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Blog da Lúcia Helena

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Controle de infecção: é chocante deixarem alguém sem máscara em um hospital

O presidente Jair Bolsonaro caminha durante internação em corredor do hospital Vila Nova Star - Reprodução/ Instagram @JairBolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro caminha durante internação em corredor do hospital Vila Nova Star Imagem: Reprodução/ Instagram @JairBolsonaro

Colunista do UOL

20/07/2021 04h00

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A recente internação do presidente Jair Bolsonaro, que teve alta no domingo (18) do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, rendeu imagens de quase tudo o que contraria os protocolos de prevenção e controle de infecção hospitalar em tempos de pandemia.

Sem partido e invariavelmente sem tomar o partido da saúde dos que o cercam — aliás, nem da própria —, ele passeou por áreas comuns. Em casos de obstrução intestinal, como a que motivou a internação, é de fato recomendável caminhar. Bolsonaro só se esqueceu de usar máscara.

Alguns de seus seguranças também se acharam desobrigados de vestir o acessório, o qual foi dispensado até pela primeira-dama dentro do quarto e por seus visitantes. Sem contar a pose presidencial ao lado de outra paciente — aí, sem máscara e sem aquele 1,5 metro de distância.

No Brasil, desde 1998, existe portaria ministerial obrigando todo hospital a ter uma comissão de controle de infecções, com diversas atribuições para diminuir a ocorrência desse tipo de problema. Cabe a essa comissão dizer como deve ser o comportamento de pacientes e acompanhantes.

Existem estudos parrudos por trás de cada plaquinha sobre uma pia, de cada dispensador de álcool em gel e, no momento atual, por trás da obrigatoriedade do uso de máscaras. Sem contar que essas comissões seguem normativas claras da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Nenhum ser humano pode deixar de ser atendido por não cumprir as normas. Mas o hospital tem o direito de solicitar sua transferência, caso não tolere algo capaz de colocar em risco a saúde de todos os demais. Já acompanhantes e visitantes podem ser convidados a se retirar do ambiente, com a ajuda inclusive de autoridades sanitárias.

Pelo jeito, isso vale para todos nós, cidadãos comuns. Ignorar os protocolos ou ser conivente com quem os ignora em rede nacional pode ter efeitos nefastos — além do óbvio, que é dar chance ao azar de a covid-19 fazer novas vítimas. Uns acharão que tudo bem seguir o péssimo exemplo. Outros ficarão com mais receio de ir ao hospital, se precisarem seguir com tratamentos. Dois extremos lamentáveis.

Por isso, procurei especialistas na prevenção de infecções hospitalares. Aviso: não pedi a nenhum deles para comentar a internação presidencial, até para evitar constrangimentos. E por não valer a pena falar mais do mesmo — do negacionismo, da falta de respeito às regras e de empatia aos que pegaram covid-19 por trabalharem ou por precisarem de um hospital.

A parte que nos cabe: reduzir os riscos de infecções hospitalares

Quando se fala em controle de infecções em hospitais, há dois braços — aprendi com o infectologista Luis Fernando Aranha Camargo, professor da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, em São Paulo. Um deles é o de situações específicas. "E a maior parte das infecções acontece nelas", diz ele.

É quando uma bactéria, um vírus ou o que for se aproveita de um procedimento invasivo — como aqueles inerentes a cirurgias e intubações —, contaminando um catéter que deveria ser estéril, por exemplo. "Para minimizar o risco de isso acontecer, há regras para cada tipo de procedimento: como os profissionais devem manusear uma sonda, fazer uma aspiração, tratar uma ferida operatória e assim por diante", explica.

O segundo braço é aquele que pede para profissionais da saúde, outros funcionários do hospital, pacientes internados por qualquer razão e visitantes sigam, sem exceção, normas mínimas — mas nem por isso menos importantes. A primeira delas é lavar as mãos com frequência, especialmente antes e depois de tocar na pessoa hospitalizada. Atenção: mesmo que não seja por covid-19. Também manter superfícies limpas e, agora, usar máscaras.

Existem situações, ainda, em que a pessoa internada precisa de isolamento, por ter sido infectada por um germe resistente a diversos medicamentos. Mas — ainda bem — episódios assim não são os mais comuns.

Lavar as mãos: a mais antiga norma de segurança

Nos primórdios do que viria a ser a medicina tal como a conhecemos, já se tinha uma clareza: as mãos que curavam também poderiam causar danos. Tanto que na Mesopotâmia, ainda no século 18 a.C. (antes de Cristo), o severo Código de Hamurabi já previa decepá-las se a ferida de um procedimento cirúrgico supurasse, isto é, infeccionasse expelindo pus.

Muito tempo depois, em 1844, o médico húngaro Ignaz Semmelweis foi trabalhar no Hospital Geral de Viena, na Áustria. Lá, se espantou ao ver que uma em cada dez mulheres morria logo depois de dar à luz, ardendo em febre. Notou que a grande diferença desse para outros hospitais era que os estudantes de medicina ajudavam no parto. Detalhe: após realizarem autópsias.

Ninguém usava luvas naqueles tempos. Semmelweis, então, obrigou que todos só encostassem nas parturientes depois de terem lavado muito bem as mãos. Mais do que isso, provou que a medida reduzia drasticamente o número de mortes. Mesmo assim, foi mal compreendido pela direção do lugar, que optou em dar razão aos que insistiam em desobedecer a orientação — filme antigo.

Ignaz Semmelweis voltou ao seu país, teve Alzheimer relativamente cedo e foi ele próprio, durante muito tempo, esquecido pela história. Mas vale resgatá-la: "As mãos são o mosquito da dengue da infecção hospitalar", compara Carlos Magno Fortaleza, presidente da Sociedade Paulista de Infectologia e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Botucatu.

E a máscara?

Cá entre nós, o termo "infecção hospitalar" é ultrapassado. O certo seria falar em Iras (sigla para "infecção relacionada à assistência à saúde"). Faz sentido: sem os devidos cuidados, uma pessoa pode se estrepar até mesmo em um atendimento domiciliar ou em um procedimento realizado em uma clínica qualquer.

E, se mãos higienizadas continuam sendo fundamentais, em plena pandemia o uso de máscaras ganha o mesmo peso. "Antes, poucas infecções respiratórias se espalhavam com facilidade entre os pacientes internados e elas eram mais comuns em alas pediátricas. Agora, com a covid-19, é bem diferente", observa o professor Fortaleza.

Ele reconhece: nem sempre quem está no leito consegue usar a máscara. "Mas, para acompanhantes e eventuais visitantes, ela seria item obrigatório, inclusive dentro do quarto", aponta.

"Sair para caminhar pelos corredores, se a pessoa internada não está com a covid-19, não é nenhuma infração", esclarece seu colega, o professor Aranha. "Mas, então, a máscara se torna indispensável para ela também."

Teste na internação não é garantia

Atualmente, para dar entrada em um hospital, qualquer um precisa fazer o PCR, exame que identifica se o indivíduo está infectado pelo coronavírus. No entanto, para Carlos Magno Fortaleza, a medida só diminuiu a probabilidade de se admitir em uma "ala sem covid-19" alguém com o Sars-CoV 2. "Se a pessoa pegou o vírus um ou dois dias antes, esse teste pode dar um falso negativo", ele lembra.

O professor da Unesp diz que preferencialmente os acompanhantes deveriam ser testados também. "Mas o teste só vale na medida em que todo mundo toma os outros cuidados", frisa.

"Em uma andança pelos corredores, sem máscara, você pode topar com alguém que contraiu o Sars-Cov 2, o coronavírus da covid-19, e ainda não sabe", concorda o professor Luis Aranha. E, óbvio, se o paciente teve contato com pessoas de fora que vieram visitá-lo, ainda mais sem máscara, o risco se eleva. "Nesse caso, o PCR só acusaria a infecção quatro dias depois", informa o infectologista. Como diz o professor Fortaleza, "é como voltar à estaca zero e, portanto, aquele teste que foi feito na internação já não deveria ser considerado."

O contato com outras pessoas

O certo seria evitar até mesmo acompanhantes em hospitais durante a pandemia. Mas há um entendimento geral de que é duro suportar a estadia sem ter alguém por perto. "O ideal, então, seria contar com a mesma pessoa durante todo o período hospitalizado, se possível", aconselha Fortaleza. Também não se indica que um paciente entre no quarto de outro ou abrace quem está igualmente internado.

Visitas? "Na pandemia, é preciso ter um motivo muito forte e inevitável para visitar alguém em um hospital", opina Aranha. "Em resumo, o paciente precisa conhecer as normas hospitalares e obedecê-las à risca, sabendo que não são capricho. Afinal, elas são para a sua própria proteção, a dos acompanhantes e a de todos os que trabalham ou que estão por ali."

A resposta do Vila Nova Star

Eu jamais publicaria este texto sem tentar ouvir o lado do Hospital Vila Nova Star. Pedi à assessoria uma entrevista com o responsável pela comissão de controle de infecção da instituição na sexta-feira (16), mas já era tarde da noite. Então, insisti algumas vezes no sábado de manhã.

Primeiro, li que seria "improvável" que o presidente estivesse saindo pelos corredores sem máscara. "Para circular pelo hospital, ele tem usado máscara. Como ontem, quando foi fazer tomografia". Mas, naquela altura, todas as fotos tinham sido postadas. A assessoria ainda mandou um texto, no qual argumentava que os pacientes são testados na entrada.

À tarde, veio a resposta da direção à minha demanda:

"O Vila Nova Star esclarece que cumpre as normas sanitárias do país. Como forma de orientar, o hospital elaborou um documento que explica os protocolos sanitários adotados na pandemia, o qual é apresentado a pacientes e familiares. O uso de máscara, por exemplo, é obrigatório dentro das dependências do hospital, inclusive dos quartos. A equipe assistencial do hospital orienta continuamente pacientes e visitantes a seguirem os protocolos. Cabe ressaltar, entretanto, que as normas de segurança que regem a internação do presidente são de responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional."

Pelas linhas finais, em outro contexto, fizeram o que pregam: lavaram as mãos.