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Mariana Varella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ômicron: o que esperar da nova variante?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

29/12/2021 04h00

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A ômicron, identificada há cerca de 4 semanas na África do Sul, se espalhou pelo mundo em velocidade impressionante. Em poucos dias, desbancou a variante delta e se tornou a mais predominante em boa parte da Europa e nos Estados Unidos, países que enfrentam um aumento vertiginoso de casos novos de covid-19.

Cientistas de todos os países se debruçam sobre os poucos dados disponíveis para tentar entender de que forma a variante irá alterar o panorama da pandemia.

A tarefa não é simples: compreender o impacto de uma variante nova depende não apenas de desvendar dados biológicos, mas também de tentar predizer o comportamento das pessoas para criar modelos que permitam aos países desenhar cenários e se preparar para eles.

A primeira informação confirmada e sobre a qual não há dúvidas é exatamente sua velocidade de disseminação. Ainda há algumas incertezas, porém, se isso se deve ao fato de ela ser mais transmissível que as outras variantes ou à sua capacidade de escapar da imunidade adquirida por vacinas ou por infecção prévia ou, ainda, pelos dois motivos, o que parece ser bastante provável, de acordo com os dados disponíveis até o momento.

Para tentar predizer os possíveis cenários, a Universidade do Texas publicou um relatório, ainda não revisado por pares, com algumas projeções para os Estados Unidos, país cuja taxa de vacinação é pouco inferior à brasileira (61,7% ante 66,8% da população).

No mais pessimista, a ômicron seria 100% mais transmissível que a delta, e "escaparia" com maior facilidade da imunidade adquirida por vacina ou infecção prévia. Isso causaria um enorme impacto nos sistemas de saúde, com aumento de casos graves e óbitos, especialmente entre os não vacinados, se nenhuma medida adicional for tomada.

A redução na proteção contra infecção, hospitalização e morte poderia sofrer queda de 85%, 32% e 22%, respectivamente, levando os EUA a enfrentarem a pior onda da doença até agora, com até 342 mil mortes entre dezembro de 2021 e maio de 2022.

Em um cenário mais otimista, em que haveria alta cobertura de terceira dose e a ômicron seria 80% mais transmissível que a delta, mas escaparia menos à proteção adquirida e não sofreria nenhuma redução na proteção quanto a desfechos graves, haveria um aumento significativo de casos, porém muito menos hospitalizações e óbitos. Mesmo assim, poderiam ocorrer 166 mil mortes no mesmo período.

Quanto à gravidade da doença causada pela nova variante, três equipes de pesquisadores da África do Sul, Escócia e Inglaterra apresentaram dados preliminares que sugerem que a ômicron gera sintomas mais leves que a delta.

Apesar de animadores, os dados são contestados por alguns cientistas do mundo todo, pois é difícil afirmar se menos gente tem ido para os hospitais porque a variante causa quadros mais leves ou porque muitas pessoas têm imunidade adquirida por vacina ou infecções anteriores, o que por si só diminui o risco de hospitalização e morte. A favor do último argumento há o fato de que, até agora, nenhuma variante interferiu na gravidade da doença.

Vale lembrar que o objetivo primordial das vacinas contra covid-19 é exatamente reduzir hospitalizações e óbitos, daí a importância de vacinarmos o maior número possível de pessoas. Estudos têm mostrado que a terceira dose da vacina é essencial para aumentar a proteção contra a ômicron, principalmente em indivíduos mais velhos e imunossuprimidos.

Essas projeções não são exatas, obviamente, mas servem como alerta, em especial quando analisadas à luz dos dados dos últimos dias. Nos EUA, a média diária de casos novos subiu de 85 mil em 1/12/2021 para 200 mil em 26/12; no Reino Unido, as taxas de casos novos também cresceram rapidamente: de 43 mil para 75 mil em 25 dias; na França, o número de casos novos mais que dobrou do início de dezembro até 26/12, segundo dados do Our World in Data.

Mesmo com taxas de hospitalização mais baixas, 1% da população de Londres adquiriu o vírus diariamente nas últimas semanas. É muita gente.

No Brasil, não há nada que indique que a situação será diferente. Temos apenas 11,6% da população com três doses de vacinas, muita gente em férias, época em que as pessoas circulam mais e costumam relaxar nas medidas preventivas, e a chegada de uma variante mais contagiosa, que escapa à imunidade adquirida, além do aumento da disseminação do vírus influenza. Essa combinação pode sobrecarregar os sistemas de saúde ainda no começo de 2022.

Além disso, o governo federal tem feito de tudo para atrasar a vacinação das crianças de 5 a 11 anos, ainda que a Anvisa e as principais sociedades médicas recomendem a vacinação desse grupo com o imunizante da Pfizer.

Embora a maioria das crianças desenvolva quadros leves de covid-19, com uma variante altamente contagiosa o número de internações deve crescer também entre esse grupo. Nos Estados Unidos, onde a vacinação de crianças de 5 a 11 anos já é permitida, na última semana, cerca de 800 crianças foram hospitalizadas com covid-19 diariamente no país, a maioria de menores de 5 anos e maiores não vacinados, segundo levantamento do The Washington Post.

O Brasil tem uma das mais altas taxas de mortalidade e de letalidade por covid-19 do mundo. Cerca de 2.500 jovens de 0 a 19 perderam a vida no país por causa da doença, sendo 300 crianças de 5 a 11 anos.

O Brasil parece ter dificuldade de aprender com países que enfrentam as ondas de covid-19 primeiro. Se acrescentássemos às informações que vêm do exterior todo o conhecimento adquirido nesses mais de dois anos de pandemia, poderíamos evitar mortes e medidas mais restritivas, que são penosas para todos.

Deveríamos, neste momento, adotar uma postura mais cautelosa, que incluísse a suspensão de eventos com grandes aglomerações e uma campanha de vacinação bem organizada e comunicada, para aumentar o número de vacinados com três doses e imunizar as crianças, além de medidas de estímulo ao uso de máscaras de boa qualidade, como as PFF2.

Aqueles que têm acompanhado as últimas notícias da Europa e dos Estados Unidos estão tentando alertar para o que pode acontecer no Brasil nas próximas semanas, mesmo sob acusações de serem pessimistas. No entanto, a sensação é de, mais uma vez, gritar ao vento.