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Paulo Chaccur

REPORTAGEM

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Endividado? Cuidado com o coração! Como problemas no bolso afetam a saúde

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Colunista do UOL

14/08/2022 04h00

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É, podemos dizer que a vida não está fácil para praticamente ninguém. Basta ligar a TV ou acessar um site de notícias para se deparar com a realidade: alta inflação, preços exorbitantes de alimentos e bens básicos, taxa elevada de desemprego, crise econômica, entre outras consequências da pandemia da covid-19. Fatores mais do que suficientes para levar boa parte dos brasileiros ao endividamento.

Uma pesquisa realizada em 2019 pela International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), aponta que para 78% dos brasileiros a incerteza financeira é a principal causa de preocupação. Se esse número já era expressivo em um ano pré-pandêmico, imagine agora, com a alta no número de endividados.

Estudo da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), divulgado em junho deste ano, aponta que praticamente três em cada dez famílias no país têm contas em atraso atualmente.

O cenário que afeta o bolso também traz sérios danos à saúde, incluindo a do coração. Os impactos geram consequências para o sono, alterações na alimentação e no metabolismo, propiciam quadros de transtornos mentais, além de um possível enfraquecimento do sistema imunológico. Tudo isso aumenta o risco de complicações cardiovasculares.

Mais dívidas? Mais atenção à saúde!

Segundo um estudo da Northwestern University (EUA), realizado com pessoas na faixa de 24 a 32 anos que se encontram em altos índices de endividamento (ou seja, mesmo que vendessem todos os seus bens não teriam o suficiente para pagar o que devem), estar com dívidas pode desencadear um aumento significativo na pressão arterial, um dos principais pontos de atenção para doenças cardíacas e AVCs (acidentes vasculares cerebrais).

O levantamento revela que quanto maior o endividamento, maior o risco: aqueles que devem mais dinheiro relataram níveis de estresse percebidos 11,7% mais altos que a média. Isso porque o endividamento gera impactos sobre a saúde psicológica, dentro os quais incluem pensamentos preocupantes e previsões catastróficas sobre, por exemplo, ficar sem moradia ou ser incapaz de arcar com custos essenciais da vida, como a alimentação. A resposta a essa situação vem em quadros de ansiedade, depressão e estresse crônico.

Transtornos mentais x saúde cardiovascular

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De acordo com a American Heart Association, quando sentimos depressão, ansiedade ou estresse constante, nosso ritmo cardíaco e pressão arterial aumentam, o fluxo sanguíneo para o coração é reduzido e o corpo produz níveis mais altos de adrenalina e cortisol (e seus derivados), hormônios ligados ao estresse que sinalizam ao organismo a necessidade de manter um estado de alerta para enfrentar situações de perigo. Um modo de "luta ou fuga" é ativado.

Essas substâncias estimulam o coração a bombear o sangue de forma mais rápida, exigindo um trabalho extra do órgão. Outras mudanças são: artérias que se contraem ou dilatam demais; digestão mais lenta; menor fluxo de sangue para os órgãos internos; o corpo mobiliza energia e libera mais açúcares (glicose) e gorduras na corrente sanguínea para uso dos músculos. É possível sentir ainda dor no peito, dificuldade de respirar, suor excessivo e tremores.

Quais os riscos para o coração?

Com o tempo e a permanência do quadro, ocorre um desequilíbrio no organismo. Há um aumento da tensão nos vasos sanguíneos e no próprio coração. A liberação desses hormônios no corpo estimula a vasoconstrição. Como consequência, as artérias vão diminuindo o seu potencial de adaptação. A liberação excessiva das substâncias provoca também um processo inflamatório no endotélio (o revestimento interno dos vasos).

Tudo isso acaba obrigando o coração a trabalhar mais. Os resultados são: enrijecimento da parede dos vasos sanguíneos e o acúmulo de placas de gordura no local. O risco de hipertensão passa a ser maior assim como do diabetes —em decorrência da elevação do nível de glicose. Aumentam os riscos do desenvolvimento de doenças e complicações cardiovasculares, como a insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana, infarto e AVC.

Para se ter ideia da gravidade, segundo estimativas, aqueles que experimentam volatilidade na renda tem mais do que o dobro do risco em apresentar problemas cardíacos, e quase o dobro das chances de morrer cedo, em comparação com quem tem renda mais estável.

Cardiomiopatia de estresse

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Além disso, o aumento súbito da adrenalina pode desencadear sintomas de precordialgia, uma condição chamada de cardiomiopatia de estresse que "imita" um ataque cardíaco, com sintomas típicos e até mudanças aparentes em exames (como no eletrocardiograma).

Embora, em geral, a cardiomiopatia de estresse passe em poucos dias ou semanas, pode levar a músculos cardíacos fracos, insuficiência cardíaca congestiva e arritmias (ritmos cardíacos anormais).

No caso de pessoas que já têm predisposição às doenças cardiovasculares ou em recuperação de um evento ou procedimento cardíaco, as chances de agravamento são maiores em fases estressantes, como essa que muitos estão enfrentando hoje.

Defesa abalada e outras consequências

Vale destacar que o estresse crônico causado por problemas com dinheiro fragiliza nosso sistema imune. Quando um indivíduo fica estressado por conta de dívidas, o organismo reage, como vimos, nos preparando para uma situação de risco. Essa resposta, ao recrutar "um exército", acaba deixando o sistema imunológico enfraquecido, abrindo o corpo a infecções.

Pessoas com altos níveis de estresse por dívidas podem apresentar também enxaquecas frequentes ou outras dores de cabeça e tem maior probabilidade de ter tensão muscular, dores nas costas, úlceras ou problemas no trato digestivo.

Além disso, tendem a fazer escolhas e manter um estilo de vida pouco saudável: se tornam propensas a fumar mais, não estar fisicamente ativas, deixar os cuidados com a alimentação de lado, consumir mais bebidas alcoólicas, não tomar os medicamentos prescritos ou ainda exagerar em remédios por conta própria. Comportamentos que, da mesma forma, afetam o sistema cardiovascular.

O cenário vira uma bola de neve. O sono também é afetado —e a falta de boas noites de sono pode, por sua vez, levar a mais estresse. Quando dormimos nossos batimentos cardíacos diminuem o ritmo e a pressão arterial é reduzida. O organismo passa para um estado de compensação de energia, situação que ajuda a proteger o coração. O corpo de quem dorme mal não faz essa pausa, estando assim mais propenso aos problemas cardíacos.

Existe saída e soluções

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Se tem um assunto que gera dor de cabeça e preocupação é problema financeiro. E não importa a idade. Vemos esses efeitos em pessoas jovens. E aqui temos mais um agravante: somado às dívidas, muitas vezes há também o desemprego, que traz mais insegurança, tristeza e sensação de incompetência.

Um estudo publicado na revista Archives of Internal Medicine aponta que pessoas desempregadas por muito tempo têm o dobro do risco de desenvolver doenças mentais e altas chances de ter ataque cardíaco ou AVC. Perder o emprego aumenta ainda o risco de infarto. O levantamento apontou que quando isso acontece muitas vezes com a mesma pessoa, a chance de um ataque cardíaco chega a ser a mesma de um fumante.

O ponto positivo é que, na grande maioria dos casos, sintomas causados pelo endividamento bem como os problemas cardíacos, são tratáveis. Para amenizar esses impactos no corpo e na mente, é preciso buscar saídas. A adoção de algum grau de serenidade diante dos desafios pode ajudar a melhorar a percepção do estresse e resultar em mais qualidade de vida e melhor saúde cardiovascular.

Cuidados com a alimentação e a prática de exercícios físicos, por exemplo. A atividade estimula a circulação coronariana, reduz o cortisol, melhora o humor, a qualidade do sono reparador e diminui a pressão arterial. Por outro lado, é importante dar atenção à gestão do orçamento e, em muitos casos, optar pela contenção de gastos. Pode ser necessária também procurar por uma orientação financeira especializada.