'Grávida, me livrei de um abusador e hoje minha filha é minha fortaleza'

"Minha gravidez foi desejada principalmente pelo pai do bebê. Estava com 41 anos quando resolvi tentar novamente, com dois filhos adolescentes de outro relacionamento, que havia criado como mãe solo. Pela idade, a gravidez foi de risco: tive problemas com a pressão e um descolamento de placenta. Por esse motivo, tive de me afastar do trabalho e entrei com o processo de licença longa, para receber o salário pela Caixa Econômica Federal. Fiquei de abril a agosto sem receber salário por isso — esse processo costuma demorar.

Passava muito mal devido à pressão alta e consegui fazer meu acompanhamento na maternidade Vila Nova Cachoeirinha, um hospital incrível na zona norte de São Paulo para gestantes de alto risco. Durante esse período difícil, comecei a perceber violências sutis do meu então companheiro, pai da criança. Hoje, acredito que essas violências sempre existiram, mas eu nunca havia me dado conta. Só percebi quando vi uma matéria em um telejornal sobre o assunto. A informação é libertadora e eu quero falar sobre isso para alertar outras mulheres. Não importa a classe social: todo mundo pode passar por algo parecido sem se dar conta, ainda mais em um período frágil como a gestação.

Quando eu reclamava, ele dizia que eu estava louca devido aos hormônios da gravidez. Em uma consulta com a psicóloga do hospital, comentei inclusive que estava ficando doida, pois meu marido dizia que eu falava coisas que eu não me lembrava de ter falado. Ela não disse nada, apenas me encaminhou para a psiquiatra.

Joyce e Athena: depois de um pesadelo, a calmaria
Joyce e Athena: depois de um pesadelo, a calmaria Imagem: Acervo Pessoal

A cada dia, ele se tornava mais violento. Eu tinha medo e adoecia cada vez mais. Aguentava, pois não queria criar mais uma criança sozinha. Meus filhos maiores tinham 14 e 16 anos. Ele usava isso para me culpar e com frequência dizia que eu nunca arrumaria uma pessoa por ser gorda e ter tantos filhos.

Sem renda, já que o INSS começou a pagar meu auxílio-doença apenas em agosto, e eu me afastei no final de abril, não tinha para onde correr. Suportei violências diversas, da psicológica à sexual. Ele argumentava que eu deveria satisfazer meu homem, que não tinha culpa se eu tinha descolamento de placenta. Constantemente, eu tinha lesões e sangramentos. Fui ao hospital muitas vezes, mas não podia falar do que estava vivendo, pois sempre estava acompanhada por ele. Fui ameaçada e coagida e seguia fazendo 'meu papel de mulher'. As violências aumentaram. Então, comecei a dormir no quarto dos meus filhos, pois sabia que lá ele não ousaria me agredir e me estuprar.

A partir de então, sem renda, ele cortou nossa alimentação. Vivíamos de pão e eu deixava de comer para alimentar meus filhos. Tinha muita fome e havia desenvolvido diabetes gestacional, que necessitava de alimentação frequente. Pedi socorro à minha mãe. Peguei uma mochila, enchi com o que deu, peguei meus últimos 20 reais, dois bilhetes únicos e saí da Freguesia do Ó, na zona norte de São Paulo, para Ferraz de Vasconcelos, a 47 km, na região metropolitana.

Na terceira gestação, passei o pior momento da minha vida. Foram muitas privações e, se não fossem meus amigos e família, teria passado até fome. Tudo que minha filha tem foi dado por alguém, pois com um salário baixo, apenas conseguia nos alimentar. Tive o auxílio da ONG Justiceiras e fiz todo o processo de violência doméstica para conseguir minha medida protetiva e assim ter paz. Ele devolveu algumas coisas que eu tinha na casa, em sua maioria, quebradas. Perdi guarda-roupa, fogão e máquina de lavar. Nunca fui tão triste na minha vida.

Athena nasceu em novembro de 2022, no dia de finados. Nesse dia, todas as minhas dores e passado morreram. Ela veio como uma deusa, com o nome que eu queria, pois seria outro se eu ainda estivesse com o pai dela. Ele alega que não é pai dela, mas paga pensão. Eu me recusei a fazer DNA: Athena é só minha. Eu vivi um dia de cada vez. Athena é incrível e eu nem me lembro de quem ela é filha. Ele tentou conhecê-la, mas eu acusei a quebra de medida protetiva. Eu e ela temos uma ligação linda.

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Tem um ditado que diz que quando Deus manda um bebê, ele manda com um pãozinho embaixo do braço. E assim estamos vivendo. Sem luxos, com muito trabalho, mas muito amor e paz. Minha filha me tirou de tudo que eu estava vivendo."

Joyce Pulastro, professora, 42 anos, mãe de Athena, 1 ano

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