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Manuela d´Ávila: 'Até pra ir ou não ao mercado penso em ataques que sofro'

De Universa, no Rio de Janeiro

13/09/2022 04h00

Dos 18 anos de vida política de Manuela d´Ávila (PCdoB) —ela venceu a primeira eleição em 2004, para vereadora em Porto Alegre— os sete últimos foram sofrendo ameaças. As de morte incluem a filha, Laura, de seis anos. No mês passado, mesmo sem estar concorrendo a nenhum cargo nestas eleições, ela e a menina voltaram a ser alvo, o que a fez registrar uma nova denúncia. "Jamais tive expectativa de que, se não concorresse, deixaria de ser ameaçada."

O nome de Manuela é tão emblemático quando se fala de violência política de gênero —além de receber ameaças, há ataques à sua aparência e à vida pessoal, além de montagens e fake news, a ponto de ser atacada nas ruas— que em 2021 ela lançou um livro para falar sobre o tema: "Sempre Foi Sobre Nós" (ed. Instituto E Se Fosse Você?), com artigos de 14 outras mulheres. E é no apoio às atuais candidatas que ela segue seu trabalho político neste pleito, após desistir de concorrer ao Senado. "Precisamos proteger as mulheres. Não é justo a gente ser destruída por sermos quem somos", afirma, em entrevista a Universa.

Sobre o que passa, admite que fica abalada, mas entende que não é vítima sozinha. Por isso, diz, não são os ataques, mesmo os mais virulentos, que a farão parar. "Todas as minhas decisões, inclusive de ir ao mercado ou não, têm relação com a violência que sofro. O tempo inteiro. E apesar dela, eu concorri em 2020. A violência política de gênero não é algo que acontece em um fato e faz você continuar ou desistir. São sete anos que sofro isso."

Assim como ela, outras mulheres, candidatas e eleitas, também são alvo das mesmas agressões. Algumas delas gravaram o vídeo acima a pedido de Universa. Ao lado de outras políticas, como as deputadas federais Benedita da Silva (PT-RJ) e Tabata Amaral (PSB-SP), além da deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP), elas mostram como é a rotina diária de xingamentos a que as mulheres com cargos políticos estão submetidas.

Abaixo, leia trechos da entrevista com Manuela d´Ávila:

UNIVERSA: Você é um dos mais antigos alvos de violência política de gênero. Acredita que, hoje, o tema é levado mais a sério?
Manuela D'Ávila: Ainda tem um negócio que é horrível para as mulheres vítimas: mesmo a imprensa só dá legitimidade para o que digo se apresento o meu ameaçador. Quando falo que eu sofro ameaças há sete anos, acham algo superficial. Mas se publico o texto de quem me ameaçou, aí vira sério. Poderia dizer que essa noite acordei com uma nova ameaça do mesmo cara que denunciei recentemente. Decidi não tornar público porque não quero ter que falar sobre isso no meu final de semana inteiro: é o aniversário da minha filha e eu não quero que seja a capa do jornal.

Qual sua avaliação sobre a lei que criminaliza ataques contra mulheres políticas, sancionada em 2021?
Acho a lei importante, mas a gente tem um problema com relação à legislação em geral que é a velocidade com que ela vai ser aplicada por causa daquilo que a professora Márcia Tiburi chama de machismo publicitário. Essa violência contra nós rende votos, e se a punição for depois do processo eleitoral, o prêmio é muito grande, porque eles recebem os mandatos.

Que recado uma lei como essa deve passar?
Que nós precisamos proteger as mulheres que são eleitas. A gente não quer ser protegida no discurso nem ter nenhum privilégio. Queremos ser enfrentadas pelo que pensamos. Não é justo que a gente seja destruída pelo simples fato de sermos mulheres.

Por que desistiu de concorrer ao Senado?
Tinha um debate relacionado à unidade da esquerda aqui no RS. Não poderia ser candidata numa chapa completamente dividida. Isso tinha relação com as ameaças também porque, se estamos mais unidos, há mais proteção. E alguns cargos eu não cogitava [concorrer] porque havia outras pessoas que poderiam disputar. Achava que era meu compromisso mostrar que a renovação da política pode acontecer. Quando vamos garantir mais mulheres negras no Congresso, por exemplo?

Então não teve a ver com os ataques que sofre?
Não consigo responder que deixei de concorrer por causa da violência, porque não é verdade. Concorri duas vezes contra o bolsonarismo, em 2018 e 2020. Outras pessoas não estiveram na linha de frente como eu. E todas as minhas decisões, inclusive de ir ao mercado ou não, têm relação com a violência que sofro. O tempo inteiro. E, apesar dela, concorri em 2020. Naquele ano eu sofri tanta violência que acho que foi uma das razões pelas quais a lei foi aprovada. A violência política de gênero não é algo que acontece em um fato que faz você continuar ou desistir. São sete anos que eu sofro isso. Existe a ideia de que algumas de nós desistimos sem ter a noção do que nós continuamos a viver. Jamais tive expectativa de que, se não concorresse, deixaria de ser ameaçada. Basta ver a última ameaça que eu tornei pública. E foi depois desse anúncio [da desistência].

Desistir de concorrer nessas eleições significa que abriu mão da política?
Não. Foi a decisão correta para esse momento. Não acho que seja boa ou ruim, mas a decisão que eu tinha condições de tomar. Não me sinto fora porque não sou candidata, faço campanha para diversas mulheres que apoio pelo Brasil inteiro. Concorrer ou não é um lugar em que uma pessoa como eu, militante, pode estar, mas não é único. E é importante que as pessoas percebam isso, que a política vai além do rosto de quem concorre.

Apesar de as mulheres serem a maioria da população, ainda temos baixa representatividade nas casas legislativas. Vê possibilidade de isso mudar nestas eleições?
Isso já tem mudado. As mulheres têm votado muito diferente dos homens nas eleições brasileiras entre 2018 e 2022. As pesquisas indicam isso. Então acho que há um crescente envolvimento feminino na defesa dos direitos das mulheres e na eleição de homens e de mulheres comprometidos com esses direitos. E isso tem relação com as políticas que a gente foi aprovando, como a cota de 30% do fundo partidário para as mulheres e a multa para quem não aplicar o fundo. Precisamos saudar a luta das parlamentares que conquistaram, passo a passo, esses avanços.

Já pensou em sair do país por causa da perseguição que sofre, a exemplo de outros parlamentares?
Quem tem uma filha de seis anos ameaçada permanentemente, como eu, sempre está pensando sobre o lugar onde está. Assim como sempre está pensando qual vai ser o próximo passo que vai dar, assim como nunca senta num restaurante sem ter domínio de quem está sentado ali. Acho que um dos males do Brasil foi subestimar o grau de violência a que alguns de nós fomos submetidos nos últimos anos.

Como trabalha a saúde mental e o que te dá forças para seguir adiante apesar das ameaças?
Se você tivesse que chegar em casa e continuar rindo para uma criança, explicando as coisas e tentando fazer com que ela não tenha pânico do mundo, acho que você conseguiria entender. Os nossos filhos são vítimas junto conosco, então a gente não tem a possibilidade de não se cuidar e de enfrentar o mal que a gente vive. Não estou dizendo que não fico mal, porque seria uma mentira, mas ninguém é vítima sozinha. Então a gente se cuida enquanto tenta proteger ao máximo as pessoas que amamos.

Acredita que os políticos homens estão mais atentos ao tema?
Sim, acho que mais setores têm tido consciência. Mas não adianta tirar um grão bichado do saco de arroz. Só está surpreso com o Gabriel Monteiro ou com o Arthur do Val quem fez de conta que não estava vendo o que eles faziam em 2018, quando nos acossavam fisicamente na rua com os seus celulares. Quando a gente estava caminhando com o filho e eles vinham nos prensando na parede para que nós reagíssemos e, depois, faziam edições [dos vídeos gravados] fomentando a violência.


Universa lança campanha contra violência política de gênero

Universa reuniu parlamentares de diferentes cargos e espectros políticos na campanha #juntasnaurna, contra a violência política de gênero. Elas leram mensagens ofensivas e ameaçadoras que recebem frequentemente por meio de suas redes sociais e reagem a esses comentários.
Os depoimentos comprovam o que mostram as pesquisas: os principais alvos de ataques são grupos historicamente discriminados, como negros, mulheres, pessoas com religiões de matriz africana e população LGBTQIA+, entre outros