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Edmo Atique Gabriel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que as pessoas podem ter um infarto no fim de ano?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

04/12/2021 04h00

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Não sei se você já parou para pensar nisto, mas realmente observamos que, nos finais de ano, especialmente no período das festas, não é incomum pessoas apresentarem infarto do coração.

Mas por que isto aconteceria num momento considerado como símbolo de confraternização e congraçamento entre as pessoas? Não deveria ser um momento de reflexão, de união, de paz? E de repente nota-se que os pronto-socorros ficam cheios de casos suspeitos ou comprovados de infarto do coração.

Ironia, contradição, confusão: podemos atribuir o nome ou adjetivo de nossa preferência para este cenário. Seja qual for este adjetivo, ele pouco importa, visto que temos de conviver com esta realidade que todo ano se mantém e que merece uma profunda análise acerca de suas verdadeiras causas.

Posso afirmar para vocês que existem motivos concretos e justificáveis e alguns motivos que são fruto de uma rotina de observação. Estes últimos não são menos importantes; ao contrário, muitas vezes seu impacto poderá ser significativamente maior.

Dentre as justificativas mais concretas para este cenário de um infarto do coração em dias de festas de fim de ano, posso citar dois hábitos perigosos: os abusos alimentares e o consumo exagerado de bebidas alcoólicas.

Ainda que os abusos alimentares sejam relativamente frequentes nos finais de ano, eles podem causar modificações em nossa saúde cardiovascular, tais como arritmias, picos de pressão arterial e muitos sintomas desconfortáveis, como falta de ar, dor no peito, formigamento nos braços e sudorese fria.

Os alimentos condimentados, com excesso de sal, muito gordurosos, quando consumidos em grande quantidade, podem provocar um desequilíbrio orgânico, obrigando as pessoas a buscar auxílio médico devido aos sintomas citados acima.

Mais do que isto, temos de considerar que muitas pessoas já têm hipertensão arterial, colesterol elevado e diabetes, sendo que tudo isto somado ao abuso alimentar, aumentaria o risco de um infarto do coração.

Durante estes dias festivos, temos o hábito de consumir uma quantidade maior de doces, alguns deles ricos em recheios e coberturas cremosas. Estes doces são muito saborosos e, além do teor elevado de açúcares e gorduras, os mesmos contêm sal e farináceos. Todos estes ingredientes produzem certo grau de inflamação e toxicidade em nosso corpo, podendo predispor a descompensação do diabetes e maiores taxas de infarto do coração.

Embora muitas pessoas afirmem que preferem "morrer do coração" comendo de tudo e não abrindo mão dos alimentos mais saborosos, esta máxima deveria ser, por uma questão de prudência e bom senso, completamente revista.

Nestes dias festivos, as pessoas poderiam consumir uma quantidade controlada de açúcares e gorduras, mas sem abandonar os hábitos saudáveis, como a ingesta preferencial de frutas, carnes brancas e grãos.

As bebidas alcoólicas, em suas diferentes modalidades, são muito consumidas nas festas de fim de ano. Tanto as bebidas fermentadas como o vinho e a cerveja, como as destiladas, como no caso de vodca e uísque. Todos estes tipos de bebida apresentam razoável teor de álcool e, mediante o consumo exagerado, podem causar alterações neurológicas e cardiovasculares.

Muito importante ressaltar que este teor alcoólico pode promover uma reação inflamatória no músculo cardíaco e desencadear arritmias, alterações de pressão arterial e, dependendo da condição clínica prévia da pessoa, favorecer a ocorrência de um infarto do coração.

Basta imaginarmos que o consumo de bebidas alcoólicas muitas vezes está associado com uma alimentação mais condimentada e gordurosa. Para as pessoas que são diabéticas, as quais são por si só um grupo de risco para as doenças cardiovasculares, o consumo exagerado de bebidas alcoólicas pode ser um importante agravante, visto que estas bebidas contêm grande quantidade de calorias.

De forma surpreendente, quero apresentar a vocês mais um fator de risco para o infarto do coração e que se destaca no contexto das festas de fim de ano. Quem imaginou que eu fosse me restringir aos abusos alimentares e consumo exagerado de bebidas alcoólicas, irá certamente se assustar com a seguinte notícia —nos finais de ano, principalmente nos dias festivos, as pessoas costumam brigar, discutir, se agredir, ter desavenças e vivenciar situações intensas de estresse no relacionamento pessoal e familiar.

Esta notícia bombástica lamentavelmente é uma realidade ano após ano. As explicações para este cenário são muito estranhas e até contraditórias; no entanto, o que pesa mais é a incidência de tantas ocorrências em delegacias e hospitais em dias teoricamente destinados ao simbolismo de paz e união.

Nestes dias festivos, talvez devido ao encontro entre familiares e ao efeito de mais dois fatores —a forte emoção inerente a este momento do ano e a maior liberdade para consumo de bebidas alcoólicas— as pessoas parecem vivenciar mais suas diferenças de personalidade, seu nível de intolerância e sua fragilidade de valores espirituais.

A situação constituída parece ser ideal para deixar aflorar alguns sentimentos negativos que culminam com as agressões, violência doméstica, discussões extremamente ofensivas e, como produto final, o infarto do coração.

Esperar o telefone tocar nos dias festivos e receber a notícia de alguém que está internado por infarto do coração e que este evento ocorreu após uma briga familiar, é quase uma tendência esperada.

Vejam, portanto, que por mais incompatível que seja, o infarto do coração pode fazer parte da rotina em dias festivos de fim de ano. Ainda assim, este cenário ou esta tendência de quase todo fim de ano precisaria ser modificada. Já estamos inclusive muito atrasados em relação a esta percepção.

Estas datas festivas realmente deveriam ser motivo de reflexão e confraternização, jamais de insultos e agressões. Também não deveríamos transformar estas datas em momentos de êxtase alcoólico e abusos alimentares descomunais.

São dias e datas de transição, nos quais as pessoas certamente prospectam metas e objetos a cumprir com bastante motivação. Entretanto, não existindo esta conscientização pessoal e coletiva, um infarto do coração pode abreviar ou encerrar todo este novo ciclo que se pretende cumprir no próximo ano. Alguns poderiam dizer: "Tive realmente um infarto do coração, mas não morri".

Isto pode acontecer mesmo, mas garanto a vocês que, dali em diante, você nunca mais será a mesma pessoa, passará a ter apreensão e medo constantemente e poderá ter de conviver com limitações físicas.

Num ano de pandemia ainda em andamento, com tantas mortes e sofrimento, com tanto desemprego e pobreza, deveríamos transformar estes dias festivos de fim de ano em dias de tensão, agressão? Em dias de intoxicação de nosso organismo? Em dias para se ter um infarto do coração? Vamos refletir!