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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Incontinência: duas novidades para quem vive com vontade urgente de urinar

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

15/11/2022 04h00

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Para muita gente, quando a vontade de fazer xixi bate é preciso parar tudo para atendê-la imediatamente: onde fica o banheiro?

Se a demora para achar o seu caminho é um pouco maior ou se a criatura não consegue andar ligeiro para alcançá-lo, a sensação é de estar prestes a deixar a urina escapar. E muitas vezes ela escapa mesmo, molhando a roupa na firma, naquela saída do cinema onde sempre há filas no toalete, na visita à casa do amigo. Constrangimento.

Não à toa, o problema provoca isolamento social e depressão, quando não atrapalha o dia a dia profissional. Mas, de tanta vergonha, só uma em cada quatro pessoas que convivem com a urgência para urinar comenta o assunto com o seu médico entre as quatro paredes do consultório.

Se ouvisse a queixa, o doutor chamaria essa condição de bexiga hiperativa. E a bexiga com hiperatividade também pode ter contrações fora de hora, que dificultam prender o seu conteúdo. Não raro, ele derrama pelo caminho. Ou seja, acontece uma incontinência urinária a reboque.

"Não é obrigatório as duas coisas andarem juntas. No entanto, é o que costumamos ver", observa o médico José Carlos Truzzi, coordenador do setor de Urologia do Grupo Fleury e diretor eleito para o período 2023-2027 do Departamento de Disfunções Miccionais da CAU (Confederação Americana de Urologia).

Foi justamente no congresso da CAU, que aconteceu há quinze dias em Cancún, no México, que ele deu uma aula sobre as inovações para tratar quem se acha nessa situação que leva a qualidade de vida a escoar entre as pernas.

De 20% a 25% da população mundial têm bexiga hiperativa. Estamos falando de homens e mulheres de todas as idades. Segundo o urologista, bastou adquirir continência plena, isto é, aprender segurar o xixi na infância, para alguém ficar sujeito a, um belo dia, desenvolver esse tipo de disfunção. "Só que, embora também ocorra em crianças, adolescentes e adultos jovens, ela termina sendo mais prevalente nas faixas etárias avançadas", nota.

A sensação de estar apertado no meio da noite pode até causar acidentes. "Já tive um paciente idoso que sofreu uma queda ao voltar para a cama e deslizar no chão molhado", lembra o médico. "Isso porque não tinha conseguido manter a bexiga cheia até chegar ao banheiro."

O que está chegando

Ao menos para os adultos, há duas novidades dentro de uma mesma modalidade de tratamento conhecida por neuromodulação sacral, que vem sendo aplicada desde os anos 1980. Truzzi gosta de compará-la à colocação de um marca-passo no peito. No caso, porém, o dispositivo é implantado no glúteo e seu papel é ajustar a condução dos sinais nervosos pela bexiga, a fim de acabar com o seu imediatismo.

Um dos lançamentos é um novo aparelhinho para fazer essa função, que diferentemente dos outros é recarregável e com uma vida útil três vezes maior do que o neuromodulador convencional, o qual é implantando no Brasil já faz um tempo, inclusive em alguns serviços do SUS.

Isso, sem dúvida, é bacana. No entanto, o mais sensacional é saber que, a partir de agora, todo dispositivo de neuromodulação sacral será feito de um material que não impedirá ninguém de fazer um exame de ressonância magnética, se necessário.

Por trás do problema

"O equipamento de ressonância é feito um grande imã, capaz de aquecer e atrair metais, o que podia ser um obstáculo à indicação da neuroestimulação sacral", justifica o urologista. Isso porque algumas pessoas com bexiga hiperativa têm outros problemas neurológicos, como esclerose múltipla, Parkinson, sequelas de um AVC ou lesões na medula provocadas por acidente. Em casos assim, vira e mexe os médicos precisam pedir esse exame de imagem.

Mas essa não é a única situação em que a existência de aparelhos compatíveis com exames de ressonância poderá ser útil.

Na realidade, a maioria dos casos é de bexiga hiperativa idiopática. No linguajar da Medicina, isso quer dizer que, por mais que busque, ninguém encontra a causa.

"Existem ainda condições que não são neurológicas, mas que também podem criar a urgência para urinar, como a hiperplasia benigna da próstata nos homens e o prolapso, isto é, a popular bexiga caída nas mulheres", acrescenta Truzzi.

São situações, enfim, em que a neuromodulação sacral sempre pode ser cogitada. Mas se, por azar, a pessoa era surpreendida por um câncer em qualquer parte do corpo ou por outra doença que exigiria a realização da ressonância para o seu acompanhamento, a saída era o urologista retirar o dispositivo implantado. E o risco seria voltar aquela vontade incontrolável de ir ao banheiro. Com materiais compatíveis, isso não acontecerá mais.

Panorama dos tratamentos

"Em geral, diante de um caso de bexiga hiperativa, logo pedimos para a pessoa fazer fisioterapia", conta José Carlos Truzzi. "Se ela, sozinha, não resolve, podemos prescrever certos medicamentos."

Quando nada disso surte efeito, porém, os médicos apelam para tratamentos que já são invasivos. Existem, então, três alternativas.

"Uma opção é dar injeções de toxina botulínica diretamente em alguns pontos da bexiga", diz Truzzi, um dos primeiros urologistas a fazer esse tratamento no Brasil. A substância reduz a sensação de que essa espécie de bolsa está cheia e diminui suas contrações. Mas o resultado vai desaparecendo aos poucos. "É preciso reaplicar a toxina a cada seis, oito meses", informa o urologista.

Uma segunda saída — que, atenção, não é oferecida no Brasil — é a estimulação elétrica do nervo tibial, feita por meio de uma pequena agulha espetada perto do tornozelo. "De algum modo, os estímulos nesse nervo acabam modulando a bexiga", diz o médico. "O tratamento é feito em algumas sessões semanais."

Finalmente, há a tal da neuromodulação sacral. "É na região do sacro que encontramos as raízes de toda a inervação da bexiga", justifica o urologista. Aliás, a inervação da porção final do intestino também passa por ali. Por esse motivo, essa acaba sendo a melhor escolha para os pacientes que, além de sentirem urgência para urinar, deixam escapulir fezes de vez em quando.

Como é o procedimento

Trata-se de uma pequena cirurgia, mas sem necessidade de internação. Na verdade, o procedimento é realizado em duas etapas. "A sedação é bem leve, praticamente uma anestesia local", garante Truzzi.

O médico introduz um eletrodo lembrando um fiozinho até ele quase encostar na inervação que segue para a bexiga. Esse eletrodo, por sua vez, ficará conectado a um estimulador externo, pouco menor do que um celular e preso a um cinto. Essa etapa dura uma semana e serve para os médicos fazerem ajustes na estimulação.

Quando a resposta do paciente é boa — leia, quando ele já não vive correndo até o banheiro mais próximo —, é feito o implante do dispositivo permanente na região do glúteo, sob o que os médicos chamam de coxim de gordura. Sendo clara: sob aquilo que forma a almofada natural que é o nosso bumbum.

"A maioria das pessoas não sente nada estranho no local depois. Até porque o dispositivo não tem mais do que 4 por 3 centímetros, algo como uma caixa de fósforo, só que mais fino", descreve o doutor.

O paciente, talvez, só se lembrará do implante ao entrar em um banco ou ao passar no controle dos aeroportos, por exemplo. Aí, como tudo o que é metálico, o aparelho de neuromodulação sacral fará soar o alarme. Por isso, é necessário ter sempre em mãos uma carteirinha atestando que há um dispositivo implantado no corpo.

Antes e agora

O procedimento não vai mudar em nada. A diferença anunciada no congresso da CAU está nos aparelhinhos. "O neuromodulador recarregável, por exemplo, é ainda menor do que os convencionais, do tamanho de um pen drive", compara Truzzi.

Esse tamanho enxuto pode ser uma vantagem para indivíduos muito magros, quase sem gordura nas nádegas. Eles, afinal, podiam sentir um pouquinho de desconforto com os modelos anteriores, que não precisam ser recarregados. Duram enquanto durar a bateria — os tais cinco anos. Quando ela fica zerada, devem ser trocados.

Já os neuromoduladores de última geração vêm com uma bateria que você coloca na tomada, como a do seu celular. Uma vez por semana, ela é presa em um cinto, em uma altura próxima a do implante — sabe aquela parte na nádega em que nos aplicam injeções? Pois bem! Bastam 20 minutos de proximidade e, por indução, o implante ganha fôlego para conter a vontade ir ao banheiro a todo instante.

Se a gente pensar em custo, claro que o investimento na novidade — que aterrissará nesta semana no Brasil — deverá ser maior."Em compensação, haverá menos trocas e procedimentos", lembra o médico. "Isso pode uma boa principalmente para aquele paciente mais fragilizado."

O fato é que é uma possibilidade a mais para esse tanto de gente que sofre calada, ou melhor, só perguntando onde fica o banheiro.