médicos destacam como benefícios adicionais a resolução e controle das doenças associadas, além da redução do risco para enfermidades mais frequentes em pessoas com obesidade, como vários tipos de câncer: o de endométrio e mama nas mulheres, próstata e intestino grosso no homem.

Há ainda redução do risco para eventos cardíacos adversos e AVC (Acidente Vascular Cerebral), melhora da dor nas costas, nos joelhos, da incontinência urinária e da apneia do sono. O aprimoramento da qualidade de vida é outro ganho que tem um impacto positivo nessa população, que pode voltar a praticar as atividades simples que antes eram impossíveis, como fazer uma caminhada, brincar com uma criança e utilizar o transporte público.

Por que algumas pessoas voltam a engordar?

A cirurgia é apenas uma etapa do processo da perda de peso. Quando o paciente não adere ao tratamento e não muda seus hábitos, o reganho de peso é uma das consequências, e isso acontece com 2 em cada 10 pessoas.

A boa notícia é que a maioria dos pacientes compreende esse compromisso, segue a orientação nutricional e se submete a regular acompanhamento médico.

Fontes: Álvaro Antonio Bandeira Ferraz, professor titular da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e chefe do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas da mesma instituição, que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Jacira Caracik, médica endocrinologista, diretora da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia - regional São Paulo); e Wilson Salgado Júnior, professor associado do Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo) e coordenador do Serviço de Cirurgia Bariátrica do Hospital das Clínicas da mesma instituição. Revisão médica: Wilson Salgado Júnior.

Referências: Ministério da Saúde; CFM (Conselho Federal de Medicina); SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia); ASMBS (Sociedade Americana para as Cirurgias Metabólica e Bariátrica); Stahl JM, Malhotra S. Obesity Surgery Indications And Contraindications. [Atualizado em 2021 Jul 31]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK513285/.