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Raquel Lyra sobre posse em meio ao luto: 'Firme pela força dos meus filhos'

De Universa, no Rio de Janeiro

30/12/2022 04h00

Pela primeira vez desde a sua construção, em 1841, o Palácio do Campo das Princesas, no Recife (PE), abrigará uma governadora. Mas pouco mais de dois meses após a perda do marido e pai de seus dois filhos, de 12 e 10 anos, Raquel Lyra (PSDB), 44, celebra o feito ainda segurando as lágrimas do luto.

"É um misto de sentimentos de quem lida com pessoas que sabem que a gente vai fazer a diferença no estado, ao mesmo tempo em que vivo com uma ferida aberta. Fernando foi meu companheiro de vida, de 30 anos. Éramos inseparáveis. Queria muito que ele estivesse aqui fisicamente", emociona-se em conversa por vídeo com Universa.

O empresário Fernando Lucena, que Raquel conheceu aos 13 anos, teve um mal súbito e morreu em casa, aos 44 anos, na manhã do primeiro turno, em 2 de outubro. Nesta conversa às vésperas de sua posse, a governadora eleita diz que vai caminhando na medida em que o coração permite, apoiada principalmente pelos filhos. Foram eles que convenceram a mãe a votar, a caminho do cemitério. Ela e os meninos nunca mais voltaram para a casa onde vivia a família, em Caruaru.

Advogada, Raquel foi a primeira prefeita de Caruaru, sua cidade natal, em 2016, e reeleita quatro anos depois. Atuou como delegada da Polícia Federal, foi chefe da Procuradoria de Apoio Jurídico e Legislativo do governo de Eduardo Campos (PSB), morto em 2014, e deputada estadual eleita em 2010 e em 2014.

Seu avô, João Lyra Filho (PDT), também foi prefeito de Caruaru, assim como o pai, João Lyra Neto (PSDB), que também ocupou o Palácio do Campo das Princesas. Mas ela descarta nepotismo e reforça que todas as suas conquistas foram por mérito próprio: "Não existe lugar reservado. Aprendi em casa que cada passo que você dá na vida precisa ser conquistado."

Leia os principais trechos da conversa.

A governadora eleita de Pernambuco, Raquel Lyra, com o marido, Fernando de Lucena, e os filhos João e Nando - Reprodução/Instagram @raquellyraoficial - Reprodução/Instagram @raquellyraoficial
A governadora eleita de Pernambuco, Raquel Lyra, com o marido, Fernando de Lucena, e os filhos João e Nando
Imagem: Reprodução/Instagram @raquellyraoficial

UNIVERSA: A senhora está vivendo um momento muito difícil. Em que se apega para seguir em frente?
Raquel Lyra: Meus meninos têm sido incríveis e me fazem ter força para estar aqui. O que me move é a fé e a crença de que não é somente um cargo, mas uma missão para que a gente possa transformar a vida de pessoas. É isso que me mantém firme diante de toda essa tristeza. Fernando foi meu companheiro de vida, de 30 anos. Éramos inseparáveis. Éramos sempre o Nego e a Quel. Lá em casa a gente nunca teve papel definido e assim construiu a trajetória. Queria muito que ele estivesse aqui fisicamente. Mas sei que de alguma forma está ao meu lado e fico buscando força nisso para seguir na missão, em que ele também acreditava.

Chegaram a cogitar que a senhora desistiria de tudo para cuidar dos seus filhos. Pensou nisso?
Eu fiquei um tempo em blackout, reservada, e as coisas vão sendo feitas na medida em que o coração permite, mas estou aqui firme e muito pela força que eles me dão. No primeiro turno eles me chamaram a atenção e disseram que a gente precisava votar. E fui com eles. Todos os dias eles vibram e compreendem o que eu faço, já percebendo que eu sempre fiz questão de colocá-los como parte disso tudo. Eu não tenho duas vidas. Eu sou uma só. Eu sou a Raquel que é mãe, governadora, filha, esposa de Fernando. Não dá para fazer uma compartimentação.

A senhora está de mudança de Caruaru para Recife. Seria para sair da casa onde tudo aconteceu?
Não. Eu sempre tive duas casas. Morei até os 14 anos em Caruaru, vim para o Recife estudar e depois voltei. Meu marido é de lá também. Mas para onde eu morava, de fato, não tenho condição nenhuma de voltar e por isso estou construindo esse novo momento na minha vida e na vida das minhas crianças. Saí de casa e não voltei.

Apesar de vir de uma família de políticos, o que a fez se tornar prefeita e agora governadora?
Ainda na faculdade decidi ser servidora pública. Fiz o meu primeiro concurso, fui advogada do Banco de Desenvolvimento Regional e do Banco do Nordeste. Depois passei no concurso para a Polícia Federal, e como delegada atuei no Rio de Janeiro e no Recife. Desde 2005 sou procuradora do estado. E a política foi um passo quase natural na minha vida. Aprendi em casa que não tem lugar reservado. A primeira coisa que meu pai me disse é que não há voto na prateleira, e que cada candidatura precisa ser viabilizada, e que a gente precisa conquistar as pessoas a partir do trabalho. Que as pessoas vejam em mim e na Fátima Bezerra [governadora do Rio Grande do Norte pelo PT] um futuro com mais equilíbrio na representação política das mulheres.

Quando decidiu se candidatar à prefeitura de Caruaru, o seu antigo partido, o PSB, voltou atrás na promessa de lançar seu nome, motivo que a levou ao PSDB. Houve machismo nesse episódio?
A história já conta que sim. Eu tinha sido duas vezes eleita deputada estadual pelo partido e, às vésperas do final da janela partidária para mudança de legenda, recebi a notícia de que o partido que eu presidia na minha cidade não me disponibilizava mais a legenda, embora eu figurasse em primeiro lugar nas pesquisas. Mudei com a liberdade e autonomia de ser candidata. Não se faz isso com homens de maneira tão simples como fizeram comigo, de chamar e dizer que o jogo mudou e que eu não era mais prioridade.

Embora essa tenha sido uma campanha com disputa entre duas mulheres, no caso a senhora e a Marília Arraes (Solidariedade), houve alguns ataques. E ela ainda não aceitou seu pedido de adiar em um dia o início da campanha pelo segundo turno para viver o luto. Como lidou com isso?
Nessas eleições houve muita fake news e a nossa candidatura, a minha honra e a honra da minha família foram alvo de ataques e de mentiras. E lamento, porque não imaginava que numa disputa entre duas mulheres, e contra alguém que já se dizia vítima de fake news, a gente pudesse sofrer tantos ataques, que foram denunciados. Aprendi na vida que solidariedade ninguém cobra. Vivi o momento mais difícil da minha vida e estou vivendo ainda. Pedir o adiamento foi porque eu não tinha condição nenhuma de gravar propaganda eleitoral, e não foi aceito. Encontrei muita força naqueles que nem conhecia e na minha família.

Pernambuco terá pela primeira vez uma governadora. Qual a sua percepção sobre isso?
Vivi a minha vida tendo homens como referência. Quando me elegi prefeita, fui a única mulher que ganhou as eleições no segundo turno no Brasil, e eu já sonhava com o momento em que a eleição de uma mulher não precisaria ser destacada por ela conseguir acessar um espaço de poder. Passados 12 anos, a gente ainda tem muito o que fazer, mas fico feliz de ver líderes políticos e pessoas comuns vendo a mim e à minha vice, Priscila Krause (Cidadania), como inspiração.

Quais as principais propostas que a senhora têm para o seu governo?
Tenho falado que o cuidado com as mulheres. A gente vai estabelecer e criar o programa Mães de Pernambuco, de transferência de renda para mães em situação de pobreza com crianças de 0 a 10 anos. Nosso compromisso também é o de construir 60 mil vagas de creche e garantir o financiamento delas. E vamos trabalhar no enfrentamento à criminalidade Pernambuco é um dos estados mais violentos do Brasil em mortes por 100 mil habitantes, e a gente se comprometeu em lançar o programa Juntos pela Segurança, com prevenção social para reduzir crimes de homicídio e contra o patrimônio.

A senhora foi criticada por não ter tomado posição a favor do presidente Jair Bolsonaro (PL) nem do presidente eleito Lula (PT). Com Lula eleito, o que a senhora espera?
Espero que seja um governo capaz de unir o Brasil e superar a pobreza. Tomamos a decisão de não declarar voto nem apoio porque compreendendo que o debate sobre Pernambuco era maior do que qualquer debate que fosse dividir o estado. Tomar uma posição ou outra, como grande parte dos nossos adversários fez, é tentar se escorar numa candidatura nacional fugindo do debate local.

Muito se cobra de políticas o posicionamento sobre serem feministas ou conservadoras. Qual a sua resposta?
Busco fugir de rótulos. Mas se você olhar o mapa de pobreza, ela é prioritariamente revelada por uma mãe que cuida sozinha da casa. Se você quer saber se um programa está funcionando, pergunte a uma mulher. E eu sou uma delas. Uma vez me perguntaram por que eu queria ser candidata à deputada, e a resposta foi a de que eu queria que as crianças das famílias mais pobres pudessem ter as mesmas oportunidades que meus filhos. Sou feminista por uma condição de gênero.