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Delegada, feminista e cristã: 'a mulher armada é tachada de blogueirinha'

A delegada Luana Davico: "mostro que mulheres podem ocupar esses lugares" - Reprodução/@luanadavico
A delegada Luana Davico: 'mostro que mulheres podem ocupar esses lugares' Imagem: Reprodução/@luanadavico

De Universa, em São Paulo

18/03/2023 04h00

De batom vermelho e revólver nas mãos, a delegada Luana Davico tira fotos e dispensa a opinião de quem acha que mulheres armadas só querem sensualizar. Nas suas redes sociais, com milhares de seguidores, ela se define como feminista e cristã.

Lotada no Distrito Federal, Luana conta que foi reprovada 11 vezes no concurso para delegada. Ouviu — e ainda ouve — falas machistas em sua profissão, mas encoraja mais pessoas, incluindo mulheres, a ingressarem na carreira policial. A Universa, Luana conta sua história.

Uma história de reprovação

"Ao contrário da maioria das pessoas que entra na carreira policial, eu nunca imaginei isso. Como mulher, feminina, delicada que sou, seguia pelo estereótipo de um policial sempre muito masculinizado e não me via nesse lugar.

Morava no interior, em Inhumas (GO), e tinha pai professor que me ensinou que só eu poderia alcançar meu próprio sucesso.

Mas eu ainda estava inserida em um meio em que existia a ideia de que o que faz uma mulher bem-sucedida não é a profissão dela, mas o relacionamento em que ela está.

Via mulheres inteligentíssimas e maravilhosas, mas que resolveram abrir mão de todo o potencial de carreira por um casamento — por escolha delas, e eu respeito isso. Na época, eu era noiva e caminhava no mesmo sentido.

Quando decidi estudar [para me tornar delegada], rompi com isso.

Trabalhava no Ministério Público e nas horas que sobravam, eu estudava. Queria alcançar lugares altos, novos na minha vida e ter uma independência financeira.

delegada - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luana conta que testemunhas já quiseram deixar de depôr ao ver que delegada era mulher
Imagem: Arquivo pessoal

Estava em um relacionamento a distância e, quando comecei a estudar, não conseguia ficar no celular o tempo todo. Isso gerava crises, desconfianças.

Em determinado momento, meu noivo perguntou o que era mais importante para mim. E a prioridade seria estudar. Então, terminamos um relacionamento de 4 anos. Reprovei 11 vezes [no concurso] e na 12.ª me tornei delegada de polícia.

'Fazer o dobro'

Ser delegada me fez mais forte para compreender o que a mulher passa na sociedade. Ressignifiquei minha missão. O machismo está enraizado na sociedade e, ao longo do tempo, sofri com isso em todos os cargos, na iniciativa privada, ou como delegada.

Vejo que o público reflete muito isso, como uma testemunha não me responder porque sou mulher, ou a pessoa não querer fazer ocorrência por a delegada ser mulher

Nessas horas, minha principal ferramenta é devolver em conhecimento. Quero que a pessoa entenda o que ela acabou de fazer sem nenhuma mágoa.

Luana - Reprodução/Instagram @luanadavico - Reprodução/Instagram @luanadavico
'Tive exaustão por ter de fazer dobro de um homem'
Imagem: Reprodução/Instagram @luanadavico

Imponho o meu papel como delegada e continuo até que ela entenda a gravidade do que falou ou fez e que tem de me respeitar não só por ser delegada, mas como mulher.

Cheguei a certos momentos de exaustão, crise de choro por ter de fazer o dobro do que um homem fazia para ter o reconhecimento parecido. E entendi que precisava me posicionar e rebater as situações.

Sei que não alcançarei o respeito que merecemos, mas estarei abrindo uma barreira para as próximas que vierem.

Redes sociais e amparo

A minha história como delegada nas redes sociais começou quando a coordenação do cursinho em que eu era professora pediu para publicar mais conteúdos na internet.

Do dia para a noite, pulei de 900 seguidores para 5 mil. Fiquei assustada com aquilo e encontrei até um aplicativo para eliminá-los porque achava que tinha de obedecer 100% à cartilha de bom policial para não virar chacota.

Homens tinham redes sociais, mas, se fosse mulher, ela era tachada como 'blogueirinha', sempre em um tom de desmerecer o papel de mulher armada nas redes.

Na minha página, demonstro meu dia a dia. A utilização de armas é exatamente para mostrar que mulheres podem ocupar esses lugares. Cargos masculinizados não pertencem ao gênero masculino.

Também falo sobre a defesa dos direitos das mulheres e é incrível como as pessoas querem ouvir isso. Não apenas quem quer seguir carreira na polícia, mas mulheres que querem entender os próprios direitos.

Sempre abro minhas caixinhas para tirar dúvidas e já ajudei mulher em situação de violência. Consegui dar o suporte para ela procurar a delegacia.

As pessoas não conseguem compreender o que é a Lei Maria da Penha. Meu papel é tornar a lei mais acessível. As mulheres não estão desamparadas

Quem vê pensa que eu sempre fui uma pessoa desconstruída, muito feminista, defensora das mulheres — mas nem sempre foi assim. Isso tudo foi um processo que aprendi na pele, inclusive as dores de outras mulheres.

Hoje, sou exatamente o que eu queria encontrar quando eu estudava. Estou em um lugar que também pode ser ocupado por qualquer uma. Que as mulheres venham para a polícia também.

O Brasil é um dos países mais inseguros para a mulher viver e ainda carregamos as cicatrizes de dogmas em relação à mulher. Isso precisa ser quebrado."

Em caso de violência contra a mulher, denuncie

Ao presenciar um episódio de agressão contra mulheres, ligue para 180 e denuncie.

Casos de violência doméstica são, na maior parte das vezes, cometidos por parceiros ou ex-companheiros das mulheres, mas a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em agressões cometidas por familiares.

É possível realizar denúncias pelo número 180 — a Central de Atendimento à Mulher, que funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008.

A denúncia também pode ser feita pelo Disque 100, que apura violações aos direitos humanos. Há ainda o aplicativo Direitos Humanos Brasil e a página da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Vítimas de violência doméstica podem fazer a denúncia em até seis meses.

Caso esteja se sentindo em risco, a vítima pode solicitar uma medida protetiva de urgência.